Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 29 de junho de 2023

Droga: negócio e/ou vício em expansão?

 

As notícias de apreensão de droga são quase diárias. Os números em toneladas quase escandalosos e os valores referidos escabrosos. Se há negócio é porque há venda, se esta acontece verifica-se consumo e este justifica-se com que razões? Quem são as vítimas e os fautores? Até que ponto os riscos de serem apanhados (os traficantes) consegue suplantar os proventos?

1. No passado dia 26 de junho ocorreu o ‘dia internacional contra o abuso e tráfico ilícito de drogas’, tendo sido publicitados números sobre apreensões só neste ano… até àquela data: onze toneladas de cocaína, trinta toneladas de haxixe e de outos estupefacientes. Os dados de 2022 dizem que tinham sido apreendidas cerca de dezassete toneladas de cocaína… foram ainda confiscados aos traficantes mais de trezentos automóveis, sobretudo de gama alta, nove veleiros, quase dois mil e quinhentos telemóveis e 2,4 milhões em dinheiro vivo… Portugal encontra-se, desde 2018, nos cinco primeiros países europeus com mais cocaína capturada.

2. Mesmo que de forma aleatória há notícias que nos podem e devem deixar perplexos: em cada dois dias, em média, as forças de segurança são chamadas a intervir numa qualquer escola do nosso país devido a problemas com drogas ou ainda que o tráfico e consumo de drogas junto das escolas cresceu 74% em 2022. Estes e outros dados exigem que não deixemos o problema sem solução, mesmo que possa haver demasiados interesses em jogo, por dentro ou por fora do sistema…

3. Perante a complexidade deste tema dos estupefacientes há perguntas que podem ser feitas, tentando encontrar as respostas mais adequadas e simples: Quais os motivos que levam uma pessoa a usar drogas? Quais as consequências das drogas? O que leva os jovens a entrarem no mundo das drogas? O que é o traficante consumidor? Em que contexto é que a droga surge mais frequentemente? Como ajudar uma pessoa a livrar-se do uso de drogas? Como prevenir o uso de drogas? Qual a relação entre toxicodependência e criminalidade?

4. O consumidor tipo de substâncias à base de canábis é homem, licenciado, trabalha, vive com os pais e diz consumir estes produtos para reduzir o stress, melhorar o sono e tratar a depressão – revela um estudo, feito em cerca de trinta países europeus, entre os quais Portugal, através do ‘serviço de intervenção nos comportamentos aditivos e nas dependências’.

5. O que é considerado tráfico de estupefacientes? Tendo em conta o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 49/2021, de 23 de julho, artigos 21.º; 23.º e 24.º; 26.º; 34.º– 40.º; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, Diário da República, 2.ª série, 2 de Abril de 1992; Acórdão para fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2008, Diário da República, 1.ª série, 5 de Agosto de 2008: Considera-se que comete um crime de tráfico de estupefacientes quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou detiver plantas, substâncias ou preparações. Para se verificar este crime, basta apenas que alguém, com conhecimento e vontade de o fazer, compre, transporte ou detenha um produto estupefaciente não destinado ao seu consumo privado, nem dentro das quantidades entendidas pela lei como consumo.

A punição destas actividades visa defender a saúde pública e proteger a vida em sociedade, na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e leva ao cometimento de crimes associados (por exemplo, furtar ou roubar para consumir, ou crimes que resultam da violência ou distúrbios causados pelo consumo). O tráfico tipo é punido com prisão de 4 a 12 anos ou de 1 a 5 anos, conforme as substâncias que estiverem em causa. A pena pode ser aumentada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo em situações de tráfico agravado.



António Sílvio Couto

quarta-feira, 28 de junho de 2023

A quem interessa não promover a poupança?

De muitas e variadas formas vemos promover mais o consumo do que a poupança. Certos episódios do coletivo recente vieram trazer ainda mais à luz do dia que estamos sob uma forma de governação que prefere incentivar o consumo do que favorecer sinais e ações de poupança, tantos das pessoas como das famílias. Aquilo que foi a desvalorização abrupta e decidida pelo poder em exercício dos juros nos ‘certificados de aforro’ pareceu apenas mais um indício de que a governação prefere lançar dinheiro para gastar do que criar condições de poupança, seja qual for a valorização…

1. A desacreditação sobre o poupar já nos deixou imensos prejuízos, em tempos mais ou menos recentes, pois incentivar o endividamento fez-nos cair nalguns fossos económicos, quase sempre construídos pelo mesmo setor ideológico: as crises cíclicas depois de passarem os socialistas pela governação são sinais evidentes de algo mais profundo do que mera coincidência. A fórmula ardilosa como as entidades bancárias tentam impingir créditos deixarão marcas idênticas naqueles que caírem no logro…Como se fôssemos um povo rebelde, que não aprende com os erros do passado, estamos a dar os mesmos passos, que trarão idênticas consequências para todos.

2. O endeusamento da economia – mais parece de economicismo – como a nova religião, com a panóplia de servidores e de fregueses faz com que vivamos mais em ordem ao materialismo do que tendo em vista os cuidados para com o futuro, pessoal, familiar ou comunitário. As catedrais do consumismo são mais atraentes do que as das religiões tradicionais, pois naquelas se veem os fatores de produção quantificáveis numa experimentação emotivo-sensorial que cativa quem se reduz a viver para o prazer mais ou menos lícito.

3. Veja-se como, hoje, muitos fazem sucesso com o desperdício dos outros, desde as roupas trocadas pelos indícios da moda, as comidas esbanjadas que podem fazer proveito a desfavorecidos, as diversões que atiram para a berma da vida os desqualificados, os descartáveis e descartados pela família e a sociedade, os empurrados para fora da pista porque não alinham nas pretensões da maioria… São imensos os sinais de imaturidade de boa parte das pessoas do nosso tempo, pois julgam creditar-se pelos bens que ostentam, pela fachada que cultivam ou mesmo pela incongruência com que vivem. Para além de um novo-riquismo estamos confrontados com misérias morais normalizadas pela sociedade de consumo e de egoísmo…

4. Dizia recentemente o Papa Francisco: «De facto, também hoje, podemos ser ridicularizados ou discriminados se não seguirmos certos modelos em voga, que, no entanto, colocam muitas vezes no centro realidades de segunda categoria: por exemplo, seguir coisas em vez de pessoas, desempenhos em vez de relações (...) Tudo isto implica alguma renúncia perante os ídolos da eficácia e do consumismo, mas é necessário para não nos perdermos nas coisas, que depois são deitadas fora (...) Permanecer fieis ao que conta custa; custa ir contra a maré, custa libertar-se dos condicionamentos do pensamento comum, custa ser afastado por aqueles que “seguem a onda”» (Angelus de 25 de junho de 2023).

Retenhamos nestas palavras aquilo que é denúncia de uma sociedade podre e apodrecida, que coloca mais a sua confiança nos bens materiais do que nas causas humanitárias, nas vertentes hedonistas do que nos projetos humanistas, nas tricas de gabinete do que no compromisso em favor dos outros…

5. Desgraçado país (família ou pessoa) que viva na lógica do ‘chapa-ganha-chapa-gasta’. Pior ainda se se guiar pelo gastar o dobro daquilo que ganha… tudo colapsará. Neste país em saldos torna-se difícil – senão impossível – dar conta do recado de podermos sobreviver aos desejos incomensuráveis desta sociedade de consumo, que faz do ter a forma de viver, ainda que seja pelo disfarce e a mentira. Temos boca de rico e bolsa de pobre. Haja quem nos diga a verdade e por ela nos governe com simplicidade e coerência!



António Sílvio Couto

terça-feira, 27 de junho de 2023

Que Pedro celebramos nos ‘santos populares’?

 

A terminar o mês de junho encontramos a festa (popular) de São Pedro. Se bem que seja celebrado em conjunto com São Paulo, só Pedro merece atenção das diversões. A celebração de São Pedro e São Paulo comemoram o seu martírio, por isso, não seria de bom-tom vulgarizar tais festanças. De alguma forma para o incluir nos festejos populares, cuidou-se de despir São Pedro da solenidade papal e fazê-lo um pescador, que era de origem, colocando-o mais ao nível dos que o pretendem festejar. É, por isso, significativo que São Pedro seja celebrado nas localidades com proximidade ao mar ou aos rios, naquilo que tem de linguagem e de diálogo com esses meios e formas de estar, com procissões marítimas e outros festejos com sabor a sal.

A celebração de São Pedro concede feriado, no dia 29 de junho, em dezassete municípios, em Portugal.

1. À descoberta de Pedro na Bíblia

Pedro é a personagem mais conhecida e citada nos escritos neotestamentários: é mencionado 154 vezes com o cognome de Pétros, ”pedra”, “rocha”, que é a tradução grega do nome aramaico que lhe foi dado diretamente por Jesus, Kefa e afirmado nove vezes sobretudo nas cartas de Paulo; depois, deve-se acrescentar o nome frequente Simòn (75 vezes), que é a forma helenizada do seu original nome hebraico Simeon, aprece-nos duas vezes: At 15, 14; 2 Pd 1, 1. (*)

Simão era de Betsaida (cf. Jo 1, 44), uma pequena cidade a oriente do mar da Galileia, da qual provinha também Filipe e André, irmão de Simão. Pelo seu sotaque se percebia que era galileu. Tal como o irmão, era pescador e com a família de Zebedeu (pai de Tiago e de João), dirigia uma pequena empresa de pesca no lago de Genesaré (cf. Lc 5, 10). Pedro era casado e a sogra, curada um dia por Jesus, vivia na cidade de Cafarnaum, na casa na qual também Simão vivia quando estava naquela cidade (cf. Mt 8, 14 s; Mc 1, 29 s; Lc 4, 38 s). O ponto de partida é o chamamento por parte de Jesus. Acontece num dia em que Pedro está empenhado no seu trabalho de pescador. Jesus encontra-se junto do lago de Genesaré e a multidão reúne-se à sua volta para o ouvir. O número dos ouvintes gera uma certa confusão. O Mestre vê duas barcas ancoradas à margem; os pescadores desceram e lavam as redes. Então, Ele pede para entrar na barca de Simão, e pede-lhe que se faça ao largo. Sentado naquela cátedra improvisada, da barca, começa a ensinar à multidão (cf. Lc 5, 1-3). E assim a barca de Pedro torna-se a cátedra de Jesus. Quando terminou de falar, diz a Simão: “Faz-te ao largo e lança as redes para a pesca”.
Simão aparece nos Evangelhos com um carácter decidido e impulsivo, estando disposto a fazer valer as próprias razões também com a força (pense-se no uso da espada no Horto das Oliveiras: cf. Jo 18, 10 s). Ao mesmo tempo, por vezes é também ingénuo e medroso, e contudo honesto, até ao arrependimento mais sincero (cf. Mt 26, 75). Os Evangelhos permitem-nos seguir passo a passo o seu itinerário espiritual.
Pedro vive outro momento significativo no seu caminho espiritual, nas proximidades de Cesareia de Filipe, quando Jesus faz aos discípulos uma pergunta: “Quem dizem os homens que Eu sou?” (Mc 8, 27). Mas para Jesus não era suficiente a resposta do que tinham ouvido dizer. Daqueles que aceitaram comprometer-se pessoalmente com Ele pretende uma tomada de posição …depois disso Jesus investe Pedro como chefe do grupo: ‘Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja’…

2. Quais serão as razões mais percetíveis para se dar destaque a São Pedro e não a São Paulo, se celebramos de ambos, no mesmo dia, o seu martírio? Por que se presta São Pedro aos festejos populares e não São Paulo? Será que é a sua ligação às lides do mar que faz de São Pedro alguém mais popular do que São Paulo versado mais nas letras sagradas?

O que sabemos pela tradição popular é de se fazer de São Pedro um santo que está perto do povo e proporciona fazer festa, unindo tradições e criando motivos para que se possa alegrar-se… Serão os festejos a São Pedro tão católicos quanto seria desejável?

(*) Está no prelo uma publicação intitulada – ‘Chamados e enviados como testemunhas’ – onde se explica demoradamente esta figura nos evangelhos e mais quarenta e nove…também nos Atoa dos Apóstolos.



António Sílvio Couto

quinta-feira, 22 de junho de 2023

São Tomás Moro - padroeiro dos políticos

 


Depois de várias solicitações, o Papa João Paulo II declarou ‘patrono dos políticos’ São Tomás Moro, no dia 31 de outubro do ano 2000.

Celebrando-se, liturgicamente, São Tomás Moro no dia 22 de junho - e por entre as ‘diversões’ dos santos populares - deixamos excertos do resumo da vida deste santo, até pela originalidade de ter sido declarado padroeiro de uma classe por vezes não tão (ao menos na aparência) cristã como seria desejável.

Tomás Moro nasceu, em Londres, no ano 1478, de uma respeitável família, foi colocado, desde jovem, ao serviço do Arcebispo de Cantuária, João Morton, Chanceler do Reino. Continuou depois, em Oxford e Londres, os seus estudos de Direito, mas interessando-se também pelos vastos horizontes da cultura, da teologia e da literatura clássica. Dominava perfeitamente o grego e criou relações de intercâmbio e amizade com notáveis protagonistas da cultura do Renascimento, como Erasmo de Roterdão. O seu mais célebre escrito é a ‘Utopia’ (1515).
A sua sensibilidade religiosa levou-o a procurar a virtude através duma assídua prática ascética: cultivou relações de amizade com os franciscanos conventuais de Greenwich e demorou-se algum tempo na cartuxa de Londres, que eram dois dos focos principais de fervor religioso do Reino. Sentindo a vocação para o matrimónio, a vida familiar e o empenho laical, casou-se em 1505 com Joana Colt, da qual teve quatro filhos. Tendo esta falecido em 1511, Tomás desposou em segundas núpcias Alice Middleton, já viúva com uma filha. Ao longo de toda a sua vida, foi um marido e pai afectuoso e fiel, cooperando intimamente na educação religiosa, moral e intelectual dos filhos. Diariamente, Tomás participava na missa na igreja paroquial.
Em 1504, no reinado de Henrique VIII, foi eleito pela primeira vez para o Parlamento. O rei renovou-lhe o mandato em 1510 e constituiu-o ainda como representante da Coroa na capital, abrindo-lhe uma carreira brilhante na administração pública. No decénio sucessivo, Henrique VIII várias vezes o enviou em missões diplomáticas e comerciais à Flandres e territórios da França actual. Constituído membro do Conselho da Coroa, tornando-se em 1523 presidente da Câmara dos Comuns.
Foi nomeado pelo rei em 1529, num momento de crise política e económica do país, Chanceler do Reino. Tomás Moro, o primeiro leigo a ocupar este cargo, enfrentou um período extremamente difícil, procurando servir o rei e o país. Fiel aos seus princípios, empenhou-se por promover a justiça e conter a danosa influência de quem buscava os próprios interesses à custa dos mais débeis. Em 1532, não querendo dar o próprio apoio ao plano de Henrique VIII que desejava assumir o controle da Igreja na Inglaterra, pediu a demissão. Retirou-se da vida pública, resignando-se a sofrer, com a sua família, a pobreza e o abandono de muitos que, na prova, se revelaram falsos amigos.
O rei mandou prendê-lo, em 1534, na Torre de Londres, onde foi sujeito a várias formas de pressão psicológica, mas Tomás Moro não se deixou vencer, recusando prestar o juramento que lhe fora pedido, porque comportaria a aceitação dum sistema político e eclesiástico que preparava o terreno para um despotismo incontrolável. Ao longo do processo que lhe moveram, pronunciou uma ardente apologia das suas convicções sobre a indissolubilidade do matrimónio, o respeito pelo património jurídico inspirado aos valores cristãos, a liberdade da Igreja face ao Estado. Condenado pelo Tribunal, foi decapitado a 6 de julho de 1535.
Juntamente com outros 53 mártires, entre os quais o Bispo João Fisher, Tomás Moro foi beatificado pelo Papa Leão XIII em 1886 e canonizado, com o citado Bispo, por Pio XI no ano 1935, quando se completava o quarto centenário do seu martírio.

= Considerações finais, na comunicação de João Paulo II:
* É na defesa dos direitos da consciência que brilha com luz mais intensa o exemplo de Tomás Moro e podemos dizer que viveu de modo singular o valor de uma consciência moral.
* A vida de S. Tomás Moro ilustra, com clareza, uma verdade fundamental da ética política. De facto, a defesa da liberdade da Igreja face a indevidas ingerências do Estado é simultaneamente uma defesa, em nome do primado da consciência, da liberdade da pessoa frente ao poder político.

São Tomás Moro, rogai por todos nós.



António Sílvio Couto

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Coisas com o futebol por sujeito

Mesmo com os campeonatos já terminados, o futebol continua a provocar assunto de conversa, de discussão e de controvérsia. Aquilo que era considerado o defeso vem-se tornando matéria de notícia e, nalguns casos, de razoável confusão: tráfico de pessoas, viagens de políticos a jogos, ofensas a adversários, problemas dentro e fora dos campos…em sessões de ‘tricot-de-língua’ por horas intermináveis.

1. Para quem goste deste desporto tais assuntos cheiram a querer vender um produto de baixa qualidade, dado que da prática do mesmo pouco ou nada se fala, antes se dá destaque às intrigas e quezílias, aos problemas e conflitos, às manobras e truques…intervindo quem menos sabe do tema, embora se pretenda insinuar como esperto e sabichão… Como é possível, todas as noites e sete dias por semana, vermos canais televisivos – sobretudo de cabo – a gastarem horas a escalpelizar jogadas, intenções, provocações, insinuações, ofensas… Uns comem a carne – os que transmitem os jogos – e outros escorropicham os ossos – os comentadores – televisivos e não só? As coisas do futebol alimentam tanta gente…

2. Quantas questões emergem quando se quer trazer o futebol à liça: os milhões envolvidos na compra-e-venda do material. Como é possível falar-se, no século XXI, de comprar/vender pessoas? Isso não cheira a escravatura? Ou deixa de ter tal designação só porque envolve muito dinheiro de habilidosos com a bola nos pés? No futuro condenar-nos-ão porque estivemos em silêncio quanto a esta forma requentada de escravatura, sem olhar à tez, mas se quedou pela destreza em jogar à bola… Quais meretrizes ofendidas na sua virtude, vimos como se lamentaram tantos dos beneficiários, quando se percebeu a máquina que encobria os jovens trazidos de África e da América Latina, numa tal academia desportiva… Este foi apenas um exemplo que envolvia altos responsáveis dos comandos do futebolês…

3. Quantos dão tudo – desde a fortuna pessoal até ao futuro da família – para aparecerem associados ao algum projeto desportivo. Depois de uns tantos ‘patos-bravos’ terem perdido os bens com apostas ligadas ao futebol, vemos que este ainda seduz certos papalvos, como se uns anos de fama conseguissem livrar das responsabilidades civis e criminais. A sede de poder continua a ser mais forte do que o bom senso, a verdade e as possibilidades… Não há meio de aprenderem uns com os outros!

4. Milhares e milhares de jovens – rapazes e raparigas – quase que trocam o certo pelo inseguro para se dedicarem ao futebol, mais do que outro desporto. O fascínio por serem famosos e ricos quase lhes hipoteca o futuro: veem a nuvem da fama, mas esquecem-se dos sacrifícios. Já confrontei pais que contestam a ida de adolescentes para o seminário, mas aceitam e fomentam a possibilidade de enfiarem os filhos numa ‘academia’ qualquer de futebol, pois aí poderão ter futuro… O jogo do dinheiro e o dinheiro em jogo são mais fortes e apelativos!

5. A sagrada aliança futebol-política continua viva, desde a mais pacata autarquia até à cúpula do governo e dos dignitários da Nação. Poucos fogem desses momentos de visibilidade, antes parecem moscas atraídas ao mel. Por vezes contestam a presença de uns, mas com facilidade se percebe que é mais por inveja do que por desdém. Talvez fosse mais útil a distinção de campos e o esclarecimento de tarefas, pois a confusão favorece, normalmente, os oportunistas e incompetentes.

6. Tem-se vindo a tornar uma praga: os jogadores a serem ofendidos em razão da cor da pele ou de terem já jogado noutros clubes, que não aquele onde se joga ao tempo. Efetivamente, como barómetro da conduta social, o futebol, para além de escape de emoções, está tornar-se foco de convulsões. Não será isto um sinal da má gestão emotivo-psicológica com que têm vindo a sobrecarregar o futebol? Assim, não, obrigado!



António Sílvio Couto

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Num país de inúteis: uns comentam e outros disfarçam

 

Os tempos mais recentes têm sido prolixos em exemplos de pessoas mais ou menos ‘consagradas’ na asneira, seja pelas atitudes, seja pela omissão, sem esquecermos os erros, disfarces e mentiras acumuladas e cumulativas. Numa verbalização sem rede, como que ouso colocar certos meios de comunicação sob o epíteto de ‘jornalismo bosta’, quando se regozijam em denunciar (mesmo sem provas totais) erros dos membros eclesiásticos e se eximem de usar – no tempo correto e adequado – idênticos meios para noticiar terem sido ilibados do não-feito. Pior ainda: são uns tantos (bem colocados e cotados no ranking) que têm um especial tratamento – sabe-se lá por quê – por alguns responsáveis da Igreja… Serão julgados a condizer, tanto os beneficiados como os aduladores.

Vamos alguns factos.

1. Num país minimamente civilizado o que aconteceu com as mortes por fogo em 2017 e em 2018 teria feito cair o governo, mas, pelo contrário, conseguiram voar sobre tudo e todos, deixando as vítimas em longos tempos de espera, sem explicações razoáveis e consequentes. Centenas de mortos foram varridos para debaixo do tapete socialista (e quejandos comunistas e trotskistas – ao tempo de conluio de púcaro e pucarinho) sem pejo nem vergonha. Se o número de atingidos tivesse ocorrido na faixa do litoral – Loures/Odivelas ou Cascais/Oeiras – o trato teria sido tão superficial e inconsequente? Ficamos a saber que os cidadãos do interior valem menos do que os que os da beira-mar! Querem exemplo mais lídimo da incompetência, mesmo na hora de votar? No entanto, os que governavam ao tempo ganharam mais duas vezes nas eleições…Por que não explode a paciência nesta hora de denunciar tantos oportunistas inconsequentes? Será porque não há melhor ou parece ser melhor viver nesta rotina de vencidos?

2. Já vai longa a trama das galambices, isto é, de meias-palavras, meias-verdades, meias-declarações, meias-de-nada… Um breve episódio atingindo a transportadora aérea nacional tornou-se um facto-político obsessivo, com quase quatrocentas horas de uma comissão de inquérito, onde pouco se disse e nada se ficou a conhecer melhor. No mais elevado modelo da arte de bem-enganar temos andado entretidos com coisas inúteis, mas bem exploradas por quem delas se serve para ludibriar os eleitores. Nos intervalos fazem sair umas sondagens que nada mudam, pois sendo de encomenda resultam para quem as suporta… E, como sempre, lá estão uns certos papagaios de atalaia, não vá a voz do chefe perder sonoridade.

3. Se dúvidas ainda houvesse de que há um plano subterrâneo bem urdido quando se fala dos ‘abusos sexuais na Igreja’ bastaria atender às notícias mais recentes, pois o desmentido sobre um padre que tinha sido acusado não teve a mesma cobertura – essa de parangonas de escândalo – aquando da publicitação do assunto. O tal ‘jornalismo bosta’ não se limpa na hora de repor a verdade. No mínimo, numa comunicação social digna ter-se-ia de dar a mesma cobertura ao assunto – mesmo ao abrigo do ‘direito de resposta’ – e com a significação de repor a ofensa à honra e bom nome de cada pessoa. Daquilo que conheço do padre atingido, preparem-se para a luta que terão de enfrentar, não esquecendo as pessoas ‘políticas’ com quem se relaciona…

4. Confesso que, cada vez mais, fico baralhado com o futuro próximo: por estes dias das quatro crianças (dois e duas) que fizeram a primeira comunhão – tanto quanto era percetível – a maioria já não tem os pais a viverem juntos… e a fazer fé no leque (ou será estrato?) social de onde provêm a questão é assaz preocupante. Nota-se algo convulso no que toca à família, tanto ao nível social como religioso. É deveras inquietante o que colheremos nos próximos tempos. As crianças de hoje, como homens e mulheres de amanhã, deixam-nos grandes preocupações: o que serão estes progenitores, se viveram experiências complexas como mais novos? As marcas em tempos de infância e de adolescência serão feridas sem resposta nos seus vindouros… As prosápias atuais não resolverão os questionamentos na hora da verdade! De facto, os mercedes, os jaguares, os bmw’s com que os pais se enfeitam, não resolverão as lacunas irresolúveis!



António Sílvio Couto

sexta-feira, 16 de junho de 2023

São João, festa de fogo, no solstício?

 

De São João, no contexto dos «santos populares’, no mês de junho, celebramos o nascimento, três meses depois da celebração da Anunciação (Lc 1,26-38) e seis meses antes da celebração do Natal, isto é, no solstício do verão, no hemisfério norte. As festas em volta do fogo têm marcas de culturas pagãs e nem a colocação da celebração do nascimento de São João nessa ocasião do calendário conseguiu vencer cultos ancestrais, que têm estado a ser revigorados, na proporção direta do neopaganismo reinante. Repare-se na exaltação do fogo, como tributo ao deus sol, que se manifesta prolixamente na noite de São João. As fogueiras e o saltar a fogueira – como purificação pelo fogo – são mais alguns dos indícios pagãos nas celebrações sanjoaninas.

1. É digno de registo que São Batista dá ‘feriado municipal’ a trinta e quatro concelhos no nosso país, o que significa um número superior aos do conjunto de santo António (14 municípios) e de são Pedro (17 municípios). Para além deste dado sociológico outros aspetos estão em reflexão por ocasião do dia 24 de junho, solenidade de são João Batista. O culto do lazer é cada vez mais incentivado e vivido como forma de estar na vida, podendo correr-se o perigo de confundir não-trabalho com profissão de sucesso…

2. Atendendo a que a celebração de são João coincide com o solstício de verão, no hemisfério norte, as manifestações pirotécnicas sanjoaninas têm uma profunda relação com celebrações ancestrais de cultos ao ‘deus-fogo’, cujos rituais passam por acender fogueiras, saltar à fogueira e outros artefactos onde o fogo entra como elemento essencial de comunicação humano-divina… No entanto, estas manifestações ‘culturais’ podem redundar em neopaganismo, se não forem enquadradas no conteúdo e na forma. Com efeito, quando a fé esmorece surgem com frequência recursos a outros sinais ‘religiosos’, por vezes de difícil distinção entre o verdadeiro e o falsificado.

3. À semelhança do que acontece por ocasião do santo António também no são João encontramos marchas populares. Embora tenham sido um dos cartazes de propaganda do ‘Estado novo’, têm vindo a reflorescer com novos motivos e agregando populações com afinidade. Pelo tempo empregue a preparar, pelo compromisso em ensaiar e pela forma galharda como aparecem no contexto festivo do são João, as marchas populares permitem perceber a onda ‘cultural’ de cada terra e/ou região. De facto, desde as indumentárias até aos ritmos musicais e passando pelas letras, as marchas populares revelam em cada ano algo mais do que aquilo que dizem ou mostram. As marchas conseguem-se através da conjugação de sinergias e de diálogo de idades, podendo ser uma parte visível do tempo da festa…

4. O povo precisa de festa, mas não pode vivê-la a qualquer preço, sabendo o significado e quais as envolvências humano-culturais que a motivam. Por isso, urge denunciar certas subtilezas e corrigir aproveitamentos de forças menos claras sobre o assunto. Sobretudo as festas que têm por patrocínio os santos devem ser purificadas para que não estejamos a ofender quem deveríamos honrar. Sobre o são João precisamos de estar atentos aos sinais de paganização introduzidos, cultivados ou recorrentes. Este santo da austeridade de vida pessoal não pode servir para dar cobertura aos desmandos com que é torneado por ocasião dos seus dias de festejo. São João merece mais e, sobretudo, melhor.

5. Os santos populares dão cobertura ao tempo de festa que o povo espera, precisa e cultiva, mas que saibamos viver a diversão sem ofendermos Deus com os nossos excessos de nivelação dos santos aos nossos interesses!



António Sílvio Couto

terça-feira, 13 de junho de 2023

Com Santo António, hoje

 


Diante da figura sóbria de Santo António quiseram aproveitar-lhe mais aspetos de índole de diversão do que de chamamento ao sentido cristão da vida. Incluíram nos programas ‘casamentos’ porque dava jeito à sociedade de consumo e até as marchas populares – veículo cultural do ‘Estado novo’ – foram reconvertidas em sinais culturais de bairros em competição consumista e consumidora… O teor religioso foi sendo atirado para o circuito da sacristia, mesmo que nalgumas localidades haja o ‘pão benzido’, como faceta de partilha ou ainda se façam procissões por entre as barracas de comes-e-bebes, ao som das diversões…

1. Um pouco da biografia

António nasceu em Lisboa, a 15 de agosto de 1195 e morreu em Pádua, a 13 de junho de 1231.

De nome de família chamava-se Fernando de Bulhões; entrou, primeiramente, na Ordem dos Cónegos Regulares da Santa Cruz, que seguiam a Regra de Santo Agostinho, no Convento de São Vicente de Fora, em Lisboa, indo posteriormente para o Convento de Santa Cruz, em Coimbra, onde aprofundou os seus estudos religiosos, bíblicos e humanistas. Em razão de ter ficado impressionado com o martírio de alguns franciscanos, em Marrocos, tornou-se ele mesmo franciscano em 1220 – dizem com a intenção de os ir substituir no norte de África. Encetando a viagem para este destino, acabou, devido a uma tempestade, por ir aportar ao sul de Itália. No ano de 1221 fez parte do capítulo geral da Ordem franciscana, em Assis, convocado pelo fundador, Francisco de Assis. Conhecida a eloquência e cultura teológica, António foi nomeado mestre de teologia em Bolonha, tendo ainda pregado contra os cátaros e os albigenses – uma heresia do século treze – em diversas cidades do norte da Itália e no sul França...
António distinguiu-se como teólogo, místico. asceta, taumaturgo e pregador. O seu grande saber tornou-o uma das mais respeitadas figuras da Igreja Católica do seu tempo. Lecionou em universidades italianas e francesas e foi o primeiro Doutor da Igreja como franciscano. Morreu em Pádua (Itália), a 13 de junho... data da sua celebração litúrgica e popular. A sua grande fama de santidade levou-o a ser canonizado pela Igreja Católica apenas onze meses após a morte.
Santo António é o padroeiro secundário de Portugal...A padroeira principal é Nossa Senhora da Conceição.

2. Dos ‘Sermões’ de Santo António

«Quem está cheio do Espírito Santo fala várias línguas. Estas várias línguas são os vários testemunhos de Cristo, como a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência; falamos com estas virtudes, quando as praticamos na nossa vida. A linguagem é viva, quando falam as obras. Calem-se, portanto, as palavras e falem as obras. De palavras estamos cheios, mas de obras vazios; por este motivo nos amaldiçoa o Senhor, como amaldiçoou a figueira em que não encontrou fruto, mas somente folhas. Diz São Gregório: «Há uma norma para o pregador: que faça aquilo que prega». Em vão pregará os ensinamentos da lei, se destrói a doutrina com as obras.

(...) Há alguns que falam movidos pelo próprio espírito e, usando as palavras dos outros, apresentam-nas como próprias, atribuindo-as a si mesmos. Desses e de outros como eles, fala o Senhor pelo profeta Jeremias: Eis-Me contra os profetas que roubam uns aos outros as minhas palavras. Eis-Me contra os profetas – oráculo do Senhor –, que forjam a sua linguagem para proferir oráculos. Eis-Me contra os profetas que profetizam sonhos falaciosos – oráculo do Senhor, – que os contam e seduzem o povo com suas mentiras e com seus enganos, não os tendo Eu enviado nem dado ordem alguma a esses que não são de nenhuma utilidade para este povo – oráculo do Senhor.
Falemos, por conseguinte, conforme a linguagem que o Espírito Santo nos conceder; e peçamos-lhe, humilde e piedosamente, que derrame sobre nós a sua graça, para que possamos celebrar o dia de Pentecostes com a perfeição dos cinco sentidos e a observância dos dez mandamentos, nos reanimemos com o forte vento da contrição e nos inflamemos com as línguas de fogo na profissão da nossa fé, para que, assim inflamados e iluminados nos esplendores da santidade, mereçamos ver a Deus trino e uno».

* Na representação das imagens de santo António há certos ingredientes que transpiram isto que se pode ler neste sermão: a força da Palavra de Deus, que serviu como ínclito pregador, a presença do Menino Jesus, que o veio confortar em momentos de certo desânimo, um lírio florido, símbolo da sua castidade e ainda, nalguma representações, um alforge com pão, significando a partilha com os outros...

* Vejamos, em confronto com o nosso tempo, as quatro virtudes apontadas neste sermão: humildade, pobreza, paciência e obediência. Quem se aproveita de festejar à custa de Santo António – com ou sem feriado – talvez cultive antes o orgulho sabe-se lá a que preço, a riqueza (ambição ou vivência), a pressa com tantos tiques de impaciência e, em múltiplos casos, a prepotência no querer e no agir.

Santo António, rogai por nós, hoje e sempre.



António Sílvio Couto

segunda-feira, 12 de junho de 2023

‘Santos populares’ – popularizados ou popularuchos?

Ao ritmo da sociedade de consumo vão sendo incluídos no tecido humano, económico e social, os pretensos ‘santos populares’ do mês de junho – Santo António, a 13 de junho (feriado em catorze municípios), São João, a 24 de junho (feriado em trinta e quatro concelhos) e São Pedro, a 29 de junho (feriado em dezassete municípios). A cada um destes ‘santos populares’ se podem acrescentar tradições e formas de celebrar, mais em jeito pagão do que sob a conduta cristã, aspetos da vida coletiva, social e cultural.

1. Qual o significado dos feriados (como dispensa do trabalho, mas pago), tanto civis como religiosos? Quantos são os gerais? Como se pode ou deve entender uma certa cultura das ‘pontes’, como ligação intermédia dos dias entre vários feriados? O ‘feriado’ inclui ausência ao trabalho habitual, em razão de algum acontecimento significativo para o todo local ou nacional. Em Portugal temos, atualmente, treze feriados obrigatórios – cinco civis e oito religiosos, podendo ser incluído ainda o do carnaval e verificando-se ainda os feriados municipais, estes entre os fixos em dia e outros variáveis segundo outras condicionantes. De referir que o feriado da ‘quinta-feira da ascensão’ – variável em razão da celebração da Páscoa – é o feriado em trinta concelhos.

2. Este ano voltou a coincidir a proximidade ao Santo António com a celebração do ‘Corpo de Deus’, tendo ainda de permeio o 10 de junho e, novamente, se proporcionou um tempo de ´férias’ conjugadas com os interesses pessoais. É digno de registo que a maior parte dos feriados são mais para cuidar do corpo do que da dimensão espiritual, mesmo por ocasião dos feriados religiosos. Isso é bem patente aquando da Páscoa, esvaziando-se as igrejas e afluindo multidões às praias, se estiver de sol…

3. Se atendermos aos três ‘santos populares’ do mês de junho vemos que, em grande parte, se aproveitou dos ditos ‘santos’, essencialmente, as facetas mais popularuchas e de incidência mundana. Diante da figura sóbria de Santo António quiseram aproveitar mais aspetos de índole de diversão do que de chamamento ao sentido cristão da vida. Incluíram nos programas ‘casamentos’ porque dava jeito à sociedade de consumo e até as marchas populares – veículo cultural do ‘Estado novo’ – foram reconvertidas em sinais culturais de bairros em competição consumista e consumidora… O teor religioso foi sendo atirado para o circuito da sacristia, mesmo que nalgumas localidades haja o ‘pão benzido’, como faceta de partilha ou ainda se façam procissões por entre as barracas de comes-e-bebes, ao som das diversões…O povo quer e faz a festa à sua maneira.

4. Do São João celebramos o nascimento, três meses depois da Anunciação (Lc 1,26-38) e seis meses antes do Natal, isto é, no solstício do verão, no hemisfério norte. As festas em volta do fogo têm marcas de culturas pagãs e nem a colocação da celebração do nascimento de São João nessa ocasião do calendário conseguiu vencer cultos ancestrais, que têm estado a ser revigorados, na proporção direta do neopaganismo reinante. Repare-se na exaltação do fogo, como tributo ao deus sol, que se manifesta prolixamente na noite de São João. As fogueiras e o saltar a fogueira – como purificação pelo fogo – são mais alguns indícios pagãos nas celebrações sanjoaninas. Mais uma vez o povo faz festa, mesmo que não saiba o significado profundo da mesma.

5. A terminar o mês de junho encontramos a festa de São Pedro. Se bem que seja celebrado em conjunto com São Paulo, só Pedro merece atenção dos populares. A celebração de São Pedro e São Paulo comemoram o seu martírio, por isso, não seria de bom tom vulgarizar tais festanças. De alguma forma para o incluir nos festejos populares, cuidou-se de despir São Pedro da solenidade papal e fazê-lo um pescador, que era de origem, colocando-o mais ao nível dos que o pretendem festejar. É, por isso, significativo que São Pedro seja celebrado nas localidades com proximidade ao mar ou aos rios, naquilo que tem de linguagem e diálogo com esses meios e formas de estar, com procissões marítimas e outros festejos com sabor a sal. Quando convém os santos servem os nossos interesses, ontem como hoje!

António Sílvio Couto

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Num país de ironias

Dá a impressão que vamos tendo capacidade para viver ironizando, isto é, por mais graves que possam ser as situações encaramo-las na perspetiva de não vermos só a faceta mais difícil ou de termos uma outra visão mais light dos problemas. Só que a ironia exige inteligência de quem faz e de quem escuta, de quem vê e de quem aprecia. A ironia, por vezes, associa-se ao humor e este, nalguns casos, pode ser mordaz e corrosivo, sobretudo, se for retirado do contexto… Há casos que não se resolvem com ironia ou mero bom humor, mas outros poderão ter nestes itens solução.

1. Certos políticos – desses profissionais e do governo – parece que tentam resolver as coisas com laivos de ironia e colocando as questões entre a desculpa e a falta de memória, quando perguntados sobre os problemas em análise. As tentativas de querem ser irónicos podem decorrer das maiorias recentes, mas que se estão a esfumar, tanto mais quanto essas atitudes de sobranceria não jogam com a qualidade dos intervenientes. Nota-se uma razoável falta capacidade de enfrentar os problemas, refugiando-se os irónicos no adiamento da assunção de responsabilidades, tanto mais quanto as pontas soltas deixam a perceber que se pode enganar por algum tempo, mas será difícil de mentir sem ser descoberto…

2. Vem dos arcanos da nossa literatura a capacidade de comunicar com subtileza e, por vezes, com grande ironia. Referimo-nos depois das ‘cantigas de amigo’, as ‘de escárnio e maldizer’, onde, entre muitos fatores, se fazia do humor e da ironia algo que tentava concretizar a visão de Cícero: a rir se corrigem os costumes (‘ridendo castigat mores’). Foi com humor e ironia que Gil Vicente – pai do teatro português -- difundiu a sua mensagem numa linguagem que ainda hoje nos faz admirar e aprender… Para atalhar percurso será digna de consideração a subtil forma de fazer ‘teatro de revista’ . Acertar com a linguagem é bem mais sublime do que entender as ‘piadas’ político-sociais, pois, num trejeito poderá contida uma mensagem de largo e profundo alcance. Se no regime anterior tudo era pensado para fazer refletir, agora falta quem saiba elaborar os textos que façam pensar muito para as banalidades e algumas brejeirices à mistura.

3. Sente-se uma espécie de nostalgia para tentarmos descodificar as ironias e habilidades do humor: ancorado em clichés ideológicos, as ironias de hoje deixam muito a desejar, tanto pela forma como pelo conteúdo. Alguns dos comediantes de serviço pavoneiam-se pelos espaços televisivos como se fossem novos gurus de uma mentalidade do faz-de-conta. Quantas vezes é preciso grande inteligência para faz os outros atingir o que, de modo subtil e quase-capcioso, há de levar os ouvintes a rirem-se e achar graça, no meio diz-se, piada. Os artistas do ‘stand up comedy’ proliferaram, mas bem depressa caíram na vulgaridade, pois o que diziam nem engraçado era, quanto mais teria potenciar para ter graça, humor ou ironia. Imagens de arquivo como que fazem ter vergonha das salas cheias (de norte a sul do país) e daquelas graçolas insonsas e grotescas…

4. Longe vai o tempo em que as piadas de um programa televisivo se tornava veículo de comunicação e em que gaffes de uns criavam moda no tecido de humor e ironia. Com a dispersão de meios de entretenimento caiu a sagacidade da ironia e só em bolhas circunstanciais (locais, de grupo ou regionais) se arrancar algum sorriso dos comparsas. Certos meios de comunicação, além da atrofiarem a ironia, foram cerceando a capacidade de usar o humor como meio de castigar e corrigir, sem moralismos mas com ética, bom senso e esperteza.

5. Num tempo em que cada eu é intocável, sem termo de comparação e numa exaltação hiper-egoísta, torna-se quase impossível aceitar os seus defeitos, embora os pretenda apontar aos outros. Pois é na captação dos defeitos que a ironia e o humor crescem, tornando-se quase inverosímil rir-se de si mesmo e das correções que nos queiram permitir. Desgraçado país onde a ironia não seja levada a sério, mesmo nas fases cinzentas da sociedade, como é esta em que estamos a viver… Ironia, com respeito e responsabilidade, precisa-se!



António Sílvio Couto

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Merchandising JMJ sem alusão a Cristo?

 
Na longa lista de produtos de merchandising (duzentos mil, dizem certas fontes) encontramos: peças de vestuário (com tamanhos vários, cores diversas, feitios e formatos), chapéus e bonés; material escolar e de escritório, artigos religiosos (tradicionais ou mais atualizados); marroquinaria diversificada (braceletes, sacos, pins), livros e desdobráveis, blocos de notas e agendas...com motivos gerais e do Papa, mas não via nenhuma referência à Pessoa de Cristo nem à sua mensagem evangélica, com frases e citações bíblicas.

1. Não haverá, em todo este material disponível algo de anódino e sem clareza de programação? Não andaremos a convocar pessoas sem ser nítida a intenção do convénio? Esta falha – digo eu – não se situa na linha de ausência de catequeses preparatórias do evento? Apesar de tudo não parece demasiado horizontal muito daquilo que temos visto e ouvido? Foram propostas catequeses, cerca de duas dezenas e meia para os mais novos, mas às quais – tanto quanto parece – não tem sido dado o devido destaque e vivência... Nos dias das jornadas está previsto um designado ‘campo da graça’ (parque Tejo) e ‘colina do encontro’ (parque Eduardo VII), onde serão ministradas catequeses...

2. Neste contexto como em tantos outros ressoa em mim a frase: não interessa porque vem, importa é como vão! Seja qual for o número dos participantes – havia expetativas de um milhão, mas dizem que estão inscritos seiscentos mil – algo move esses jovens a virem a Lisboa. Isso não pode ser defraudado nem negligenciado, pois muitos continuam a acreditar na força da mensagem que a Igreja católica tem por missão proclamar. As jornadas mundiais da juventude – criadas por João Paulo II, em 1985 – trouxeram uma nova visão de Igreja para milhões de jovens e muitos destes questionaram a sua vida, dando origem a imensas vocações sacerdotais e religiosas, naquilo que alguns designam por ‘geração JPII’, geração João Paulo II.

3. O impacto das jornadas no fnal do milénio anterior e já neste fizeram com que os lugares onde se realizaram marcassem a história de cada país e de muitos dos participantes.

Eis uma resenha dos locais, com a indicação do respetivo Papa:

- João Paulo II – Roma 1986, Buenos Aires 1987, Santiago de Compostela 1989, Czestochowa 1991, Denver 1993, Manila 1995, Paris 1997, Roma 2000, Toronto 2002;

- Bento XVI – Colónia 2005, Sydney 2008, Madrid 2011;

- Francisco – Rio de Janeiro 2013, Cracóvia 2016, Panamá 2019, Lisboa 2023.

4. Os símbolos das jornadas – a Cruz, desde 1984, e o ícone de Nossa Senhora ‘Salus Populi Romani’, desde 2003 – foram, no nosso país os sinais mais visíveis de convocação para as JMJ 2023, pois percorreram, em jeito de peregrinação, todas as dioceses e foram enchameando muitos daqueles que hão de participar na semana anterior nas dioceses, as pré-jornadas, e no tempo de reunião, de 1 a 6 de agosto. Por vezes, pareceu mais exterior do que interior o entusiasmo revelado, mas acredito, que as manifestações de fé perturbaram alguns dos mais céticos (mesmo na Igreja) para com as JMJ.

5. Tendo por tema uma frase alusiva à visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel – ‘ Maria levantou-se e partiu apressadamente’ (Lc 1,39) – podemos respigar, na oração oficial, algumas pistas daquilo que deveriam ser as lições destas jornadas, em Lisboa: ocasião de testemunho e partilha, convivência e ação de graças, procurando cada um o outro que sempre espera... para que o nosso mundo se reencontre também na fraternidade, na justiça e na paz.

6. Queira Deus que saibamos aproveitar esta oportunidade de deixarmos entrar – como dizia João XXIII, ao convocar o Concílio Vaticano, em 1959 – o vento do Espírito no mofo das nossas acomodações...



António Sílvio Couto

quinta-feira, 1 de junho de 2023

O Tejo nas JMJ 2023

 

Há cerca de um ano e meio, em conversa informal, surgiu uma ideia: e se, por ocasião, das Jornadas Mundiais da Juventude, houvesse a presença de barcos típicos da região ribeirinha do Tejo… seria uma forma de visualizar algo caraterístico da região em volta do Tejo, dando colorido e significado ao evento…sem esquecer, antes pelo contrário de lembrar, a dimensão marítima do nosso país. Teria sentido esquecer o Tejo num acontecimento que o tinha por cenário?

1. Primeiramente o assunto foi tratado no âmbito do ‘apostolado do mar’, sob a tutela do bispo D. Daniel Batalha (entretanto falecido), foi sendo trabalhado pelo grupo ‘Stella maris’ (Moita), com relações a associações marítimas de Lisboa e a temática foi ganhando corpo e sentido. Fugindo um pouco dos padrões do dito ‘apostolado do mar’ nacional, o desejo de concretizar aquela sugestão passou a ser feito pela Marinha do Tejo e a ‘Stella maris’ moitense. Têm sido meses de avanços-e-recuos, tateando a melhor solução.

2. Entretanto foram sendo conquistadas para a iniciativa as autarquias ribeirinhas, primeiro da margem sul e depois do lado norte, dando o seu contributo com os barcos típicos, podendo tornar-se aquela iniciativa uma oportunidade de mostrar o que se faz na arte decorativa e de recuperação dessas embarcações… no conjunto serão uma dezena a que se têm associado outras formas de navegação no rio.

3. Tarefa algo delicada foi a de fazer chegar às cúpulas da organização das JMJ o projeto delineado pela ‘Stella maris’ e a Marinha do Tejo. Por ocasião da Páscoa houve a primeira apresentação aos responsáveis: a iniciativa estaria enquadrada nos acontecimentos culturais – cerca de duzentos dos mais variados países – que se realizarão de 1 a 6 de agosto, na cidade de Lisboa. Numa incipiente abordagem a iniciativa poderia designar-se ‘festival marítimo’, ficaria localizado na Doca da Marinha e envolveria a presença e difusão da arte de construção naval, com artesãos ao vivo, bem como mostra de grupos etnográficos, podendo nos dias das jornadas haver passeios de peregrinos nos barcos atracados…

4. Perante a ousadia, chegou a hora de ser proposto aos promotores da iniciativa, por parte da secção artística das JMJ, a participação dos barcos naquilo que designaram de ‘procissão marítima’, que consiste em introduzir pelo rio no espaço físico das jornadas, na zona do rio Trancão, a imagem peregrina (n.º 1) de Nossa Senhora de Fátima, na tarde do sábado, dia 5 de agosto, tendo em conta que o Papa estará todo esse dia em Fátima. Os responsáveis da segurança delinearam as condições de ‘safety and security’, por forma a que a maioria dos barcos – típicos ou de trabalho – possam aceder com condições de segurança a esse momento que será certamente de grande beleza e significado…

5. Feito o percurso para chegarmos a perceber a presença de barcos típicos e outros no Tejo, por ocasião das JMJ 2023, será útil refletir sobre a necessidade de que este evento tivesse a presença dos sinais da nossa identidade nacional. Seria quase vergonhoso que estivesse ausente esta referência ao diálogo com a água, seja do mar ou dos rios. Com efeito, mais do que colocar as JMJ no Tejo, será essencial inserir o rio Tejo nas JMJ, pois, para além de ser algo natural, será uma forma de fazer presente o elemento ‘água’ na cultura, na reflexão e na vivência da ecologia integral, de que tanto reclama o Papa Francisco nos seus documentos. Por isso, é de somenos importância introduzir a imagem de Nossa Senhora no recinto das JMJ, é mais importante que isso seja feito por via marítima, pois fazer as jornadas em Lisboa é diferente de que acontecessem noutra qualquer paragem.

6. À semelhança de outras reflexões torna-se fulcral para que haja uma pastoral bem conseguida que se atenda ao espaço que em tudo acontece: comunicar na serra é diferente de fazê-lo à beira-mar… até Jesus o sabia fazer com mestria e bom proveito dos seus ouvintes, nas parábolas que nos deixou. Ainda se foi a tempo na organização das JMJ – Lisboa 2023…



António Sílvio Couto