Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 30 de dezembro de 2014

De alma retalhada…


Na nossa vida há momentos que deixam marcas. Na nossa experiência de vida podemos viver, muitas vezes, situações que nos fazem refletir (sobre o presente, diante do passado e para com o futuro), criando condições para nos irmos conhecendo e com a repercussão daquelas pessoas que se cruzam no nosso caminho… de forma esporádica ou modo mais ou menos estável.

Tenho por princípio que não me ofende quem quer, mas a quem eu deixo… pois, pode haver circunstâncias e fatores que fazem com que quem me pretende ofender possa esbarrar na barra da indiferença – esta é uma virtude, como nos ensina a espiritualidade inaciana e não o defeito do desprezo, à maneira do mundo – e outros momentos em que uma simples palavra ou um gesto de quem esperávamos compreensão e ânimo nos possa destruir senão o espírito ao menos a alma, melindrando até a dimensão corporal.

Nem tudo pode ser valorizado de igual modo, mas há etapas da nossa vida em que podemos estar mais vulneráveis e sensibilizados para pequenas (que não mesquinhas) ‘ofensas’… quantas delas caldeadas com a necessidade de sabermos entender a vida e os sinais da condução de Deus para connosco.

= Em jeito de balanço… e projeção

Tudo isto pode ser mais acutilante ao final de um ano civil, pois os dias e os meses acumulam em nós boas e más experiências, razoáveis e diversas vivências, onde cada aspeto pode ganhar outro significado devido às expetativas que podemos ou não alcançar.

Pelo espaço de cinco anos aconteceu na mesma data – isto é, por estes dias – a perda de dois padres bastante idosos. Num como noutro caso senti-me entristecido, tanto pela perda, quanto pelas consequências na não-substituição por outros mais novos nos seus lugares…

Há cinco anos como agora, tenho estado a rezar a via-sacra para a próxima quaresma. É um hábito que tenho vindo a viver: no tempo de natal estou a preparar a vivência da páscoa. É algo interessante e de frutuosa ‘ginástica’ espiritual: o nascimento e a morte de Jesus unem-se em mistério de encarnação redentora.

Neste ambiente como que se sacode a consciência: como podemos ser insensíveis aos outros, quando Jesus veio tomar carne humana e pelo sofrimento redentor deu sentido aos pequenos achaques do nosso dia-a-dia! Há como que uma luta contra a superficialidade com que tantos correm para sorverem a espuma do espumante e do tempo que escorre, deixando perder a possibilidade de viver o essencial… Não há nisto qualquer juízo sobre nada nem sobre ninguém, mas antes uma simples inquietação para perceber como, no tempo que passa, podemos deixar escapar (ou não) a eternidade em cada momento de vida.

De alma retalhada vejo e sinto tanta gente que sofre (doenças e solidões)… e poucos lhe ligam, pois estão ocupados consigo mesmos.

De alma retalhada vejo e acolho as vítimas da difamação… enquanto os acusadores se escondem.

De alma retalhada escuto e sinto quantos são vítimas do ódio humano e das tragédias da natureza… e confio ao Deus da misericórdia que lhes dê paz e consolo.

De alma retalhada observo as futilidades de tantos que se divertem sem olhar a meios nem a recursos… como se não houvesse amanhã.

De alma retalhada sinto a dor de tantos que desconhecem, abandonam ou desprezam Deus… Esse que é capaz de dar resposta e de motivar a mudança de vida e de comportamentos, já.

 

António Sílvio Couto

sábado, 27 de dezembro de 2014

Fotos dos calendários



Nos últimos tempos temos visto surgir uma nova vaga de fotografias em calendários. Anteriormente eram de marcas de pneus, de mulheres mais ou menos despidas e de empresas que se serviam desses artefactos para atraírem a atenção sobre os seus produtos. Hoje são iniciativas duma (pretensa) índole solidária, desde coletividades de socorro até instituições de âmbito social. O filão está aí, mas que significado terá? O que tem isto de respeito pela pessoa humana? Será que tudo vale, desde que dê popularidade e lucro?

= Num mundo tão exposto às luzes dos holofotes e onde as pessoas valem mais pelo que mostram do que pelo que são de verdade, este fenómeno das fotografias em calendários pode inserir-se num âmbito geral normalizado, isto é, onde as pessoas dão (quase) tudo por uns tempos de fama e de visualização da sua personagem… seja de forma correta, seja de forma inoportuna. Será que isto tem a ver com a personalidade de cada um ou as novas ocasiões desencadearam um novo processo de vulgarização da intimidade de cada qual? Será que se perdeu o sentido do pudor, isto é, do resguardo do mistério de cada pessoa?

= Num tempo em que se cuida tanto da imagem – sobretudo a que os outros têm ou podem ter de nós – este fenómeno das fotografias dos calendários como que consubstancia um estilo de vida e uma conduta mais ou menos tolerada e/ou pretendida: ver e ser visto, pois, na lógica de algumas pessoas, quem não aparece, esquece! De fato, o jogo das ‘imagens’ como que condiciona o comportamento de muitas das pessoas do nosso tempo, criando – como dizia, recentemente, o Papa Francisco, uma espécie de ‘esquizofrenia existencial’ – onde cada um só se vê a si mesmo e aos seus interesses… muitos deles mesquinhos e egoístas.

= Numa época em que se exalta sobretudo a dimensão do corpo, este fenómeno das fotografias dos calendários quer, particularmente, realçar uma certa beleza – masculina, feminina ou, nalguns casos, de género – dentro dum código mais espartano do que ateniense, isto é, valorizando o corpo físico e não a dimensão espiritual/intelectual. Há casos em que o retoque das feições fazem com que as pessoas se tornem quase ridículas, mas, se querem entrar na onda, submetem-se a duras restrições, desde que seja para aparecer mais bonito/a. Muitas vezes o modelo em promoção cria perspetivas pouco dignificantes dos intervenientes e dos promotores…

= Numa conjuntura socioeconómica um tanto desfavorável não vale tudo para tirar proveito das debilidades emocionais dos outros, pois muitos dos intérpretes (bombeiros, voluntários, velhos/as e até padres) são usados como material descartável até ser conseguido o objetivo de ganhar dinheiro. Com efeito, há muitas formas das pessoas serem vendidas e ofendidas. Usando um estribilho habitual: os fins nem sempre justificam os meios! Pois, estes nem sempre têm na devida conta as pessoas na sua singularidade, mas antes são niveladas por um certo proveito economicista e consumista.

Diante destas leituras sobre as fotos de calendário, deixamos breves sugestões:
+ Porque não se fazem calendários com novas imagens dos santos e santas da Igreja católica, por exemplo realçando em cada mês um deles? Não podem ser imagens muito antigas, mas devem ser apelativas a novas formas de testemunho cristão atualizado e atrativo!
+ Porque não incentivamos artistas de matriz cristã que nos proponham momentos de oração – onde se conjuguem mensagem e imagem – diários ou semanais, com fotografias bonitas e significativas… para nos alimentarem a alma e o espírito? Que não nos reduzam à santidade enrolada, mas nos proponha dinâmica ‘em saída’ para o mundo a cristianizar!
+ Porque não investimos numa espiritualidade saudável e continuamos a recorrer a certas devoções (já) carunchosas? Há coisas que não funcionam mais… mas outras precisam de novo espírito e de novos protagonistas!

António Sílvio Couto

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Não meta Deus nisto!


Foi com um misto de surpresa e de incredulidade que ouvi esta frase: ‘não meta Deus nisto’… dito no contexto de uma conversa telefónica, sobre um assunto que já não recordo e proferido por uma pessoa que acreditava ter fé… esclarecida e com maturidade.

Nesse mesmo dia, num programa televisivo, onde era solicitado às intervenientes (são só mulheres) falarem sobre votos de Natal, uma delas afirmou-se antiteísta, sem precisar de Deus para nada e, portanto, o Natal não tem, em seu entender, sentido como vivência religiosa e muito menos cristã…

Fique, desde já, esta declaração de princípio: para mim Deus está em tudo, envolve-me por dentro e por fora e aceitá-lo na vida tem significado, absolutamente, em todos os momentos… mesmo os mais difíceis e complicados, na dor como no sofrimento, com agrado, sem tanto fervor…ou mesmo na provação.

= Deus tem ocasiões?

É, efetivamente, recorrente encontramos pessoas para as quais Deus não está sempre presente, mas em certas ocasiões Ele não tem – ou não convém ter – espaço nem lugar. Dá a impressão que, nas situações mais complexas, Deus parece não ter oportunidade. Há problemas onde Deus parece não contar, seja pela presença, seja pela (aparente) ausência.

Até pode haver quem pretenda reduzir a capacidade de Deus estar presente ao contexto do templo, sobretudo se for numa conjuntura agradável e proveitosa, pois quando, nem tudo corre bem nem as pessoas estão (totalmente) convertidas, Deus já não ter o mesmo significado nem compreensão.

Sem pretendermos vulgarizar o que estamos a tratar, diríamos que há pessoas que querem um Deus ‘boca doce’ (era a marca de um pudim instantâneo, noutros tempos) e o coração quente! Ora nem sempre isso é possível viver e sentir, pois as agruras da vida deixam marcas e feridas, mas Deus cuida de nós, muito mais do que sejamos capazes de imaginar.

Nada acontece fora do alcance de Deus, nem mesmo as coisas más, as pessoas perversas ou os acontecimentos dramáticos e funestos. Deus está aí…ou mais não seja pela ausência da sua revelação e pela aceitação daquilo que Ele permita que aconteça.  

Num tempo que se pretende sábio nas suas realizações tropeçamos a cada hora como falhas da inteligência humana, das faculdades mais elevadas da humanidade e das lacunas de cada um de nós, sobretudo quando o orgulho não nos deixa ver as limitações como janelas por onde Deus espreita para nos dar novas capacidades de construção dum mundo mais humano e mais fraterno.

 = Humildar-se é engrandecer-se

Para um crente a abertura ao divino faz-se em cada milésimo de segundo da nossa existência, descobrindo as centelhas do amor de Deus em cada ser vivo e nos vários elementos da natureza. O mal é que andamos muito ocupados connosco mesmos e com os nossos interesses mesquinhos, vulgares e egoístas.

Por vezes as pessoas só servem se estão ao nosso serviço. Ouvir uma observação menos grata ao nosso eu faz-nos criar inimigos ou ao menos adversários em cada canto das brechas da nossa cambaleante existência. Custa-nos muito que descubram as nossas limitações. Encobrimo-las a toda a força para que não saibam que a imagem que queremos dar aos outros não corresponde à imagem que temos de nós mesmos e tão pouco da realidade que inferioriza o conceito que temos de nós mesmos.

Há processos de conduta humana onde a presença de Deus poderia parecer mais uma denúncia da nossa incapacidade em crescermos pela aceitação e não pela efabulação do nosso eu ressentido e ciumento. Ora Deus em nada nos acusa, antes nos levará a sermos amados como somos e não meramente como gostaríamos de o ser. Ele toca as fimbrias da nossa mais recôndita vida e engrandece-nos pela confiança que temos n’Ele. Com efeito, humildar-se engrandece-nos no mais profundo do nosso ser e só Deus nos conhece e nos ama sem nos acusar. Deus está e felicita-nos pelo dom da vida nas suas mais diversas manifestações. Assim O aceitemos, hoje e para o resto dos nossos dias! 

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Palavras ‘ocas’ em tempo de Natal


Por estes dias ouvimos – e talvez até digamos – palavras e expressões um tanto rotineiras e (quase) numa expressão de vivência coletiva de cristandade pagã ou mais ou menos paganizada: boas festas, bom natal, feliz natal, próspero ano novo, bom ano… E nem o desejado santo natal ou um novo ano abençoado me satisfazem… minimamente!

Não sei bem porquê, mas este ano não me apetece sequer responder a este tipo de palavras, não as usando nem ripostando com outras – um tanto mais cristãs – que até poderiam colidir com os (pretensos) desejos do interlocutor.

Este ambiente de faz-de-conta como que percorre tantos momentos da nossa vida… mas, nesta época da verdade, que é o tempo de Natal (celebração religiosa cristã e vivência de balanço sobre o passado), tudo se torna mais acutilante na denúncia e na incongruência, desde o que se sente até àquilo que se percebe estar desfasado do projeto de vida mais profundo… Aquelas palavras e frases soam-nos, então, a algo que não corresponde ao verdadeiro sentido do Natal nem tão pouco aos desafios que um Natal cristão exige e merece. Por vezes aquelas palavras mais parecem estribilhos de circunstância do que desejos sinceros e verdadeiros.

= Entrar na onda ou destoar?

O viver em sociedade exige-nos uma grande capacidade de adaptação, tanto àquilo que se pensa e propõe como àquilo que são os motivos norteadores da nossa conduta. Quem não terá já tido a necessidade de aprender a estar com outros, dado que está deslocado do seu habitat de origem. A cultura humana faz-nos saber aprender a relacionar-nos com os outros, respeitando-os e sendo nós também respeitados.

Há quem tente medir a inteligência de uma pessoa pela sua capacidade da adaptação a novas realidades, muitas vezes, adversas… muito mais do que pela compreensão a problemas de natureza abstrata ou metafísica. Quantas vezes uma pessoa simples se desenrasca – perdoando o termo popular – muito melhor do que um doutor ou um engenheiro, cuja capacidade intelectual se afunilou noutras questões que não as da vida do dia-a-dia.

É digno de registo que os portugueses têm uma inigualável capacidade de se adaptarem a novas realidades como outros povos não são capazes. Dir-se-á que é uma força de sobrevivência em momentos de adversidade…isso como que nos está inato no sangue… Somos, deste modo, muito mais versáteis do que outros povos e culturas.

Por outro lado, somos ainda um povo que se adapta com grande facilidade às modas mais diversificadas, podendo parecer que sabemos as razões, mas antes nos situamos nos benefícios mais do que nas causas de sermos desse modo. Dado que estamos no cruzamento geográfico entre a Europa e o resto do mundo recebemos influências de todos e parecemos estar ao ritmo de tantos outros, mas, na maior parte das vezes, isso só se verifica pela fachada. Se quiséssemos encontrar uma imagem destes dias: somos um bom papel de embrulho (vistoso, atrativo e ilusório), mas o conteúdo nem sempre se adequa ao que parece mostrar!

= Coerência na linguagem… cristã

Mesmo que de forma simples gostaríamos de apresentar breves sugestões para que o nosso linguajar seja minimamente coerente. Para isso citamos o Papa Francisco, na sai mensagem para o próximo dia mundial da paz: ‘praticando no dia-a-dia pequenos gestos como dirigir a palavra, trocar um cumprimento, dizer ‘bom dia’ ou oferecer um sorriso…Estes gestos, que têm imenso valor e não nos custam nada, podem dar esperança, abrir estradas, mudar a vida a uma pessoa’.

Talvez tenhamos de tentar exercitar algum destes aspetos, pois com facilidade nos podemos fechar no circuito das nossas relações circunstanciais, servindo-nos de frases-feitas sem conteúdo ou de expressões cujo nexo de coerência pouco mais não dizem do que palavras ocas e vazias… de nós mesmos e aos outros.

Que o nosso Natal seja em louvor d’Aquele que é a razão da festa e não dos apêndices mais ou mesmo artificiais… com que nos entretemos!

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Globalização da fraternidade… para a paz


«A globalização da indiferença, que hoje pesa sobre a vida de tantas irmãs e de tantos irmãos, requer de todos nós que nos façamos artífices duma globalização da solidariedade e da fraternidade que possa devolver-lhes a esperança e levá-los a retomar, com coragem, o caminho através dos problemas do nosso tempo e as novas perspetivas que este traz consigo e que Deus coloca nas nossas mãos».

Estas palavras terminam a mensagem do Papa Francisco para o 48.º dia mundial da paz, a celebrar no dia 1 de janeiro, subordinado ao tema: ‘Já não escravos, mas irmãos’.

Partindo duma análise da condição humana onde, por vezes, se verificaram ‘múltiplas faces da escravatura’ -- trabalhadores menores, exploração dos migrantes, na prostituição, nos raptos – até aos nossos dias – pobreza, corrupção, conflitos armados, violências, criminalidade e terrorismo – o Papa aponta a causa: «hoje como ontem, na raiz da escravatura, está uma conceção da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como objeto (…) Com a força, o engano, a coação física ou psicológica, a pessoa humana – criada à imagem e semelhança de Deus – é privada da liberdade, mercantilizada, reduzida a propriedade de alguém, é tratada como meio e não como fim».

Deixamos, a título de interpelação, duas breves propostas – mais culturais do que meramente moralizantes – para a vivência desta mensagem do Papa Francisco:

= Erradicar a cultura da servidão

«As organizações da sociedade civil têm o dever de sensibilizar e estimular as consciências sobre os passos necessários para combater e erradicar a cultura da servidão».

Quais são os sinais desta cultura de servidão? Podemos encontrar sinais de natureza física, de índole psicológica, de âmbito espiritual e mesmo de alcance ético/moral.

Na sua mensagem o Papa enumera alguns dos aspetos de servidão física, que condicionam a liberdade das pessoas, desde os mais simples como a escravatura exercida sobre crianças e mulheres… até aos mais complexos como a subtração de documentos em casos de emigração ou à exploração sexual de menores e mulheres sem direitos mínimos.

Ao nível psicológico, o servilismo é explorado desde as seduções mais subtis e enganadoras até ao condicionamento nas escolhas publicitárias e economicistas. A arte do marketing e da publicidade pode entrar neste campo do servilismo consumista.

Nas vertentes espiritual e moral/ética a cultura da servidão nota-se naquilo que o Papa fala de ‘tornar-se cúmplice deste mal’, pois muitos silêncios como que se tornam ensurdecedores para com as vítimas das mais diversas escravaturas, onde a ausência (negando, ignorando ou pela indiferença) de Deus faz com que a pessoa humana deixe de valer pelo que é para ser valorizada pelo que produz…  

= Exorcizar a indiferença    

«Perguntemo-nos, enquanto comunidade e indivíduo, como nos sentimos interpelados quando, na vida quotidiana, nos encontramos ou lidamos com pessoas que poderiam ser vítimas do tráfico de seres humanos ou, quando temos de comprar, se escolhemos produtos que poderiam razoavelmente resultar da exploração de outras pessoas».

De fato, nós andamos muito distraídos com as nossas preocupações diárias, fechando-nos uns aos outros, envolvidos que dizemos andar com os nossos problemas e tentando resolver as questões mais imediatas. Na sua mensagem o Papa Francisco aponta-nos breves desafios para irmos ultrapassando esta conjuntura egoísta, individualista e egocêntrica: ‘praticando no dia-a-dia pequenos gestos como dirigir a palavra, trocar um cumprimento, dizer ‘bom dia’ ou oferecer um sorriso’. Com efeito, o Papa refere que ‘estes gestos, que têm imenso valor e não nos custam nada, podem dar esperança, abrir estradas, mudar a vida a uma pessoa’… que vive e convive connosco. 

Neste novo ano – e ainda em contexto de Natal – tentemos semear fraternidade… para uma nova paz!
 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Alguns desejos para este Natal


Como é habitual com a aproximação ao Natal – entraremos dentro de dias na reta final, com a única ‘novena’ litúrgica que temos oficialmente – vão surgindo votos e desejos para esta época, onde se exprimem, na maior parte das vezes os nossos interesses (por vezes mesquinhos e egoístas) mais do que apresentamos uma visão com alcance para com os outros e para a construção dum mundo mais humano porque mais fraterno e cristão.

= Quando vemos tanta gente, sofregamente, a invadir os espaços comerciais para fazerem as designadas ‘compras de Natal’ como que sentimos que algo parece reduzir este momento celebrativo de índole cristã para ser, essencialmente, duma espécie de aliciante para engordar a sociedade de consumo, onde O festejado não tem lugar nem oportunidade de ter espaço ou tempo.

Diante deste afã de coisas materialistas, como eu desejo que se possa dar mais tempo a acolher a Pessoa de Jesus, sentindo e vivendo as diversas etapas dessa renovação e conversão. Há, no entanto, uma larga margem de pessoas da nossa convivência que desconhece Jesus, como O festejado do Natal. Temos de usar múltiplas estratégias para O fazermos conhecer com gestos e palavras, sinais e desafios, pois muita gente perdeu as referências mínimas a Jesus, verbo encarnado e redentor… até muitos dos nossos cristãos mais ou menos rotineiros…nesta época de festas, engolem a sua religião com as comezainas e bebereiras mais ou menos exageradas.

= Quando vemos tantas pessoas a acentuarem o Natal como sendo a ‘festa da família’, parece-nos que estamos a distrair-nos com aspetos secundários… mesmo que possam ser apresentados como importantes… sobretudo se nos situarmos nesta cultura laicista e tendencialmente agnóstica.

Perante essa vertente mais ou mesmo nostálgica – onde se fala mais de uma família que foi do que de uma família que é e que pretende ser de verdade – temos de referenciar-nos ao modelo da Família de Nazaré, pois nessa discrição sumária se atribuem faculdades e atributos que a família de hoje não acolhe, não vive nem aceita, pois está mais assente na base do interesse do que da dádiva, na confluência de vidas do que laços de ternura dada e recebida.

Há aspetos da Família de Nazaré (Jesus, Maria e José) que não se coadunam com modas nem com ressabiamentos, sejam de experiências mal resolvidas, sejam de episódios de infelicidade (ou até de infidelidade) onde as vítimas se podem confundir com os agressores. De fato, a família precisa de princípios e de estabilidade, tanto das pessoas como dos compromissos… E Deus deve fazer parte destas dimensões mais simples e essenciais… ontem como hoje.

= Quando percebemos que certas ocorrências se sobrepõem ao fundamental, não podemos acreditar que o espírito de Natal possa ser vivido com injustiças e ofensas, com falta de emprego e má habitação, com desonestidade e aldrabice, com acusações e suspeitas, com mentira e corrupção, com intrigas e bisbilhotice, com má-fé e maledicência, com intrujice e conluios, com protagonismos que ofendem e que aviltam a dignidade humana… Quando tudo isto acontece, não há Natal!

Só quando retomarmos o verdadeiro e sincero espírito de Natal nada poderemos ter a esconder, antes a anunciar; nada teremos a perder, antes a ganhar; nada imporemos para vencer, mas antes seremos servos da Verdade, do Perdão e da Paz… que Jesus, no Natal, nos veio trazer.  

 Os meus desejos neste Natal são:

- de acolher mais e melhor Jesus no meu coração e também naqueles com quem vivo e convivo;

- de aprender a celebrá-Lo em família à maneira da Sagrada Família de Nazaré;

- de viver o compromisso de construir – por entre tentativas e falhanços – um mundo mais humano, mais fraterno, mais solidário…porque mais cristão.

Assim o cremos e o desejamos, já!

   

António Sílvio Couto

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Violência doméstica: de quem sobre quem!


Depois do momento teatralizado, no final do congresso do PS, no dia 30 de novembro p.p., em que foram lidos nomes de mulheres vítimas de violência doméstica como que não pude resistir a ter de pensar sobre o assunto… duma forma mais abrangente e não tão afunilada como o tema, por vezes, é referido noticiosamente.

Não há violência de mulheres sobre homens? Nas uniões de natureza (género) homossexual não existem agressões? Os maus tratos aos pais não é também violência doméstica? O descuido (físico, psicológico e emocional) para com os filhos não poderá ser inserido na qualificação de violência doméstica? Porque se pretende reduzir – de forma pública e noticiosa – a violência doméstica só às vítimas mulheres?

= Ora, pelas conversas que temos tido mesmo com profissionais da saúde e pelos desabafos em casos mais ou menos graves que temos ouvido… algo vai muito mal na pretensa redução de ‘violência doméstica’ considerada só sobre as mulheres e na vertente das situações de crime…Há muita coisa obscura e nem sempre visível aos olhos dos outros!

= Pelo que se pode perceber a violência doméstica sobre as mulheres é entendida mais na agressividade e na força com que muitos homens pretendem manifestar ‘poder’ físico sobre a mulher. No entanto, esta, pela arte feminina, é capaz de usar de maior subtileza psicológica sobre o masculino, criando uma sensação de violência mais capciosa e mortífera, senão no conteúdo pelo menos na forma.

Nada disto é irrelevante para o entendimento da violência doméstica, pois, muitas vezes, a prossecução da vida em comum – nos casamentos ou uniões de fato… tanto hetero como homossexual – depende do equilíbrio entre essas tensões e as manifestações de possível carinho e emotividade… até um certo dia!

= Pode não haver claramente violência psicológica, mas podem existir condicionamentos que coartam a capacidade da pessoa (ele) ser quem é. Bastará ver a discrepância cultural – e porque não de instrução, do cargo no trabalho e no respetivo vencimento – entre homem e mulher para perceber que ela pode condicioná-lo pelas razões mais simples e sociais. Este aspeto tenderá a agravar-se no futuro próximo… dado que muitos rapazes, deixando de estudar mais cedo do que elas, estas ocuparão cargos de superioridade diretiva onde eles estarão condicionados ou mesmo subjugados!

= Tanto quanto é percetível, o controlo da natalidade é mais um poder exercido pela mulher do que pelo homem – atendendo a vários fatores… mesmo profissionais – sobretudo quando isto acontece em casais jovens, isto é, com idades até aos trinta e cinco anos, pois a carreira como que suplanta a família e esta pode soçobrar diante das dificuldades económicas e financeiras… até dum novo elemento, que seria um (ou mais) filho/a.

Perante estes sinais de mudança na sociedade e nas pessoas como é que poderemos disfarçar quem violenta quem? Umas vezes a violência reveste a forma de agressividade física, noutras pode aparecer com mutações de índole psicológica, emocional e, por vezes, espiritual. Por isso, reduzir a violência doméstica àquela que exercida pelo homem sobre a mulher poderá ser disfarçar as razões mais profundas do mal-estar e até da criminalidade.

Só na medida em que todos se respeitem e dignifiquem, em que se cuidem e se deixem cuidar, em que se amem a si mesmos mais do que pretendam ser amados… é que muitos sinais de violência – física ou psicológica, moral ou social – serão vencidos com as armas da paz, da ternura e do perdão dado e recebido.

 

António Sílvio Couto