Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 30 de julho de 2020

A paróquia numa ‘cultura do encontro’


«A “cultura do encontro” é o contexto que promove o diálogo, a solidariedade e a abertura a todos, fazendo emergir a centralidade da pessoa. É necessário, portanto, que a paróquia seja um “lugar” que favorece o estar juntos e o crescimento das relações pessoais duradoras, que consintam a cada um de perceber o sentido de pertença e de ser bem quisto».
Este excerto da Instrução da Congregação do Clero ‘A conversão pastoral da comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja’ (n.º 25) serve-nos de paleta ao comentário deste tema da paróquia que encetamos aprofundar.
Esta Instrução foi tornada pública no final do passado mês de junho e podemos ajudar a consciencializar alguns aspetos sobre a paróquia e as suas implicações na vida futura da Igreja católica.
Respigamos algumas ideias do capítulo quarto da Instrução (n. os 16 a 26) e iremos fazendo os ‘nossos’ questionamentos.
- ‘É verdade que uma característica da paróquia é o seu radicar-se ali onde cada um vive quotidianamente. Porém, especialmente hoje, o território não é mais apenas um espaço geográfico delimitado, mas o contexto onde cada um exprime a própria vida feita de relações, de serviço recíproco e de tradições antigas. É neste “território existencial” que se encontra todo o desafio da Igreja em meio da comunidade’ (n.º 16). O que é que conta, onde se reside ou onde cada um celebra a sua fé? Não será que o plano canónico amordaça o âmbito do pensamento e da ação normal em vida?
- ‘A mera repetição de atividade sem incidência na vida das pessoas concretas, permanece uma tentativa estéril de sobrevivência, diversas vezes acolhida pela indiferença geral’ (n.º 17). A rotina revela que algo pode estar morto ou talvez moribundo. Algumas rotinas das nossas paróquias - onde se podem incluir certas devoções - manifestam que já vivemos do trabalho de outros e pouco da vitalidade do lançar, hoje, a semente...para que outros venham a colher.
- ‘O renovamento da evangelização exige novas atenções e propostas pastorais diversificadas, para que a Palavra de Deus e a vida sacramental possam alcançar a todos, coerente com o estado de vida de cada um’ (n.º 18). Dá a impressão que, na maior parte dos casos nas paróquias, nos focamos em pouco para não conseguirmos atingir o mínimo em vez de ansiarmos o máximo podendo alcançar menos do que o suficiente. Dá a impressão que somos pouco (ou quase nada) audazes!
- ‘A comunidade paroquial é chamada a ser sinal vivo da proximidade de Cristo através de uma rede de relações fraternas, projetadas pelas novas formas de pobreza’ (n.º 19). Teremos minimamente presente que pelo acolhimento anunciamos Jesus? Quem nos procura encontra-O em nós e encontramo-nos n’Ele?
- Aspetos que devem manifestar a dimensão missionária da paróquia: ‘anúncio da Palavra de Deus deve tocar, a vida sacramental e o testemunho da caridade’ (n.º 20); levando a que ‘paróquia eduque à leitura e à meditação da Palavra de Deus através de propostas diversificadas de anúncio, assumindo formas comunicativas claras e compreensíveis, que apresentem o Senhor Jesus segundo o testemunho sempre novo do kerigma’ (n.º 21). Com tanta pressa com que andamos nas tarefas paroquias, será que conseguimos atingir estes objetivos preconizados pelo documento do Vaticano? Para além da instalação sonora nas igrejas que mudou desde os tempos medievais? E os novos meios não se podem reduzir a questões tecnológicas...
- ‘Celebrando a Eucaristia, a comunidade cristã acolhe a presença viva do Senhor Crucificado e Ressuscitado, recebendo o anúncio de todo o seu mistério de salvação’ (n.º 22). Já percebemos que temos de estar em dinâmica catecumenal (n.º 23), sem conotação com qualquer movimento em sentido estrito? Aceitamos ser catequizados em todas as idades da vida?
- ‘A evangelização está estreitamente ligada à qualidade das relações humanas’ (n.º 24), pois ‘a  comunidade paroquial é chamada a desenvolver uma verdadeira e própria ‘arte da proximidade’ (n.º 26). Estaremos disponíveis para vivermos deste modo nas nossas paróquias? Não seremos demasiado anónimos uns para os outros?

 

Deixamos esta sugestão de leitura e de interpretação…

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 28 de julho de 2020

Paróquia: entre as casas, com as pessoas e as culturas


Com data de 29 de junho passado, foi tornada publica, em Roma, uma Instrução da Congregação para o Clero, intitulada: «A conversão pastoral da comunidade paroquial  a serviço da missão evangelizadora da Igreja».
Em cento e vinte e quatro números, divididos em dez temas (ainda subdivididos) fazem-se algumas observações sobre a temática da paróquia. Dada a extensão do assunto e a complexidade das questões, iremos debruçar-nos sobre estes temas nos próximos tempos. Agora restringimos a atenção aos assuntos dois e três, respetivamente, ‘a paróquia no contexto contemporâneo’ (n. os 6 a 10) e ‘o valor da paróquia hoje’ (n. os 11 a 15).
- ‘Casa no meio das casas’ é a origem etimológica de ‘paróquia’ e isso definiu, desde a origem esta forma de tornar os cristãos presentes no mundo, onde o ‘edifício de culto é presença permanente do Senhor Ressuscitado no meio do seu povo’ (n.º 7). Esta proximidade fazia da paróquia local e espaço de anúncio da fé e da celebração dos sacramentos.

- A mudança da configuração territorial da paróquia confronta-se, hoje, com ‘a crescente mobilidade e a cultura do digital’, nisso que é chamado de ‘território global e plural’. Efetivamente, esta cultura em mudança manifesta-se na ‘rapidez das alterações, a mudança dos modelos culturais, a facilidade para os deslocamentos e a velocidade da comunicação estão transformando a percepção do espaço e do tempo’ (n.º 8).
- Da conotação territorial estamos, hoje, numa outra de ‘paróquia como comunidade de fiéis’, acentuando a dinâmica da pertença em múltiplas facetas: sociais, profissionais, culturais e até emocionais, ‘num mundo virtual sem compromisso nem responsabilidade com o próprio contexto relacional’ (n.º 9). Se isto traz transtornos a algumas mentes também abre novas perspetivas, sendo ‘urgente envolver todo o Povo de Deus’ neste rejuvenescimento do rosto da Igreja (n.º 10).
- ‘A paróquia é chamada a acolher as instâncias do tempo para adequar o próprio serviço às exigências dos fiéis e das alterações históricas’ (n.º 11), deixando a etapa de cristandade massifccada à vivência da vocação de cada batizado, que seja discípulo de Jesus e missionário onde quer que se encontre.
- Os três últimos Papas (n.º 12) foram dando a sua interpretação de mudança do conceito e da necessidade do ser e do estar em paróquia: organismo indispensável e base de toda a pastoral (João Paulo II), farol que irradia e luz e vai ao encontro (Bento XVI), incentiva e forma agentes da evangelização (Francisco).
- Dando ‘centralidade à presença missionária da comunidade cristã no mundo’ (n.º 13), a paróquia deve mostrar o rosto de uma comunidade evangelizadora.
- Lendo os sinais dos tempos, a paróquia é ‘chamada a encontrar outras modalidades de vizinhança e de proximidade’ (n.º 14).
- ‘A comunidade cristã não deve ter medo de iniciar e acompanhar processos dentro de um território onde vivem diferentes culturas’ (n.º 15), na diversidade e na abertura a todos e com todos.
= Observações

a) A alteração/mudança da configuração da igreja-templo, destacando-se entre o casario da aldeia para a normalidade com outros edifícios exige uma aferição ao tempo onde a Igreja caminha com os outros homens, despojada, sincera e serva;

b) a perceção da mobilidade, fazendo cada um de nós uma itinerância  de aprendizagem, tentando saber estar com os outros e não aferrando a que os outros é que têm de aprender a lidar com a diferença;

c) um tempo de paróquia mais como instância de diálogo e menos como telónio de certezas inamovíveis, de portas abertas e braços estendidos a quem procura…para ser aconchego e lar seguro;

d) lugar de sensibilidade às tecnologias novas (digitais e afins), mas que não se deixa virtualizar com clichés estereotipados e ocasionais…sem maturidade de caminho de conversão;

f) instância que vai à procura – ‘em saída’ – entendendo os que saíram, sem os acusar por se quedarem na religião de sofá, confinada aos receios e medrosa nos anseios…

Ainda seremos paróquia com Jesus? Ainda temos espaço para Ele? Gostamos da nossa paróquia-família?   

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Excelentíssimos animais




Foram imagens assaz repetidas essas da libertação de alguns animais apanhados pelos fogos. Dizemos fogos florestais e outros mais incandescentes em maré de promoção de uma nova cultura, essa onde dá a impressão que a vida humana está subjugada aos interesses animais, seja qual for a ideologia onde se alicerça, seja o espaço onde se tenta implantar tal regime…Dá a impressão que estamos a caminha segundo um projeto de neo-paganização, não só pelos critérios de vida e de moral, como pela exaltação do culto dos animais, onde cada um simboliza um deus, capaz de satisfazer as pretensões (ditas) culturais…dos humanos.   

Eis que, de repente, emergiram do tugúrio do anonimato certos defensores pela reclamação de que umas dezenas de cães e gatos estariam em risco de vida. Mas por onde andavam, quando ninguém cuidou deles e os conseguiu recolher? Não sei nem me importa se, quem tinha arrecadado os animais, recebia algum subsídio por exercer tal função. Se recebia, devia ser fiscalizado, se não usufruía de nada e dispunha dos seus meios para fazer tal ação, questiono onde estiveram todos – incluindo autoridades sanitárias e de segurança – sem terem visto tal perigo, antes que isto viesse a acontecer.

Foi algo revelador dessa nova mentalidade/cultura que para salvar alguns animais se possa colocar em causa a vida humana. Independentemente de quem recolheu os animais dever ser chamado à responsabilidade, não pode admitir que haja agressões às pessoas, pondo, inclusive, a vida em perigo. Os excelentíssimos animais saíram da jaula e andam à solta a fazer justiça pelas próprias mãos. Os venerabilíssimos animais tomaram o foro de personalidade jurídica, subjugando os miseráveis humanos e quem ainda os possa considerar com dignidade.

Quando via as imagens enternecedoras dos salvadores dos animais, bailava no meu interior um questionamento atroz…numa catadupa de sentimentos, de perguntas e até de medos sobre o nosso futuro coletivo:

- fariam aqueles heróis por uns velhos em incêndio do lar (tanto em casa como nalguma instituição) aquilo que tão arrojado faziam pelos animais? A ver pelo desprezo a que muitos velhos são votados, eles não valerão muito menos do que tantos animais?

- Os critérios de vida dos nossos contemporâneos não estarão a modificar-se, tendo mais em conta os seus interesses mais sórdidos do que os valores humanos básicos?

- Muitos dos cultivadores da cultura exaltadora dos animais não andarão com as emoções submergindo a racionalidade pessoal e a inteligência alheia?

- A psicologia da substituição do filho pelo cão/gato não nos fará pagar caro esta confusão de ideias e de comportamentos?

- Serão os cães/gatos de companhia e de estimação que suportarão o futuro da segurança social e das reformas dentro de parcas décadas?

Muitas outras questões continuo a ter, mas receio que possa ser considerado fora do tempo ou até podendo receber algum epíteto terminado em ‘fobia’! No entanto, penso que, mesmo defendendo os animais, não podemos questionar a nossa civilização, ainda feita por homens e mulheres, que são conduzidos pela racionalidade, guiados pela emoção/afetividade e ancorados na vontade… tudo o resto poderá ser perigoso a médio e a longo prazo!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 21 de julho de 2020

Expurgar de mundanismo a festas religiosas


Parece ter chegado a hora, tão ansiada e necessária: por ocasião da pandemia de ‘covid-19’ a maioria das festas religiosas foram suspensas – pelo menos na forma mais comum e habitual – e muitas outras um tanto reformuladas à mistura com a possibilidade de corrigir tantos dos erros que fomos somando…

Vou contar uma experiência vivida por estes dias.

Em razão de articular as datas para uns dias de descanso ou mais de mudança de ares, mais uma vez pude estar nas festas da padroeira da minha terra-natal. Só participei na missa, celebrada no aprazível adro da igreja paroquial, onde dezenas de pessoas estavam em relativo silêncio e compostura, sob um intenso calor que nos fustigou nos dias mais recentes. Foi o principal ato da festa e à hora em que, habitualmente, saía a procissão. Registo vários aspetos que me edificaram, tanto mais que nos anos transatos tudo foi bem diferente: a quantidade e o respeito das pessoas – noutros anos era tal a bagunça dentro da igreja, que mais parecia que estávamos numa feira mal organizada; a serenidade de todos, desde os celebrantes até à assembleia – noutros anos mais pareciam baratas-tontas em frenesi desconexo; a postura de silêncio, mesmo no espaço exterior ao templo – noutros anos era confrangedor o desrespeito e até a banalidade dos atos religiosos â mistura com alguma superficialidade (de gestos ou de atitudes) durante a procissão, mais parecendo um desfile etnográfico do que uma celebração religiosa…

Atendendo a estes aspetos de diferença entre a ‘festa’ deste ano e as de anos anteriores, creio que poderemos sugerir algumas vertentes a ter em conta na organização, vivência e prossecução das ‘festas religiosas’ naquilo que têm de específico e no que é (ou deve ser) a honra dos santos/as, da veneração de Nossa Senhora ou no culto a Jesus… Estamos a falar das festas religiosas e não das de índole popular onde esta vertente de alguma fé não está claramente presente.

* Custos das festas – naquilo que são os gastos económicos teremos de saber os montantes que são envolvidos em foguetório, em diversões ditas de interesse público, em ‘artistas’ pagos a peso de encomenda…sem esquecer se percentagem com as coisas religiosas está correta e adequada àquilo que dá cobertura à festividade…mais do que verificar as contas é essencial não deixar estas por mãos ardilosas para o lucro ou, pior, para o desvio sem prestação final e pública dos resultados… Há defeitos a corrigir antes que continuemos a dança de novos episódios…menos dignos no passado.

* Sinais populares da festa – com que rapidez se escondem os motivos de fazer festa (imagem do festejado/a), emergindo do cartaz figuras e figurões quase transversais a outros locais, ficando ofuscado quem motiva a festa e aquilo que é mais específico em cada terra…vender-se aos cançonetistas de má qualidade não faz isso ser festa religiosa e muito menos marca a diferença pela positiva.

* Cuidar das manifestações de fé – reduzidas nem que seja à versão de ‘missa e procissão’ não se podem confundir com cerimónias secundárias, na medida em cada uma se deve distinguir das outras. Por isso, não se pode entregar a habilidosos/as mais ou menos tradicionais (ignorantes quanto baste) a feitura e execução desses momentos específicos de cada festa, mesmo em cada ano… Torna-se urgente saber quem vai na procissão, identificando os santos/as e outras figuras, pois deixar o desfile passar sem nexo pode tornar-se uma perda de oportunidade de evangelização cristã e católica.

* Investir na preparação – todos sabemos que qualquer acontecimento vale mais pela preparação do mesmo do que pela sua execução. Também as festas religiosas precisam de serem bem preparadas através de um tempo próximo, de novena, de tríduo ou mesmo de vigília. Isso é muito mais do que alindar as ‘pratas’ ou limpar os mantos, passa pela motivação pessoal e comunitária para a celebração da festa. Se temos, normalmente, ao nível humano algo que nos faz estar em festa por antecipação, quanto mais isso deve acontecer ao nível espiritual… de outro modo a festa não passará de um episódio e não de algo marcante de todos…ao ritmo anual e social. 

= Numa palavra: o povo precisa de festa, mas não pode aceitar que lhe deem o que é mais fraco ou até de má qualidade. Agora que podemos reformular tantos dos aspetos menos bons do passado, seria perder esta oportunidade de renovar e não de recauchutar o já visto. Assim sejamos dignos de identificar os sinais de mundanismo nas nossas festas religiosas e de corrigi-los sem apelo nem agravo!

 

António Sílvio Couto

sábado, 18 de julho de 2020

Quando se descobrirá a verdade?


Sem entrar em conjeturas nem em teorias de conspiração, nota-se que vivemos num tempo propício à desconfiança, tanto pessoal como institucional, sem esquecer os labéus lançados por muita da comunicação social – pouco independente – à mistura com esse novo fenómeno das redes (ditas) sociais…onde tudo se diz, mas não é preciso ser verdade nem tem de provar o que é dito!

Bastou um sopro vindo do Oriente e tudo se decompôs de forma volátil, rápida e transversal. Parece que nada nem ninguém esteve, está ou estará a salvo desta onda viral. Mais parece que estamos a sair de uma fita de terror e de ficção do que a lidar com algo racional e entendível. Num instante o que parecia certo passou a estar sob suspeita; o que era sucesso virou pesadelo; o que parecia fazer sentido deixou de ter nexo…Esta onda de perplexidade atingiu tudo e todos, desde os mais simples e crédulos até aos mais responsáveis e colocados nos altos postos decisores.

- Nos últimos dias ouvimos ministros dizerem tudo e o seu contrário daquilo que outro tinha afiançado com toda a convicção… e do chefe nada, nem um pio para qualquer dos lados! A certa altura fica-nos a sensação de que os membros do governo estão não só desfasados da realidade como desconexos com a meta…tais são as tiradas ao acaso, como se de amadorismo se tratasse! Cuidem-se que nos próximos doze meses terão de estar a governar, dado que a seis meses das presidenciais não pode haver legislativas, bem como decorridos mais seis meses não poderemos ser chamados a votos. Mal ou bem, não se fiem nas sondagens – segundo dizem – um tanto favoráveis. Isto é que devia ser discutido e não os projetos de conquista pessoal, que têm emergido no executivo em funções!

- Nas coisas relacionadas com o coronavírus covid-19 percebe-se que, decorridos já cinco meses, ainda não sabemos se podemos ir em frente, se os riscos são menores, se devemos continuar a seguir as indicações dos responsáveis, tais são as soluções imprecisas, avulsas e à deriva. Nota-se que o vírus descoordenou o cérebro de muitos dos intervenientes… Os dados tornados públicos não se acertam com as razões mais simples de conduta. Depois de serem apresentados como não suscetíveis de contágio, os mais novos são agora as vítimas diretas e os difusores de novos contágios. Ainda não compreenderam que não se pode aliviar as rédeas de um povo estruturalmente desobediente? Que falta captar de tão básico para que tenhamos de sentir os aprumos de pessoas quase irresponsáveis em matéria de lidar com a liberdade pessoal e coletiva?

- Em matéria de economia continuamos a viver mais do desenrascanço primário do que da programação atenta, cuidada e previsional. Querem-nos fazer crer que, por estarmos no contexto europeu do consumismo, já temos mentalidade de europeu na qualidade de trabalho, de dedicação ao bem comum ou até de paciência no investimento. Somos daqueles que investem dez e querem ganhar o dobro com metade do esforço, enquanto noutras culturas se investe agora para colher daqui a cinco ou dez anos, passando esse intervalo a cuidar do investimento, não a querer ganhar só porque lançou a semente…é preciso esperar até que possa haver frutos.

- Não será por apetrechar um restaurante com todos os utensílios básicos para cozinhar e ter clientela que se fará do lugar um espaço de sucesso e de grande nome no meio… É isso que estamos a ver na ascensão e queda de tantos dos nossos mais recentes restaurantes em estrados na falência; bastou perigar um pouco nos resultados que bem depressa vimos fechar aquilo que antes era algo de bem-sucedido. Mais uma vez o dito setor de suporte do turismo ruir como montanha construída sobre um monturo de entulho não-sedimentado. Eis que, de repente, se quer fazer da economia o motor de uma sociedade, que está sem bases na saúde. Como sempre a pressa foi má conselheira de governantes, de políticos, de autarcas e mesmo de patrões…pois, não temos classe de empresários.

- Agora que foram suspensas, canceladas ou acertadas a maioria das festas populares e religiosas, valeria pena introduzir o tema nas programações das dioceses e das paróquias, pois este tempo poderia ser propício para ir ao essencial e não nos quedarmos em lamentos, alguns deles sem nexo nem conteúdo. Cuidemos em valorizar o sentido cristão das festas e deixemos a outros os enfeites de distração, por agora retirados. Cuidemos de trazer à luz do dia de forma séria e serena a fundamentação das nossas festas sob a cobertura dos santos. Falemos a verdade uns aos outros, sem subsídios nem manipulações baratas!    

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Oração de intercessão




«A intercessão é uma oração de petição que nos conforma de perto com a oração de Jesus. É Ele o único intercessor junto do Pai em favor de todos os homens, em particular dos pecadores. Ele ‘pode salvar de maneira definitiva aqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus, uma vez que está sempre vivo, para interceder por eles‘. O próprio Espírito Santo ‘intercede por nós (…) intercede pelos santos, em conformidade com Deus’ (Rm 8, 26-27» (Catecismo da Igreja católica, n.º 2634).
No quadro geral da oração a intercessão ocupa um terceiro estádio: depois do louvor e da ação de graças e antes de petição, encontramos a intercessão.
Como poderemos descrever, então, a ‘intercessão’? Este tipo de oração é fundamentalmente voltado para o outro, focando-se no bem da outra pessoa. Por esta razão a oração de intercessão tem, como principal “característica [ser] de um coração sintonizado com a misericórdia de Deus”. Além disso, “na intercessão, quem ora ‘não olha aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros’, e chega a rezar pelos que lhe fazem mal’ (CIC, 2635).
Num mundo onde parece que os interesses pessoais (individuais) se sobrepõem aos dos outros, como poderemos viver e testemunhar a força da intercessão, seja através da oração, seja pelo desenvolvimento de iniciativas que atendam aos problemas dos outros? Ainda recentemente, por ocasião da pandemia do coronavírus, tivemos de fazer escolhas entre defender-nos a nós mesmos – onde a máscara sanitária era um exemplo simples – e, ao mesmo tempo, cuidarmos dos outros para que não fossem infetados pelo vírus. Se houve casos de generosidade para que não se verificasse contaminação, a determinado momento, começou-se a verificar algum laxismo, próprio de quem pensa mais em si do que nos demais. Há, por isso, a necessidade de procurarmos, como cristãos, cultivar um espírito mais intercessor, colocando os interesses, necessidades e dificuldades dos outros em referência superior à nossa, por vezes, egoísta, interesseira e até egolátrica.
Vejamos alguns aspetos da fé católica, onde já se exerce este poder de intercessão, podendo ser melhorado ou mesmo sendo feito com o sentido original.
– Antes de tudo, a intercessão é um exercício do sacerdócio batismal. Os crentes não só louvam a Deus e o invocam por si mesmos, mas também lhe pedem pelos outros, ou seja, intercedem sacerdotalmente, como medianeiros, pela salvação do mundo.
– Na ‘Oração Universal’ ou dos fiéis, na Eucaristia, «o povo…, exercendo a função do seu sacerdócio batismal, apresenta preces a Deus pela salvação de todos» (IGMR, 69). Poderíamos ainda sugerir que se possa incentivar a colocação de pequenos cestos, à entrada do espaço da celebração, onde se colocam as intenções – como por exemplo aquando da celebração da ‘missa pro populo’, que cada pároco tem obrigação de celebrar cada domingo – que seriam levadas ao altar no momento do ofertório, juntamente com a partilha económica recolhida na assembleia… fazendo isso em atitude de intercessão e como expressão de comunhão entre todos, não havendo recurso a qualquer estipêndio…
– Na Oração Eucarística, desde o louvor inicial, brota espontânea a petição, as «intercessões» que, na segunda parte, se fazem pela Igreja, pelos oferentes, os presentes e os que de alguma maneira foram protagonistas da celebração (batizados, confirmados, esposos, professos, ordenados, defuntos).
– Na Liturgia das Horas também as intercessões têm especial significado, sobretudo em vésperas: em laudes, as preces, são para consagrar o dia ao Senhor; enquanto em vésperas, as súplicas são mais de intercessão. Em laudes, estas preces são «invocações» por nós, enquanto, em vésperas, tal como na Eucaristia, são «intercessões» pelos outros.
– Em certos campos de âmbito pastoral – grupos e movimentos, paróquias e comunidades – vão surgindo sugestões para o exercício deste aspeto da intercessão, seja pela organização de grupos de intercessão, seja através de iniciativas, como o ‘telefone SOS’ ou espaços de escuta e/ou colocação de intenções. Isto poderá acontecer como expressão do cuidado de uns pelos outros e como vivência intercessora humilde, fraterna e solidária. 

Quem intercede olha para os outros mais do que para si mesmo, cuidando dos mais frágeis em suas fragilidades.  

 

António Sílvio Couto

Saloiice encriptada


Numa tentativa de interpretar alguns dos momentos mais significativos e esquisitos da nossa ‘res-publica’, ousamos servir-nos de uma palavra em dinâmica denotativa – ‘saloio’ (do árabe ‘sahroi’ (deserto), como identificativo de quem vive no norte litoral de Lisboa, alguém um tanto grosseiro) – com o sufixo ‘ice’, no sentido de ato prolongado no tempo e num certo espaço… ‘saloiice’, numa palavra composta e complexa de compreender… ‘onde alguma esperteza pretende enganar os outros como se fossem ignorantes, usados e manipuláveis’!

Esta atitude/comportamento/ambiente cultural consideramo-la ‘encriptada’ – isto é, a precisar de ser desmontada, explicada ou entendida – dado que nem sempre os dados disponíveis ajudam a entender o que é dito, aquilo que é percebido ou mesmo quanto se pretende atingir com as atitudes, os gestos e as soluções propostas.

Vejamos alguns factos e acontecimentos:   

* Crise – solução da TAP

Pela enésima vez a transportadora aérea portuguesa andou nas bocas do mundo com mais uma crise de identidade, de capital…à mistura com dinheiro a rodos lançado sobre aquele sorvedouro incontido. Troquem os figurinos e mudem até as datas, que os discursos serão quase sempre os mesmos, pretendendo mais e mais fundos para tentar salvar um náufrago inveterado.

As soluções propostas andaram entre duas grandes vertentes: a renacionalização ou a continuidade com maioria de pendor privado. Na ocasião recente como noutros momentos anteriores emergiram defensores ideológicos de uma ou de outra parte… agora respaldados os da nacionalização num (dita) maioria de esquerda – os da geringonça e adstritos – em confronto com os da pretensa direita mais favoráveis aos privados e, por conseguinte, avessos à intervenção estatal… Travou-se uma dura batalha e podemos ver as oscilações no barómetro das notícias, tendo em conta quem era o patrão da estação ou qual o ‘servidor’ do canal em agência. Nesta questão da transportadora aérea foi claro que muitos setores se ergueram para defenderem os seus interesses mais ou menos explícitos…embora nem sempre totalmente assumidos.  

* Turismo – da ilusão à realidade

Desgraçadamente continuamos a insistir num setor tão vulnerável quanto inconsequente, que é o turismo. Se há um ano atrás era uma fonte de receita, hoje é um caso de desgraça. Se uns tantos iam vivendo da exploração da ‘galinha de ovos de ouro’, agora foi extinta a obra de sucesso etéreo. Se os cofres públicos e privados iam prosperando sem haver quem questionasse a faturação, agora vemo-los a fechar sem glória nem riqueza.

Dá a impressão que os nossos políticos têm vivido numa bolha fictícia, pois não se aperceberam que a imagem difundida lá fora continua a ser a ruralista, senão na tela ao menos na mentalidade. Bastará observar um canal de notícias europeu ou mais americano e veremos que ‘lisboa’ não consta nem sequer na informação meteorológica, quanto mais para poder ser lugar aprazável desde o centro da velha Europa ou da leitura transatlântica.

A mais recente polémica com as restrições de vários países à entrada de passageiros procedentes de Portugal mostra assazmente que pouco valemos e raramente somos levados a sério…pelos nossos pares. Até os ditos aliados (ingleses) nos destratam com laivos de negligência, faltando coragem para que haja retaliação a condizer. Cresce a sensação de que não passamos de uns saloios… 

As figurinhas de serviço nesta época de pandemia – essas do alto setor do estado – deveriam assumir que não têm dito totalmente a verdade ou, então, não passam de figurantes em filme de baixa categoria. Isto mostra à saciedade que o nível de liderança anda muito arredio daquilo que seria desejável. Não passamos, afinal, de uns saloios que entram pela porta dos fundos, pois os outros têm vergonha das figuras caricatas que fazemos…na sala do baile! Quando começarem a falhar os jogos e vier a falta o pão, veremos como vai reagir o dito povo cordato e pacífico, entretido e manipulado, vergado e iludido… Acordem!

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Nesta Igreja em que somos fiéis ministros


«’Fiéis de Cristo são aqueles que, por terem sido incorporados em Cristo pelo Batismo, constituem o povo de Deus e por esta razão participam a seu modo na função sacerdotal, profética e real de Cristo e, segundo a sua própria condição, são chamados a exercer a missão que Deus confiou à Igreja para esta realizar no mundo’ (CIC, cân. 204 §1)» (CIC 871).
Diante desta descrição da Igreja que somos – todos fiéis em diversas etapas de compromisso – vamos aflorar breves aspetos da comunhão de irmãos com funções e tarefas diversas, fundadas no mesmo batismo e concretizadas em diferentes estados de vida, vocações, ministérios para a Igreja e no mundo, numa mesma dignidade pelo seu nascimento em Cristo. Deste modo a Igreja, pela força do Espírito Santo, une-se na comunhão e o serviço, constrói-se e é dirigida através dos dons carismáticos e hierárquicos!   
* Participantes no múnus sacerdotal, profético e real de Cristo
A partir do nosso batismo somos todos ‘fiéis’. Ora, quase quatro décadas depois da promulgação do Código de Direito Canónico (1983), já era tempo de não continuarmos a cometer os mesmos lapsos de linguagem com que somos confrontados tantas vezes, sobretudo por elementos da hierarquia ao referirem-se aos leigos como os ‘fiéis’, como se eles fossem ‘infiéis’, por contraposição à sua função eclesiástica. De verdade o batismo fez-nos a todos fiéis em Cristo e na Igreja.
Não ousaremos abordar aqui a teologia do laicado nem tão pouco dos outros sacramentos de compromisso eclesial/social – ordem e matrimónio – mas tão-somente vamos referenciar a necessidade de todos estarmos ao serviço uns dos outros, não numa visão um tanto piramidal, mas tendo em conta a dinâmica circular de comunidade, refontalizada à experiência dos Atos dos Apóstolos (cf. 2,42-47; 4,32-35) e do aprofundamento posterior dos padres da Igreja…  
* Edificação da Igreja santa dos pecadores
É pela comunhão entre todos os fiéis – papa, bispos e padres/diáconos, religiosos/as e leigos – que construímos o ‘corpo de Cristo’, que é a Igreja. A nossa comunhão de uns com os outros começa, antes de mais, na condição de pecadores, tal como reconhecemos no início da celebração de cada eucaristia, onde nos confessamos todos pecadores uns diante dos outros e todos perante Deus.
Como refere o Concílio Vaticano II, «a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação» (LG 8). Com efeito, sendo santa na sua essência, ela se manifesta pecadora, pelos seus filhos frágeis e pecadores, na sua existência. E isto nos une numa comunhão de vida, pois «todos os membros da Igreja, inclusive os seus ministros, devem reconhecer-se pecadores. Em todos eles, o joio do pecado encontra-se ainda misturado com a boa semente do Evangelho até ao fim dos tempos. A Igreja reúne, pois, em si, pecadores abrangidos pela salvação de Cristo, mas ainda a caminho da santificação» (CIC 827).
Na medida em que tomarmos consciência desta riqueza, poderemos contribuir para que a Igreja seja uma força de Deus neste mundo e, particularmente, neste tempo. Com efeito, haveremos de concretizar, com gestos, palavras e sinais, aquilo que o Concílio Vaticano II designou de ‘vocação universal à santidade’, não ficando nada nem ninguém fora de poder vir a ser santo, assim o queira, o prossiga e Deus o faça. O caminho está traçado, assim o saibamos percorrer de olhos postos na meta, que é Cristo Jesus.  
* Diversidade para a unidade
Na Igreja não há um mera uniformidade, mas uma diversidade para a unidade, onde cada um é e manifesta a dignidade de filho e de irmão, segundo a vocação, o estado de vida e os ministérios em Igreja. Efetivamente, «desde a origem, a Igreja apresenta-se com uma grande diversidade, proveniente ao mesmo tempo da variedade dos dons de Deus e da multiplicidade das pessoas que os recebem. Na unidade do povo de Deus, juntam-se as diversidades dos povos e das culturas. Entre os membros da Igreja existe uma diversidade de dons, de cargos, de condições e de modos de vida» (CIC 814).
Perante esta vivência da Igreja, todos e cada um devemos ser os artífices desta diversidade para a unidade, na medida em que pelos dons, carismas e ministérios podemos/devemos manifestar a riqueza que a Igreja contém em semente e manifesta em frutos. Seja qual for a instância de manifestação do ‘ser Igreja’, somos chamados por essência a contribuirmos para que esta Igreja se torne, neste mundo, sinal e presença do poder e da missão de Cristo. Cada um, segundo os seus dons e carismas deve contribuir para a manifestação desta mesma Igreja, tão rica nos seus membros e diversa nas suas formas de presença em cada tempo e nos variados lugares.
    

António Sílvio Couto

terça-feira, 7 de julho de 2020

Eucaristia de domingo num contexto secularizante


«A celebração dominical do dia e da eucaristia do Senhor está no coração da vida da Igreja. ‘O domingo, em que se celebra o mistério pascal, por tradição apostólica, deve guardar-se em toda a Igreja como o primordial dia festivo de preceito’». Esta afirmação do Catecismo da Igreja Católica (n.º 2177) é, cada vez mais, desmentida pelo comportamento de uma larga maioria dos nossos católicos.
Estamos num tempo onde se foi perdendo de forma crescente o sentido do domingo, trocado por tantas outras coisas, certamente, salutares, mas que deveriam ser secundárias para os cristãos/católicos conscientes e bem formados na fé. O momento de confinamento que vivemos por causa da pandemia foi gerando respostas que nos devem fazer refletir, por forma a não reduzirmos a ‘prática dominical ‘ à missa na televisão com o risco de uma certa religião acomodada ao sofá e ao reduto de pantufas.
Nesta época de ‘cristandade profana’ vemos ainda coexistirem momentos de celebração religiosa do domingo com outras circunstâncias de evasão à vivência da fé em contexto paroquial de proximidade. Sem disso fazermos pedra de contestação podemos/devemos questionar alguma da pastoral de certos santuários, sobretudo naquilo que pode ser mais de religiosidade do que de cristianismo.

Vejamos breves aspetos:

* Da obrigação à necessidade ou vice-versa
Dos tempos pós-apostólicos é dito, por diversas vezes: ‘não podemos viver sem o domingo’, pois para ele converge e dele se irradia uma vida cristã testemunhal. Que diremos, hoje, desta asserção profunda de vida cristã? Que nada disso tem mais possibilidade de ser continuado, tais parecem ser as seduções do mundo. No entanto, temos de ser claros: não foi derrogada a obrigação do preceito dominical, nem mudaram os preceitos – tão pouco em maré de pandemia – ao sabor de uma acédia generalizada. Quanto a este preceito ocorre-me sempre a comparação com a amizade humana: se tenho pouca ou fraca proximidade com alguém, cumprir as minhas obrigações para com ele pode ser fastidioso, se esse para com tenho pouca afinidade me obriga, mas se a intimidade/proximidade é mais vinculativa, o mais pequeno desacerto poderei considerá-lo desrespeitoso ou até ofensivo. Isto é, faltar à missa para além de ser ofensa a Jesus, cuja ressurreição celebro em cada domingo, também se torna ofensivo para com os outros a quem devo tributo de comunhão e vínculo de unidade… Enquanto não descobrirmos, verdadeiramente, a necessidade de viver esta celebração semanal, tudo o resto soará a obrigação à qual se arranjará escusas, nem que sejam sem nexo! De facto, falta-nos uma igreja evangelizada antes de ter sido sacramentada, pois de outra forma não se explica a debandada em tempo de férias ou o acomodamento em maré de pandemia!

* Ritmo de vida: compromisso com Deus e para com os irmãos
É tristemente constatável ver crianças e pais, adultos e mais velhos trocarem – desde as prioridades até aos locais – a celebração da missa de domingo paroquial por qualquer outra iniciativa ‘consoladora’ de uma certa religião à la carte. Sem conflitualidade será de questionar tantos que vão aos santuários em cumprimento de promessas, mas que não têm vínculo à fé celebrada nos espaços de proximidade onde moram. Esta pode tornar-se numa espécie de ‘anonimato’ que, além de ser questionável, deveria ser tratado com mais cuidado por quem recebe, não só as esmolas, mas também as fés aí manifestadas. Se atendermos aos dados publicados, por exemplo, pelo santuário de Fátima, a questão é digna de questionamento: dos cerca de sete milhões de peregrinos, em 2019, comungaram nas missas menos de dois milhões de fiéis…o que dá quase um terço dos participantes nos atos religiosos.
Estas singelas observações querem tão-somente contribuir para que os santuários a pastoral que lhes está adstrita possam enquadrar tantos dos cristãos ‘pirilampo’ que flutuam por esses espaços para que não se quedem nas devoções, mas possam descobrir o compromisso com Deus e para com os irmãos…ao domingo ou noutros dias. De que adianta dizer-se que queremos que os santuários sejam espaços essencialmente religiosos, se neles são cobradas, depois, taxas exorbitantes pelos atos sacramentais?


António Sílvio Couto

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Tendências sexistas…a corrigir


Num programa televisivo com alguma audiência – a crer naquilo que dizem de si mesmos – uma concorrente disse ‘tout court’: quero os homens todos fora da casa… entenda-se do programa!

Se a frase mudasse de sujeito, isto é, se tivesse sido um homem a diz aquilo sobre as mulheres, qual teria sido a reação? No mínimo diriam que era machismo…e logo se criaria um alarido de chinfrineira… à la carte. Mas como foi dito por uma mulher concorrente brasileira, não vi a mínima reação ou rejeição… ficando tudo impávido e sereno, na cumplicidade!

Noutras circunstâncias o ‘grande irmão’ fez soar a sua altissonante posição ameaçando, castigando e expulsando. Por agora a censura não se pronunciou. Será que concorda com o que foi dito ou não esteve atento à discriminação semeada? Haverá clichés que não passam pelo crivo de certos lóbis, enquanto outras atitudes são julgadas de forma implacável? Até onde irá alguma da tendência encapotada de defesa das mulheres, quando elas ofendem os homens e ninguém ousa pronunciar-se? 

= É notório que no último século se deu uma mudança do reconhecimento da função/papel da mulher na sociedade ocidental. Ainda bem que tal se verifica, pois o processo está em marcha e ainda faltam muitos degraus para a verdadeira igualdade na diferença e diferenciação no igualitarismo.

Através de múltiplas iniciativas se foi caminhando para uma maior assunção de direitos e de deveres entre homens e mulheres. Por vezes certas lutas tornaram-se de consequências pouco correlativas às causas, dado que algumas forças ideológicas em vez da emancipação da mulher foram criando estereótipos construídos na imitação do masculino. E nem as poucas mulheres que ascenderam ao poder – no governo-geral (pasme-se em Portugal só houve uma mulher a gerir um governo), nas autarquias (poucas sublimaram as resistências partidárias) ou mesmo nas empresas (muito poucas conseguiram vingar no campo da gestão ou nas tarefas de maior visibilidade) – conseguiram colmatar a mistura com situações a roçar quase a miséria senão moral ao menos económica de tantas mulheres com qualidade humana, social, cultural e mesmo espiritual.  

= Há ainda demasiadas questões em aberto, algumas delas com apreensão quanto ao seu desenvolvimento, na medida em que não basta dizer que não há obstáculos para que estes se diluam por arte mágica. Em quase todas as áreas de atividade as mulheres têm acesso, seja de forma ativa/profissional, seja pelo modo tácito de serem mulheres com ação num campo muito específico. Em razão do espaço de atividade em que me situo, gostaria de deixar algumas questões/sugestões sobre o modo como a mulher pode e deve estar/participar, viver/sentir e testemunhar a sua função na Igreja católica.

- Fique claro que mulher e homem batizados têm os mesmos direitos e deveres na Igreja, inerentes ao seu sacerdócio batismal, mas também em razão das funções real e profética. Por isso, não há ôntica e teologicamente qualquer discriminação por seu homem ou ser mulher. Com efeito, que seriam de tantos dos serviços – dos mais simples aos mais complexos – na Igreja se, um dia, por hipótese, as mulheres fizessem uma ‘greve de zelo’? A dedicação silenciosa e cuidada nas igrejas-templos mostram como elas são importantes na Igreja-comunidade. E nem o condicionamento no acesso ao exercício do ministério ordenado as menospreza, antes nos dá a noção da sua importância eclesial. Com efeito, não será o não-exercício do múnus eclesiástico que diminuirá o papel das mulheres na vida da Igreja católica.

- É um facto que a inserção das mulheres nos serviços litúrgicos tem vindo a evoluir sem grandes saltos nem solavancos. Na verdade, se repararmos, nas últimas três décadas, quantas mulheres foram instituídas como ‘ministros extraordinários da comunhão’. Como diz um teólogo francês: a Igreja não aprova, põe à prova… e prestadas as provas virá a aprovação!

- Há, no entanto, cuidados redobrados a tomar, pois a falta de sacristães (homens) nas paróquias não deveria servir para deixar à solta franjas que poderão feminizar em excesso a Igreja e quanto a ela se refere. Como se diz de certos adolescentes em maré de afirmação: temos de vigiar para que não haja uma espécie de eucaliptização da vida religiosa nas paróquias e similares…

Todos somos precisos, mas ninguém é imprescindível!   

 

António Sílvio Couto