Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Num Verão (aparentemente) sem crise

Festas e romarias, festivais de música e de gastronomia, incêndios e acidentes... têm estado a ser servidos neste Verão... como noutros do passado.
- Crise? – que é isso, afinal!
- Sim. Esse tal fantasma ainda por cá não passou... Parecem dizer muitos em surdina.
Tentemos esmiúçar certos impropérios – tão lusos, tão repetidos  e tão vazios – com que já nos vimos a enganar há uns tempos, dizendo que ‘este ano está pior’... quando ainda nem sabemos o que, de fato, virá a acontecer a curto ou a médio prazo.

= De algum desgraçadismo fatalista...
Em matéria de lamúria não há quem nos ganhe... por essa Europa fora: temos uma forte propensão para nos amesquinharmos diante das dificuldades ou, noutras situações, para nos impertigarmos de bazófia em maré de desilusão. Nós, portugueses, somos um povo muito especial: ora estamos nos cumes do sucesso, ora deambulamos pelas ruas da amargura do insucesso... mais ou menos relativo. Normalmente não somos ponderados na avaliação e nas reações às contrariedades da vida pessoal, familiar ou coletiva.
Desgraçadamente somos um povo que passa num ápice do estado de euforia para a ressaca de uma depressão. Se quisessemos usar uma imagem é como quem está no alto do promontório do Bom Jesus do Monte e cai abruptamente – sem contar as centenas de escadas – para o sopé do escadório... mais depressa do que a água a esvaziar-se do elevador...em fim de viagem.
O melhor retrato desta nossa condição coletiva de fatalismo tem sido, paradoxalmente, o futebol: ora somos invencíveis, ora não temos qualquer hipótese de ganhar ao mais ínfimo adversário! Por estes dias seremos postos à prova!...

= ... A um certo riquismo falido
Há dias alguém referia em jeito de sarcasmo: só quero o facebook para ficar a saber onde os meus vizinhos vão passar férias!
De fato, há muita gente que pretende vender uma imagem para que possa dar (mais boa do que má) imagem de quem até vive bem... nem que seja à custa da falsidade ou até da mentira.
Temos vivido acima das nossas possibilidades, criando expetativas que nem sempre correspondem à verdade daquilo que somos. Temos sido influenciados por propagandas indecentes, que foram gerando nas pessoas uma quase impunidade em não cumprirem as obrigações que têm umas para com as outros e mesmo para com o Estado. Temos andado a fugir da nossa realidade autêntica, refugiando-nos nos subsídios da União Europeia e até na sua (aparente) generosidade. Temos a assumir aquilo que somos ou andaremos iludidos... irresponsavelmente.
Quando vemos serem, sobretudo, promovidos os devedores, fazendo deles heróis da literatura cor-de-rosa. Quando vemos crescer a cultura da fachada, tornando os preguiçosos modelos de comportamento. Quando se tenta fazer passar uma exaltação dos direitos adquiridos – sabe-se lá a que preço e com que meios! – sem gerarmos uma cultura do trabalho honesto e comprometido com o bem comum.
Então, dizemos:
- A crise parece um pesadelos para alguns, embora atinja todos;
- A crise ainda não chegou verdadeiramente, pois uns tantos vivem sem dela se terem apercebido;
- A crise, neste Verão, ainda (só) foi miragem ou será que é, de verdade, alucinação de perdidos no deserto?

A.Sílvio Couto

sábado, 20 de agosto de 2011

Novos desafios filosóficos ao cristianismo... atual

Quais são as (possíveis) causas de um acentuado abandono da vivência da fé, particularmente, em condição de Igreja, sobretudo na dimensão católica? Que mudou tanto psicologicamente para que as pessoas se tenham afastado das propostas da Igreja? Terá havido algo que, filosófica e culturalmente, se alterou para que, no nosso tempo, vivamos segundo outros aspetos que, anteriormente, eram fatores de estabilidade? Como podemos viver em consonância com os valores do Evangelho, neste mundo secularizado e, sobretudo, laicizado, numa perspetiva quase anti-cristã?
Por ocasião do surgimento do cristianismo – há mais de dois mil anos – vigoravam, ‘grosso modo’, duas grandes correntes filosóficas, com razoávies incidências sociais e religiosas, denominadas estoicismo e epicurismo... como formas diametralmente opostas de ver a vida e de a viver... pessoal e socialmente.
Em resumo vejamos como se caraterizavam estas correntes filosóficas:
* O ‘estoicismo’ propõe-se viver de acordo com a lei racional da natureza e aconselha a indiferença (apathea) em relação a tudo que é externo ao ser. A escola estóica foi fundada no século III a.C. por Zenão de Cítio e que preconizava a indiferença à dor de ânimo oposta aos males e agruras da vida, devendo manter a serenidade perante as tragédias e as coisas boas. Diz-se estóico aquele que revela fortaleza de ânimo e austeridade, impassível, imperturbável, insensível.
* ‘Epicurismo’ é o sistema filosófico ensinado por Epicuro, que acreditava que o maior bem era a procura de prazeres moderados de forma a atingir um estado de tranquilidade (ataraxia) e de libertação do medo, assim como a ausência de sofrimento corporal (aponia) através do conhecimento do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos. A combinação desses dois estados constituiria a felicidade na sua forma mais elevada.
A finalidade da filosofia de Epicuro não era teórica, mas prática e que buscava sobretudo encontrar o sossego necessário para uma vida feliz e aprazível, na qual os temores perante o destino, os deuses ou a morte estavam definitivamente eliminados.

= Como é que estas duas vivências filosóficas terão influenciado (mais ou menos) o cristianismo? Será que o pensamento cristão tomou partido por algumas destas filosofias? A práxis cristã gerou mais adesão ao estoicismo ou ao epicurismo?
Tentaremos, agora, esmiuçar alguns aspetos destas correntes ético/filosóficas em ordem a perceberemos como é que hoje vivemos – na Igreja como no mundo – mais sobre a condução de uma ou de outra.

# De uma certa referência ao estoicismo...
Segundo alguns autores, sobretudo com fundamentação na patrística, o cristianismo – sobretudo na hora da sua formulação ético-religiosa – como que teve uma escolha mais da vertente estóica em detrimento da vivência epicurista. A máxima de indiferença sobre o sofrimento deixou marcas na teologia cristã, criando mesmo – no contexto da paixão de Cristo – um exemplo máximo de imperturbabilidade... diante das agruras e dificuldades da vida.
Assim o ‘bom cristão’ será (ou seria) aquele que fosse capaz de viver em serenidade – ao menos exterior – perante as mais variadas dificuldades da vida, tanto pessoal como com os outros. Até a contemplação de Jesus no processo da Sua paixão se torna uma espécie de modelo extremo dessa ‘indiferença’ e mesmo de purificação nas dificuldades da vida (dita) normal.
De algum modo a espiritualidade (particularmente) católica – sobretudo após a etapa da Reforma – foi criando, na mentalidade latino/romana uma forte apetência pelo estóicismo – tanto pessoal como social – com atos de culto e de religiosidade, onde cada um tentava purificar-se pelo sacrifício assumido ou imposto pela penitência em desconto pelos pecados... mais pessoais do que sociais.
Mesmo que inconscientemente fomos – dizemo-lo sem pejo nem mágoa – formados na escola de um certo estoicismo cristianizado, onde cada momento de contrariedade era (ou é) como que visto na linha de sofrermos em desconto dos nossos pecados pessoais e até sociais. Ora, certos atos de penitência – sobretudo na época da Quaresma – como que soam a gestos coletivos de compensação pelo mal feito e que podem ter ofendido a santidade divina.  

# ... À escolha (atual) do epicurismo
Por outro lado, dada essa escolha preferencial pelo estoicismo, o epicurismo entrou numa linha de (quase) demonização, pois o prazer da vida – ‘carpe diem, sape vinem’ – como que se tornou uma espécie de ofensa à vitória sobre a nossa condição de tentados e (mesmo) de pecadores.
Se o sacrifício – da proposta estóica – era como que uma vitória sobre nós mesmos, o prazer – da mentalidade epicurista – revestiu-se de uma certa cedência ao pecado na carne e daquilo que ela significava...
Ora, tendo muitos dos nossos contemporâneos, de algum modo, sacudido o condicionamento da barreira ético/religiosa... cristã, o prazer – mesmo que desregrado de qualquer ética normativa – conquistou a práxis mais popular, sendo, hoje, confrontados com as razoáveis consequências em que cada um faz o que lhe apetece, desde que isso lhe dê prazer e até lhe possa criar pouca relutância moral... Com efeito, a norma moral passou do absoluto para o relativo, onde cada um é como que a bitola do seu próprio comportamento e já não se deixa guiar por um quadro de moralidade... exterior e mesmo coletiva.
Deste modo o epicurismo foi-se sobrepondo, progressivamente, ao estoicismo, gerando uma nova moral com as suas regras de conveniência... ao ritmo das consequências e não das causas: cada pessoa tornou-se ela mesma como que a regra de comportamento, mesmo que isso possa colidir com outros absolutos relativos... concorrenciais.

# Alguns desafios em tempo de mudança
Atendendo a alguma confusão que, entretanto, se foi criando – onde a máscara estóica foi substituída pela personagem hedonista – a vivência atual traz-nos alguns desafios:
- Somos mais do que sensações corporais. Temos de interagir com os outros sabendo respeitá-los nos seus valores... mesmo que não declarados, mas, ao menos, subentendidos.
- Somos seres de dádiva e não de mera sensação. Temos de promover a valorização da dimensão espiritual, respeitando e sendo respeitados... seja qual for o/a nosso/a interlocutor/a.
- Somos pessoas em relação e não meras figuras descartáveis. Temos de valorizar, conveniente e corretamente, a dimensão do prazer sem ofender a presença de Deus em nós mesmos e nos outros e de vermos os outros em Deus.
Numa palavra: o prazer – seja qual for a sua dimensão de intercomunhão – nem sempre é mau, desde que tenhamos todos bem clara e viva a dimensão divina como espaço de relação e de comunicação.   

A.Sílvio Couto


Fumar ou não, eis a questão... atual e futura

A autoridade nac ional do medicamento e produtos de saúde (Infarmed) referiu, esta semana, que é desaconselhável aos consumidores  a utilização dos ‘cigarros eletrónicos’, pois estes, podem à semelhança dos cigarros convencionais, gerar dependência, para além da (mera) nicotina.
Com este alerta o Infarmed tenta esclarecer que, aquela instituição oficial, não possui, até ao momento, qualquer autorização nem registo para aquele tipo de produto substitutivo, tanto como medicamento ou como mero dispositivo médico.
A razão desta ‘desconfiança’ sobre os cigarros eletrónicos radica sobre a sua qualidade, a segurança e a eficácia, sendo, na interpretação do Infarmed, desaconselhada a utilização do produto em causa.
Já, anteriormente, a Organização mundial de saúde tinha lançado um aviso: os cigarros eletrónicos contêm aditivos químicos que podem ser muito tóxicos e não servem como terapia para deixar de fumar.

= Vício pessoalmente caro...
A tomada de consciência sobre os malefícios do tabaco teve uma inegável evolução muito positiva nos tempos recentes, desde as campanhas mais elucidativas até às mais impressionantes foi-se tentando criar um ambiente desfavorável ao tabagismo, desde a mais tenra idade. Com efeito, nota-se, nalgumas situações, quase um fundamentalismo anti-tabaco, gerando conflitos de interesses até no convívio social.
Por outro lado, vemos que, nem o preço – suficientemente elevado – tem desmotivado muitos adolescentes e jovens – particularmente do sexo feminino – de entrarem no circuito tabágico. De fato, mais do que uma afirmação social, o tabaco torna-se como que uma dependência psicológica mais ou menos assumida.

= ... Prejudicial à saúde pública
A repercussão do vício do tabaco na saúde pública é fonte de um enorme gasto, tanto na prevenção como na tentativa de atenuar os efeitos do (ab)uso do tabaco. Com efeito, as complicações decorrentes dos malefícios do tabaco têm-se propagado e manifestado em várias doenças no âmbito psico-somático, tanto nervosas como respiratórias, cardíacas ou cancerígenas... ativas ou passivas, vitimando, anualmente e ao nível mundial, milhões de pessoas.  
Digamos – mesmo que de forma simplória – o vício do tabaco faz gastar mais milhões de euros na cura do que aquilo é proveniente da sua comercialização, gerando, por isso, mais sofrimento do que prazer... se fumar trouxer alguma compensação a quem dele disfruta!
Apesar do muito que tem sido feito na luta contra o tabagismo, é preciso definir prioridades, por forma a que as pessoas se consciencializem em relação aos riscos e perigos pessoais, familiares e sociais do (ab)uso do tabaco... direta ou indiretamente.

= Desafios para uma saúde mais limpa
Partindo do princípio cristão da responsabilidade em respeitar a própria saúde, formulado no quinto mandamento do decálogo: ‘não matar nem causar dano, no corpo e na alma, a si mesmo e ao próximo’, poderemos sugerir alguns desafios interpelativos:
- Entendemos o não uso do tabaco como uma forma de velar pela nossa saúde?
- Compreendemos que o dinheiro gasto no tabaco é queimado em desfavor dos mais pobres?
- Cuidamos em não fumar em lugares públicos como forma de respeito pela saúde dos outros?
- Fazemos sacrifício em não fumar como testemunho, sobretudo em tempo de crise?

Embora cada um – teórica e subjetivamente – possa fazer o que lhe apetece, nesta matéria do uso do tabaco, tem de saber ocupar-se a confluência entre a liberdade pessoal e a convivência coletiva... não fumando, mesmo que sejam os tais cigarros eletrónicos, pois o vício não compensa.

António Sílvio Couto

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Liberdade e/ou Segurança?

Os recentes atentados na Noruega – cerca de dez mortos no atentado ao edifício do governo, na capital, e de quase uma centena no acampamento de jovens numa ilha – trouxeram, novamente, à reflexão a necessidade de equilíbrio entre liberdade e segurança nos países, nas nações, entre os povos e as diversas culturas. Com efeito, será numa correta visão e vivência entre estes dois conceitos e valores que seremos capazes de viver em liberdade com segurança e em segurança com liberdade.

Sem pretendermos dar lições seja a quem for, simplesmente queremos deixar algumas pistas para uma reflexão que precisa de ser feita, dentro e fora da Igreja católica, na medida em que há questões transversais à nossa condição, tanto europeia e portuguesa, quanto na leitura cristã dos acontecimentos, das situações e mesmo dos seus intérpretes.

= Multiculturalismo – desafio ou necessidade?
Quem sair do âmbito da sua envolvência habitual – seja por momentos, seja numa atitude de comportamento mais ousado – verá que o nosso tempo está marcado pela mistura de culturas. Por vezes, na mesma rua, lado a lado no restaurante, nos transportes, nas filas para visitar algum monumento ou noutra qualquer situação vemos pessoas diversas na sua tez, multíplices no idioma, plurais na forma de estar em condições idênticas.

O nosso tempo está, essencialmente, marcado pela mobilidade, tendo em conta os mais variados motivos – económicos, políticos, culturais, de lazer... em busca de melhores condições de vida e mesmo de bem-estar – criando novas condições para que a miscigenação de culturas seja, hoje, um desafio onde cada um dá e aprende, aprendendo a dar, recebendo...

Por outro lado, podemos considerar que a visão multicultural dos nossos dias tornou-se como que uma necessidade (quase) de sobrevivência para muitos dos projetos da nossa condição humana, particularmente, europeia. Com efeito, a Europa atual vive numa constante apreensão sobre o amanhã, tendo em conta que hoje vivemos da riqueza que outras culturas, povos e línguas nos trouxeram e que de nós receberam. De fato, qual seria o futuro de muitos países europeus se não recebessem imigrantes para rejuvescerem o seu tecido social? Não seria quase impossível ter condições de trabalho e de segurança social capazes se não houvesse jovens casais e com filhos?
Cremos que será pelo bom enquadramento de quem chega que seremos dignos de aprender, cristamente, a nossa condição de bons cidadãos do mundo, dando e recebendo quem de nós se aproxima e acolhendo com espírito de hospitalidade esses de quem nós nos fazemos próximos e, por isso, irmãos.

= Da vigilância virá, efetivamente, a segurança?
Quem andar pelas cidades e, por entre tantas multidões, não vendo a presença efetiva das forças de segurança fica (como que) com a sensação de desproteção... sobretudo depois de algum atentado (dito ou apelidado de) terrorista. Efetivamente onde está a certeza de não nos pode acontecer algo de idêntico, nalgum dos outros países europeus? Poderemos ter a certeza de que no nosso vizinho não mora um potencial terrorista? Até onde poderá ir a nossa confiança, uns nos outros, por entre certos sinais de incerteza?

Depois de certas experiências de ‘Estado secutário’ – tais como na Europa de Leste e noutros quadrantes do mundo – parece que vivemos, hoje, numa espécie de ‘Estado libertário’, onde cada faz o que (mais ou menos) lhe apetece, mesmo que colidindo com a liberdade alheia e aceitando-a desde que não constranja a própria.
- Urge, por isso, atender à necessidade da vigilância sem ameaçar a liberdade, sendo esta um valor de conduta pessoal e coletiva, embora sempre na boa concordância com o respeito pelos outros.
- Na medida em que formos capazes de vivermos na responsabilidade de uns pelos outros, saberemos criar condições de boa harmonia em nós e à nossa volta.
- À desconfiança é preciso contrapor a lealdade, tanto dentro como fora das nossas (pessoais e nacionais) fronteiras... vigiando para sermos, realmente, livres.

A.Sílvio Couto