Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Crédito (quase) mínimo para a (nossa) democracia

Mais de sessenta por cento de um razoável leque de inquiridos consideram-se insatifestos com a forma como funciona a democracia em Portugal. Este resultado foi recolhido por um inquérito designado ‘Barómetro da qualidade da democracia’, recentemente apresentado em Lisboa.
Tendo em conta os mais de mil e duzentos inquiridos, maiores de dezoito anos, recolhemos como informação que quase cinquenta por cento não se sente representada pelos partidos políticos... atuais, enquanto quase um quarto dos que responderam ainda confiam no Presidente da República, acrescentando que 11,9% confiam nos ‘movimentos sociais de protesto’, negligenciando, por seu turno, os partidos (10,3%), os sindicatos (9,5%), as Igrejas (7,3%) e os autarcas (2,7%).
 Mesmo que forma sucinta apresentamos, quase por contraste, cinco aspetos positivos e cinco outros negativos do estado da nossa democracia... portuguesa.

= Cinco sinais positivos da (nossa) democracia:
+ Liberdade pessoal e responsabilidade coletiva... nas decisões,
+ Participação de todos (maioria em razão dos votos expressos) nas questões públicas,
+ Consciência dos direitos políticos, sociais e culturais,
+ Interdependência dos bens materiais, da natureza e do trabalho,
+ Sentido da pertença em razão dos valores humanos... mais ou menos claros, esclarecidos e assumidos.

= Cinco sinais de deficiência... de funcionamento na (nossa) democracia:
- Egoísmo pessoal e grupal... por vezes transversal em questões de minorias e mesmo de alguns lóbis,
- Desinteresse pelas coisas públicas, desde que não se seja prejudicado nos direitos adquiridos... mesmo que possam ser injustificados,
- Pouca vivência das obrigações sociais, políticas e profissionais, acentuando, antes, a reivindicação,
- Satisfação, sobretudo, dos seus interesses... mesmo que à custa dos direitos dos outros, que são vistos mais como adversários do que como companheiros,
- Relativismo em questões de índole moral, religiosa e culturais... onde a maioria nem sempre perfaz a vontade coletiva.

O juízo sobre cada um destes aspetos deixámo-lo ao critério de quem nos lê... embora em democracia a capacidade de ter pensamento, atitude e compromisso político próprio e assumido seja algo pouco valorizado na hora de fazer carreira ou até de fazer alguma escolha eleitoral.
Democracia: a quanto obrigas, em Portugal!

António Sílvio Couto

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Crianças apadrinham os mais velhos

No ano passado havia – segundo dados das forças de segurança – cerca de dezasseis mil velhos, em Portugal, a viver sozinhos ou isolados. Embora estejam, por estes dias, a ser atualizados os dados, através da ‘Operação censos sénior’, poderemos tentar encontrar algumas das causas deste fenómeno de ‘abandono’ dos nossos mais velhos, queremos sugerir breves desafios...
Recorrendo, novamente, aos dados publicados, os distritos onde há mais velhos sós ou abandonados são: Santarém, Porto, Castelo Branco, Braga, Bragança, Vila Real e Aveiro... com mais de mil velhos em situação de abandono total ou parcial, em cada um dos distritos. Por seu turno, a ilha do Corvo, nos Açores, é o distrito onde este fenómeno tem menor expressão, somente catorze!
Quais são as causas mais profundas para que os mais velhos sejam, deste modo, abandonados ou neglicenciados? Com que fatores (internos, exteriores, culturais ou mesmo espirituais) temos de contar para tentarmos explicar o agravamento deste abandono? Será isto resultado de um estilo de vida ou de uma vida sem estilo humano? Como podem ter contribuído os mais velhos para que este fenómeno se tenha generalizado? Como serão tratados os filhos que assim abandonam os pais? Serão os (ditos) cristãos diferentes no seu comportamento?
Estas e muitas outras perguntas nos assaltam ao vermos o tratamento dado a tantos dos nossos mais velhos, andando em busca de propostas que possam atenuar esta chaga da nossa sociedade, cada vez mais materialista. Por isso, a proposta que apresentamos tem tanto de simples quanto de circunstancial, pois, tendo nós a  responsabilidade – em razão do ofício e do ministério – dum lar de idosos e, conjuntamente, de um jardim-de-infância, queremos tão simplesmente deixar pistas neste ‘ano europeu do envelhecimento’.

= Diálogo entre crianças e velhos: lições e projetos
Certamente já teremos visto um avô ou uma avó em conversa um neto ou uma neta ou vice-versa. O momento é ainda mais enternecedor quando o mais novo é muito pequeno, pois a distância física – pelo tamanho, pela diferença e até pel linguagem – se atenua nas condições psicológicas.
Quando assistimos à saída das crianças do jardim de infância e são os avós quem os procura podemos viver toda uma ressonância de mensagens mais ou menos perceptíveis... entre comunhões de sangue.
Sabemos como hoje muitas das nossas crianças são – agradavelmente – a companhia para os seus avós e estes sentem-se úteis pela ajuda que prestam a seus filhos/as... pais. Felizmente nem distinguimos a atitude de avô ou de avó... ambos sentem-se colaboradores nas dificuldades. Vivendo nesta sintonia vamos humanizando as relações entre gerações... onde os pais correm o risco de serem menos interventivos e até participantes no processo de educação.

= Crianças apadrinham/amadrinham... os mais velhos
Partindo das respostas sociais dos nossos centros paroquiais poderemos criar sinergias entre estas duas etapas do desenvolvimento humano: as crianças (tanto da creche como do jardim-de-infância ou mesmo do centro de atividades de tempos livres) poderiam assumir algum cuidado para com os mais velhos... muitos deles acima dos oitenta anos e, por isso, no estádio de ‘grandes velhos’, quais bisavós ou tetravós sociais e espirituais.
Se cada sala assumisse o cuidado de um certo número – entre seis e oito, num leque de vinte e cinco crianças  – de velhos do lar ou de centro de dia poderíamos ir humanizando as nossas respostas sociais, envolvendo nessa aproximação os pais e outros participantes no processo educativo, bem como gerando proximidade e tempo de escuta para com muitos dos nossos velhos, que se vão fechando no seu mundo ou até são relegados para o limbo do esquecimento... mesmo que estejam com outros ao seu lado.
Numa espécie de contestação às vozes agoirentas que semeiam sinais da desgraça e do desespero, queremos lançar pétalas de boa harmonia entre os mais novos e mais velhos, tentando fazer com que adolescentes, jovens e adultos façam parte da solução positiva entre o berço e a bengala, aconchegando uns e amparando outros... terna e fraternamente.
Luz de serenidade e de ousadia a quanto obrigas... sempre em fidelidade ao Espírito de Deus em cada tempo e nos mais diversos lugares!

 António Sílvio Couto

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Tente sorrir, ainda está, em Portugal!

Tem vindo a diminuir, entre os portugueses, a capacidade de sorrir. Este é o resultado do balanço de um estudo, que está a decorrer desde 2003, e que, perante as fotos publicadas nos jornais, no último semestre do ano findo, nos fazem perceber que o rosto dos portugueses – sobretudo no masculino – andam mais tristes e fechados.
Ainda segundo este estudo de uma universidade portuguesa, são sobretudo os homens com mais de sessenta anos aqueles que se apresentam mais sisudos, enquanto as crianças – como não podia deixar de ser! – são as que apresentam sorrisos mais abertos.
Quais serão as razões para que alguém manifeste ou não um sorriso? Seguindo, novamente, os dados do estudo citado, o sorriso é uma reação que se desenvolve em situações que envolvam o bem-estar e a felicidade, e, quando tal não se verifica, por motivos externos, o sorriso torna-se mais inibido e até mesmo recalcado.

= De onde vem a felicidade, de dentro ou de fora? De si ou dos outros?
Nesta breve reflexão sobre o sorriso e, possivelmente, o impato que este revela da nossa (possível) felicidade, talvez seja oportuno contar esse ‘episódio’, ocorrido, segundo parece, num seminário para casais.
Estava o conferencista a discorrer sobre o tema da felicidade, quando perguntou a uma senhora: ‘O seu marido fá-la feliz?’. O marido estava um tanto distante da senhora e, por isso, ficou apreensivo sobre a resposta que ela iria dar. Ao que ela respondeu: ‘não, o meu marido não me faz feliz!’. Inquiriu, novamente, o conferencista: ‘Mas porque é que o seu marido não a faz feliz?’. É que – respondeu ela – se eu não for feliz, ele não me pode fazer feliz’.
Efetivamente, a felicidade não é coisa que os outros nos podem dar, se nós próprios não a tivermos em nós mesmos, embora eles possam ser felizes connosco e nós com eles. De fato, a descoberta da felicidade – espelhada ou não na atitude de sorriso, que é muito mais do que mera gargalhada! – terá de emergir de nós mesmos ou andaremos em busca de compensações – mais ou menos fúteis e/ou admissíveis – para tentarmos ser felizes e em fachada de sorriso... oco e forçado!

= Seriedade versus serenidade... para a infelicidade?
Quando tanta gente faz depender a sua felicidade – com mais ou menos sorrisos de circunstância – das coisas materiais, poderemos compreender que a (dita) crise social tem vindo a fechar – o rosto e o comportamento – as pessoas ao essencial, tentando fazer valer o ‘ter’ mais do que o ‘ser’. Talvez esteja correlativo, então, o processo de menos sorriso com a caducidade dos valores materialistas em que estava assente a vida de tantas pessoas!...
Somos – desgradaça e efetivamente – resultado de um certo projeto de felicidade onde até as pessoas são usadas num aproveitamento maior ou menor dos outros em favor dos (nossos) intentos egoístas e interesseiros. Esta época do descartável tem vindo a envenenar as relações entre as pessoas – mesmo no seio das famílias – fazendo-as peças de um certo jogo, onde todos temos a perder, pois deixamos de contar pelo que somos para sermos explorados pelo que parecemos ter...

= Desafios pessoais e coletivos
Enquanto o governo não se lembra de taxar com imposto máximo (iva, irs ou irc, etc.) a possibilidade de sorrirmos, em Portugal, tentemos encontrar sinais e possibilidades de dar um sorriso àqueles/as com quem nos cruzarmos, no nosso dia a dia... a começar por quem está mais perto de nós.
De fato, o mundo será diferente se formos capazes de semear um sorriso sincero e solícito, leal e libertador, puro e santo... Queira Deus fazer-nos sorrir para os outros como Ele o faz para com cada um de nós, seus filhos muito amados!

António Sílvio Couto

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Não nos resignamos

«2012 será um ano de sacrifícios para muitos portugueses. Mas será igualmente um ano em que a fibra do nosso povo virá ao de cima. Não nos resignamos. Somos um povo que se agiganta quando as adversidades são maiores e mais difíceis de superar. É nestas alturas que os portugueses conseguem ultrapassar-se a si próprios e surpreender tudo e todos. Eu acredito nos portugueses. O civismo, a coragem e a serenidade com que têm enfrentado estes tempos difíceis são dignos de todo o respeito e de enorme admiração. Portugal é maior do que a crise que vivemos».
Deixando que outros – políticos de partidos e sindicalistas de profissão, comentadores ‘sábios’ e opinadores de intenção – façam a hermenêutica (escondida nas entrelinhas) das palavras que deviam ser ditas, consideramos que este excerto da mensagem do Presidente da República de Ano novo como que – em nosso entendimento – lança pistas para o nosso futuro próximo.
De fato, há razões para este estado do país. Há culpados e causadores. Há soluções e deturpações. Há mentira e exageros na verdade! Queremos olhar aquelas palavras com esperança – palavra repetidamente dita pelo PR na referida mensagem – pois nós somos muito maiores do que afinal pensamos, como portugueses.

= Civismo na não-resignação
Do que temos visto em certas manifestações – tanto políticas como sindicais, em greves ou noutras tomadas de posição – são atitudes de pouco civismo, criando mal-estar entre os atingidos pelos (ditos) direitos dos reclamantes. Com feito, as mais recentes greves dos maquinistas do caminho de ferro foram disso um desagradável exemplo, pois atingiram largas fatias da população e criaram prejuízos ao país e ao empregador.
Esta falta de civismo é (ou pode ser) resultado do deficiente entendimento dos deveres de uns contra os direitos de outros. Esta falta de civismo resulta de uma inadequada forma de compreender certas lutas dos sindicatos, que, na maioria dos casos, são tiros no futuro do emprego que ainda vão tendo. Esta falta de civismo quase parece resultado do enclausuramento de certos dirigentes sindicais – perpassando as várias áreas de intervenção – que, já nem conhecendo o seu espaço profissional, como poderão gerar lutas corretas, sensatas e civicamente responsáveis?

= Coragem da não-resignação
Nos tempos que correm o risco de desanimar é tentação de uma razoável maioria. A resignação não pode ser virtude dos cobardes, mesmo que acomodados ao ‘não vale a pena’! A resignação não é nem pode ser deixar correr, pois outros farão por mim.
A não-resignação exige coragem para se comprometer na mudança. Cristamente dizemos ‘conversão’, sobretudo, aos valores do Evangelho. Por isso, a rotina de certos atos religiosos pode ser uma espécie de narcotização resignada e repetitiva de rituais ocos.
A não-resignação exige capacidade de discernimento à luz do Espírito de Deus, que sempre nos incomoda para um crescimento na profundidade de Deus em nós, levando-O àqueles que se possam acomodar ou egoisticamente centrar em si mesmos.

= Serenidade pela não-resignação
Diante da exigência em não ficarmos a ver de bancada o que nós devemos fazer no campo do jogo, a não-resignação só surtirá efeito se for vivida na serenidade em «aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar as que posso, sabedoria para distinguir umas das outras» -- como se diz a oração da serenidade dos Alcoólicos Anónimos.
Quando tantos barafustam e querem fazer da agressividade uma nova atitude política, é urgente compreender o desafio da serenidade.
Quando tantos se abespinham contra tudo e contra todos, mas não são capazes de deixar cair as suas regalias em favor dos mais desafavorecidos, é fundamental entender a serenidade como atitude cívica e moral.

Cremos que é chegada a hora de sabermos unir e condimentar a não-resignação com estes três ingredientes – civismo, coragem e serenidade – sabiamente colocados pelo PR na sua mensagem de Ano novo. Queira Deus que, o ano de 2012, seja digno da confiança que nele depositamos!

 António Sílvio Couto