Com o
desaparecimento recente de mais um fadista de renome e a apresentação de peças
de fado no concerto de abertura da presidência portuguesa semestral da UE,
senti que poderia dar algum espaço à reflexão sobre o tema do fado.
Desde
logo uma breve referência ao título deste texto: a palavra ‘fado’ explicitada
no resto da frase, usando as palavras como iniciais do termo – fenómeno
artístico de onde…com a interrogação. São estes vários itens que iremos tentar
abordar.
Qual a
origem da palavra ‘fado’? Há quem a considere como proveniente do latim – ‘fatum’,
destino; outros consideram que poderá ainda ter origem na palavra escandinava
‘fata’, que significaria ‘vestir’ numa alusão ao termo francês ‘fatiste’,
poeta… Diversas procedências para tentar falar de uma forma de – ‘fenómeno’
como se diz no título deste texto – exprimir algo com (possível) dimensão
‘artística’…segundo uma roupagem mais ou menos poética!
= Numa
espécie de historização do fado poder-se-á dizer que este teve início por volta
de 1840, nas ruas de Lisboa, um tanto ligado às lides marítimas, sendo o ‘fado
do marinheiro’ como que o protótipo de quantos vieram depois dele…sem esquecer
o ambiente das tabernas e outros espaços de diversão, na maior parte dos casos,
noturna. Associado a este ‘género’ musical – onde a guitarra se destaca – apareceram
os fadistas com um traje e linguajar próprio…pouco convencional e um tanto
quezilento. Foi, sobretudo na primeira metade do século vinte, que o fado foi
adquirindo uma forma caraterística, com a rádio, o teatro e o cinema a fazerem
dele promoção como cantiga para o grande público, surgindo a figura do fadista
como artista. Das ruas e vielas, o fado passou a ter espaço em lugares
apropriados – as casas de fado – com adereços que o farão algo mais reconhecido
como canção muito típica da capital…estendendo a sua influência à volta. Os
fadistas trajam de negro, como que se fossem reflexo do ambiente da noite, com
temas de sabor assaz sentimental, à mistura com o sofrimento, a saudade, a
desgraça…com críticas à sociedade e algum toque de melancolia… Não podemos
esquecer o regime que vigorava no nosso país: os temas, as letras e tudo o
resto estava sob a alçada da censura, ficando fora da temática o que falasse de
problemas sociais ou políticos…
Não
fazemos, propositadamente, uma lista de fadistas, mas poderemos, mesmo assim,
destacar Amália Rodrigues, expoente no campo internacional do fado, tendo ela –
e outros na sua senda – cantado letras de autores da nossa literatura e, desta
forma, tentando subverter o controlo do regime. Em certos meios ‘artísticos’ –
mais contestatários e politizados – isso terá contribuído para conotar um tanto
fado com o regime então em vigor… Aliás o ‘fado’ teria feito como que parte do
tríptico sustentador do regime – Fátima-futebol-fado…
Para
além do fado com base em Lisboa – nos seus arredores há uma nítida veneração e
imitação daquele estilo de cantar, de tocar e de interpretar – podemos
encontrar o fado de Coimbra, mais ao jeito trovadoresco, continua a ser cantado
e tocado só por homens e com o traje académico. Vivido nas ruas – repare-se no
aspeto de serenata – tem os seus instrumentos ‘afinados’ pelas intenções da sua
conceção e interpretação. Foi mais no seio do fado de Coimbra que apareceu alguma
contestação ao regime anterior ao 25 de abril, tanto nas letras como nos seus
cantores…
= Será,
então, o fado um nicho de arte mais lisboeta do que do resto do país? O
reconhecimento do fado como ‘património imaterial da Humanidade’, em 2011, fez
dele, de verdade, uma canção nacional? Não andará subentendido no resto do país
que o fado tem sido uma colonização da capital a tudo e a todos? À semelhança
das marchas-populares, não andaremos a imitar uma certa ‘cultura’ de regime
exportado da capital? Perante outros fenómenos artísticos/musicais – veja-se o
cante alentejano, os diversos folclores ou as bandas musicais – não será
exagerado fazer do fado a expressão da música portuguesa com maior incidência
popular? Mesmo que de forma incipiente e quase lateral, o fado não tem tido
expressão musical na liturgia católica. Não seria de o ‘cristianizar’ mais
clara e assumidamente, envolvendo-o nas expressões de fé, ao menos onde tem
algum significado popular e ‘culto’?
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário