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terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Fado – fenómeno artístico de onde?


 Com o desaparecimento recente de mais um fadista de renome e a apresentação de peças de fado no concerto de abertura da presidência portuguesa semestral da UE, senti que poderia dar algum espaço à reflexão sobre o tema do fado.

Desde logo uma breve referência ao título deste texto: a palavra ‘fado’ explicitada no resto da frase, usando as palavras como iniciais do termo – fenómeno artístico de onde…com a interrogação. São estes vários itens que iremos tentar abordar.

Qual a origem da palavra ‘fado’? Há quem a considere como proveniente do latim – ‘fatum’, destino; outros consideram que poderá ainda ter origem na palavra escandinava ‘fata’, que significaria ‘vestir’ numa alusão ao termo francês ‘fatiste’, poeta… Diversas procedências para tentar falar de uma forma de – ‘fenómeno’ como se diz no título deste texto – exprimir algo com (possível) dimensão ‘artística’…segundo uma roupagem mais ou menos poética!

 = Numa espécie de historização do fado poder-se-á dizer que este teve início por volta de 1840, nas ruas de Lisboa, um tanto ligado às lides marítimas, sendo o ‘fado do marinheiro’ como que o protótipo de quantos vieram depois dele…sem esquecer o ambiente das tabernas e outros espaços de diversão, na maior parte dos casos, noturna. Associado a este ‘género’ musical – onde a guitarra se destaca – apareceram os fadistas com um traje e linguajar próprio…pouco convencional e um tanto quezilento. Foi, sobretudo na primeira metade do século vinte, que o fado foi adquirindo uma forma caraterística, com a rádio, o teatro e o cinema a fazerem dele promoção como cantiga para o grande público, surgindo a figura do fadista como artista. Das ruas e vielas, o fado passou a ter espaço em lugares apropriados – as casas de fado – com adereços que o farão algo mais reconhecido como canção muito típica da capital…estendendo a sua influência à volta. Os fadistas trajam de negro, como que se fossem reflexo do ambiente da noite, com temas de sabor assaz sentimental, à mistura com o sofrimento, a saudade, a desgraça…com críticas à sociedade e algum toque de melancolia… Não podemos esquecer o regime que vigorava no nosso país: os temas, as letras e tudo o resto estava sob a alçada da censura, ficando fora da temática o que falasse de problemas sociais ou políticos…

Não fazemos, propositadamente, uma lista de fadistas, mas poderemos, mesmo assim, destacar Amália Rodrigues, expoente no campo internacional do fado, tendo ela – e outros na sua senda – cantado letras de autores da nossa literatura e, desta forma, tentando subverter o controlo do regime. Em certos meios ‘artísticos’ – mais contestatários e politizados – isso terá contribuído para conotar um tanto fado com o regime então em vigor… Aliás o ‘fado’ teria feito como que parte do tríptico sustentador do regime – Fátima-futebol-fado…

Para além do fado com base em Lisboa – nos seus arredores há uma nítida veneração e imitação daquele estilo de cantar, de tocar e de interpretar – podemos encontrar o fado de Coimbra, mais ao jeito trovadoresco, continua a ser cantado e tocado só por homens e com o traje académico. Vivido nas ruas – repare-se no aspeto de serenata – tem os seus instrumentos ‘afinados’ pelas intenções da sua conceção e interpretação. Foi mais no seio do fado de Coimbra que apareceu alguma contestação ao regime anterior ao 25 de abril, tanto nas letras como nos seus cantores…

 = Será, então, o fado um nicho de arte mais lisboeta do que do resto do país? O reconhecimento do fado como ‘património imaterial da Humanidade’, em 2011, fez dele, de verdade, uma canção nacional? Não andará subentendido no resto do país que o fado tem sido uma colonização da capital a tudo e a todos? À semelhança das marchas-populares, não andaremos a imitar uma certa ‘cultura’ de regime exportado da capital? Perante outros fenómenos artísticos/musicais – veja-se o cante alentejano, os diversos folclores ou as bandas musicais – não será exagerado fazer do fado a expressão da música portuguesa com maior incidência popular? Mesmo que de forma incipiente e quase lateral, o fado não tem tido expressão musical na liturgia católica. Não seria de o ‘cristianizar’ mais clara e assumidamente, envolvendo-o nas expressões de fé, ao menos onde tem algum significado popular e ‘culto’?    

 

António Sílvio Couto

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