Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 28 de maio de 2019

Sucesso do ‘banco alimentar’ denuncia conquistas do governo?

No mesmo dia em que decorreram as eleições para o parlamento europeu foi desenvolvido o projeto do ‘banco alimentar contra a fome’. Este, como de costume, tentou recolher alimentos para ajudar quase meio milhão de portugueses que passam por dificuldades de alimentação, enquanto aquele ato eleitoral queria receber os votos de mais de dez milhões de eleitores.
= Mas será que o repetido sucesso do ‘banco alimentar’ é assim um acontecimento que deixe o governo em paz e sob apaziguamento? Dizer que, quase meio milhão de famílias, recorre aos préstimos do ‘banco alimentar’ não deveria envergonhar quem se diz fazedor de sucesso e de boas contas? Para quem se diz avesso ao assistencialismo não se estarão a criar condições para a exploração em causa própria das debilidades dos mais desfavorecidos? Porque será que os programas de ‘rsi (rendimento social de inserção)’, de pagamento de desemprego e outros afins se prolongam tanto no tempo e não fazem as pessoas caminharem por si mesmas? Não haverá, em muitos dos programas de ajuda alimentar, uma espécie de menorização dos ajudados e/ou de sobranceria dos que ajudam? Até quando andaremos a prender os outros pela boca, quando devíamos fazê-los crescer pela cabeça, através da valorização educacional e cultural?
= Com quase três décadas de presença em Portugal o ‘banco alimentar contra a fome’ tem sido um razoável balão de sustentação para milhares de portugueses…tanto na época da crise, como nos dias mais recentes…apelidados de sucesso pela governança, com tiques de sucesso à mistura, sobrevoando a diminuição do desemprego e até com a promoção de figurações menos-pobres… se bem que os números digam que ainda há dois milhões de pessoas na linha da sobrevivência mínima, isto é, em risco de pobreza ou de exclusão social.
As pequenas-grandes questões de pobreza vivem ainda sob o manto do encobrimento, do disfarce, da não-assunção dos riscos e mesmo da ‘pobreza escondida’ com que tantos dos nossos contemporâneos vão adiando a sua vivência de pessoas com alguma faceta de carência, se não de elementos materiais, ao menos de componentes psicológicas e até de índole espiritual. Como escutei, um dia de Alfredo Bruto da Costa a pior desgraça é a ‘reprodução da pobreza’, tenha ela os tentáculos que possa apresentar… 
= Já o disse mais do que uma vez: se retirarem os pobres do ‘trabalho’ de tanta gente, ficarão sem emprego e talvez sem razão de ser da sua existência: quem tenta cativar os pobres para as suas causas de reivindicação, muitos dos sindicalistas – por agora acalmados com certas políticas de geringonça – que precisam de ter pobres para neles ancorarem as suas reivindicações, tantos serviços sociais – autárquicos, em regime de segurança social e até de grupos religiosos/da Igreja – que se vão promovendo à custa dos que precisam de pedirem favores, comida, roupa ou atenção…
= Quando ao menos duas vezes no ano – no final de maio e em finais de novembro – o ‘banco alimentar contra a fome’ traz solicitações de ajuda para a rua, as reações têm tanto de controversas, quanto de reveladoras do estado cultural em que nos encontramos. O lema da campanha dos últimos dias foi: ’dar um pouco mais para que falte menos’! Entrar na lógica da partilha para com os outros nem sempre se coaduna com os nossos interesses mais mínimos. A ajuda não se pode esgotar na contribuição com algum género alimentar ou de higiene, pois o quase meio milhão de instituições que auferem das ajudas não podem reduzir os seus recursos àquilo que é recolhido dessa forma audaz, voluntária e cíclica.
Muito mal vai um país – ou qualquer outra instituição – em que os pobres forem usados para a promoção de uma certa política social, explorando os mais vulneráveis com ‘festas’ de benemerência em vez da promoção, da execução e do real compromisso pela sua qualidade de vida.
Enquanto vivermos em ritmos de humanização tão discrepantes continuaremos a ver campanhas do ‘banco alimentar’ onde o presidente da república se vai promover com minutos de voluntarismo, enquanto o governo faz festa com as vitórias da subserviência e da manipulação…aqui e na Europa!     




António Sílvio Couto




segunda-feira, 27 de maio de 2019

Voto obrigatório para combater a abstenção


Depois de mais um desastre social e político com a abstenção na ordem dos 70% nas eleições para o Parlamento Europeu, urge tomar medidas que sejam eficazes e que façam da consulta eleitoral um processo democrático e não meramente alternativo ao ‘tanto-faz’ de uma imensa maioria dos portugueses… Dizem que estamos entre os quatro piores países europeus na taxa de abstenção nestas eleições. 

= Mesmo que de forma um tanto desconexa vem-me à cogitação algumas perguntas. Que leva tanta gente a não ir votar? Será acomodação, desânimo ou a mera ignorância? Que faz com que tantos troquem a praia, a distração ou o simples ‘não querer’? Não se terá dado, aos europeus em geral e aos portugueses em particular, uma Europa que lhes foi oferecida e não-conquistada? Os quase setenta anos de paz – em geral e com a exceção dos Balcãs – no continente europeu não mereciam mais respeito e participação? O (pretenso) nível de vida na Europa poderá ter continuidade, se uma longa maioria se alhear do bem comum, fechando-se nos seus particularismos? Aqueles que se empenharam em construir esta Europa Unida terão falhado nos critérios ou fomos nós que não os interiorizamos, desprezando o seu esforço? Não estaremos a proporcionar aos mais novos aquilo que não pediram, mas do qual usufruem de forma (bastante) ingrata e (quase) desresponsabilizada?  

= Diante da razia da abstenção em Portugal e não só, talvez tenha chegado o tempo de ser questionada a introdução – cá e no resto do continente europeu – do voto obrigatório, que já vigora na Bélgica, no Luxemburgo, na Bulgária, na Grécia e em Chipre… No mundo o voto é obrigatório em treze países da América Latina, em mais sete considerados países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento e ainda em Singapura e na Austrália. Na maioria dos países o voto é exercido a partir dos dezoito anos.

Nos casos do voto obrigatório estão previstas sanções. Por exemplo no Brasil – um dos países onde o voto é obrigatório – estão previstas sanções legais, tais como a impossibilidade de entrar nalgum concurso ou de tomar possa de um cargo público, não se pode inscrever nem renovar a matrícula numa faculdade pública, não pode tirar o cartão de identificação nem o passaporte e não pode ainda pedir empréstimo aos bancos públicos… A regularização passa por pagar uma multa para que possa readquirir os direitos eleitorais. 

= Agora que alguns dos partidos mais antigos caíram para menos de metade da votação anterior – sobretudo nas eleições europeias – ou vem declinando a influência social e laboral, talvez se possa colocar a urgência em debater o tema do voto obrigatório para que não haja quem reclame sem se pronunciar ou que tem os mesmos direitos dos que fazem o esforço cívico por votar de forma consciente, atuante e séria.

Defendo há muito tempo esta posição, pois não concordo com a cobardia de uns tantos/as que consideram os deveres como algo a roçar a brincadeira ou que ande a ter benesses quem não participa na decisão que toca a todos, sem qualquer distinção.

Se há momento em que todos somos iguais é na hora de votar, pois ninguém tem mais voto ou o seu tem mais valor do que o do outro, misturando-se o voto esclarecido com o voto oportunista, o voto de participação com o possível voto de protesto ou até ignorante…

Poderemos influenciar na direção do voto, mas não na sua expressão, tenha ela a causa que se lhe possa colar ou mesmo instrumentalizar…

Defendo abertamente cortes nas regalias ou até nos direitos sociais para quem não votar. Talvez, quando lhes mexerem no bolso, as pessoas acordem para esta obrigação que se deve tornar um direito substancial de quem quer viver em democracia.

Basta de andarmos a adiar uma tomada de posição que só serve aos caciques e aos que querem continuar no poder sem a mais expressiva legitimidade do voto, pois, se este for significativo, quem é escolhido terá mais convicção para fazer o que deve e não aquilo que lhe convém.

Quase cinquenta anos de democracia merecem que haja mudanças na forma de recolher a expressão do voto popular. O resto poderá tornar-se o atoleiro para onde todos caminhamos…de forma descomprometida!

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Ler nas entrelinhas e falar/escrever nas reticências


A comunicação é uma arte, que tem as suas regras, seja para quem é emissor, seja quanto ao recetor.

Saber comunicar aprende-se, exercita-se e vive-se, nas pequenas como nas grandes coisas. Mais do que a mensagem que é comunicada, é preciso entender o comunicador, pois cada um tem a sua forma e feitio de o fazer e não perceber o método pode não permitir que a mensagem não seja captada…no menor alcance da mesma.

Se há quem seja explícito naquilo que diz e no que quer dizer, há quem use do seu modo próprio – poder-se-á chamar de ‘estilo’, tanto literário como pessoal – para que aquilo que diz e o que fala seja entendível. Há, por isso, um certo jeito de exprimir as ideias, desde que estas sejam claras, corretas e precisas. Por vezes, não entendemos o que é lido ou dito, pela simples razão de que quem lê ou fala talvez não saiba o que dizer e como dizer…ao seu estilo. 

= Muitas vezes é preciso ler nas entrelinhas, isto é, por entre o que se diz e aquilo que é dado a entender, nessa imensa arte de fazer com que o leitor/ouvinte esteja atento àquilo que o comunicador nos quer dizer, fazer pensar e mesmo ‘descobrir’ por entre o que exprime. Tantas vezes é preciso estar inserido no contexto da comunicação para que aquilo que nos é dito tenha o verdadeiro efeito comunicativo.

O uso de expressões (mais ou menos) idiomáticas, de trejeitos que fazem lembrar outras situações, de exclamações de outros e trazidas para o contexto de comunicação, a alusão a processos de reflexão – mesmo por antítese – para captar a atenção dos ouvintes/leitores…fazem com que as ‘entrelinhas’ sejam, nalguns momentos comunicacionais, autênticos novos modos de construir a mesma comunicação… não disse, mas deu a entender, embora entenda não possa ser aquilo que foi dito, mas antes suscitado para vir a ser compreendido…

Ler nas entrelinhas pode tornar-se, assim, num processo comunicacional em tantos dos nossos campos de análise, onde mais do que afirmar é preciso interrogar, construir oportunidades de questionamento, estar participativo na arte de comunicar. ‘O que é que quis dizer com aquilo?’ ‘Onde é que quer chegar?’ ‘A quem se dirige esta observação?’… poderão ser algumas das observações para aprender a ler nas entrelinhas. Até o recurso a este método poderá ser exercitado para que não digam que nós dissemos, mas, ao mesmo tempo, para que se possa aprender a refletir sobre o que podemos querer dizer de forma mais ‘inteligente’… 

= Por outro lado, falar/escrever nas reticências é muito mais do que escrever com reticências. Normalmente quem usa este estilo sabe o que quer dizer, mas pretende fazer com que o leitor – como ouvinte será mais pela paragem de silêncio e de momentos interrogativos – complete a frase ou a ideia iniciada a comunicar. Podendo dar a impressão de ser um inseguro, quem usa reticências também poderá tornar-se uma espécie de provocador, que me exige estar participante para completar o que as reticências me querem dizer, mesmo sem disso me aperceber… Embora não seja recomendável o abuso das reticências, estas podem tornar-se uma forma de comunicação que prende o leitor/ouvinte, por forma a entender mais personalizadamente aquilo que me é escrito ou dito… 

= Conta Raul Brandão (in O Vale de Josafat, vol. III das Memórias do escritor): «No julgamento de Júlio de Campos, em Guimarães, [Afonso Costa] quis enfrentar-se com o cónego José Maria Gomes, que tinha fama de piadista e parecia um padre do tempo do Bocage. [Afonso Costa, político depois na 1.ª república] era advogado e o outro testemunha. Afonso Costa, a certa altura do interrogatório, espicaçou-o, dizendo:
– Aí está o senhor a dar uma no cravo e outra na ferradura...
Resposta imediata, com um sorriso do cónego vimaranense:
– É que o senhor doutor não está com o pé quieto!»

Diante de certas atitudes de tantos dos nossos intervenientes públicos – seja qual for a instância ou campo de participação – como que somos desafiados a dizer-lhes o mesmo: não deixem que se lhes dê uma no cravo e outra na ferradura, classificando sem menosprezo o animal… Leiam nas entrelinhas e percebam as…   

 

António Sílvio Couto


segunda-feira, 20 de maio de 2019

O futebol pode alavancar o país?


De entre as múltiplas declarações, por ocasião da recente conquista do campeonato nacional de futebol, destacaram-se as que foram proferidas pelo treinador vencedor, ao afirmar: ‘se vocês se unirem e tiverem a força e a exigência que têm com o futebol nos outros aspetos do nosso Portugal, da nossa economia, da nossa saúde, da nossa educação, vamos ser um país melhor’…

Eis uma altissonante declaração que devia ser colocada como pensamento nas diferentes intervenções de tantos que falam, mas não fazem; que verborreiam, mas sem conteúdo; que dizem o que não sabem e que sabem o que não dizem; que gostam de se (fazer) ouvir, mas não escutam o que não gostam; que juntam frases sem conteúdo e não dão conteúdo ao que podiam dizer nas frases… Numa palavra este ‘desconhecido’ do mundo da política pelo futebol deu lições – profundas, reais e sinceras – de política a propósito de querer falar de futebol!   

= Em tempos mais ou menos recuados – sobretudo na vigência do regime da segunda república – o futebol era como que um dos componentes do tripé nacional: Fátima, fado e futebol… Também nos tempos mais recentes os feitos do mundo do futebol de seleções e de clubes como que se tornaram tábua de salvação do marasmo nacional. Muito para além das quezílias com que somos continuamente matraqueados, temos de aproveitar momentos e declarações como as supra citadas para tentarmos perceber como podemos ser, na Europa da concorrência, algo mais do que laboratórios para ‘vender’ talentos nas habilidades da bola e para catalisarmos as energias recebidas em ordem a fazermos este país/nação mais forte, mais solidário e mais humano. 

= Independentemente da coloração clubística – bem mais profunda e transversal do que qualquer outra na nossa sociedade – pode(re)mos levar a sério o que foi dito por entre eflúvios de comemoração. É verdade: temos de ser tanto ou mais exigentes para com os outros setores da vida pública e social como somos para com o futebol nas suas paixões, gastos e discussões.

Economia, saúde e educação foram os campos que foram referidos pelo treinador vencedor. Sim, se houvesse um mínimo de intransigência nestes aspetos como quanto ao futebol, a nossa vida coletiva estaria muito mais garantida porque não permitiríamos que nos enganassem com promessas nem deixaríamos que nos fossem atirando desculpas quando as coisas não funcionam devidamente.  

= Diante do futebol-desporto temos de saber viver com essa dimensão da vida artística como se fosse uma escola de vida. De facto, o futebol como indústria tem vindo a cavar a sua autodestruição, pois é jogado mais fora do campo da prática, retirando à arte de bem-tratar a bola a componente mais lúdica e saudável. Quantos jovens são aliciados para virem a ser jogadores, como se isso fosse algo que se consegue sem trabalho, disciplina e dedicação. Talvez ainda vivamos no engano dos sucessos e não tenhamos aprendido com os erros e, sobretudo, com a aceitação das vitórias alheias. Estas fazem-nos crescer para que depois tenham respeito pelas nossas próprias conquistas.

Urge ser difundido todo o processo de construção das vitórias, particularmente, quando se alicerçam nas derrotas assumidas, honestas e construtivas. Precisamos de ser ajudados – por quem tem a experiência de conduzir outros – a sabermos distinguir entre as finalidades e os meios, pois, muitas vezes, estes subornam aquelas. No futebol como no resto da vida nem tudo vale para se ser vencedor…  

= É verdade: as lições do futebol podem alavancar o país. Eis breves conceitos que poderão ser transferidos de um para o outro: espírito de unidade ou de equipa, rumo a um objetivo comum; capacidade de escutar e de trabalhar com os outros; respeito pelos adversários para ser respeitado, tanto nas vitórias como nos insucessos; dinâmica de serviço, onde uns se ajudam aos outros e se deixam ajudar; intercomunhão e espírito de solidariedade no dia-a-dia, sobretudo quando se passa por dificuldades… Numa palavra: o país não é só futebol, mas o futebol pode moralizar, nos (seus) aspetos positivos, os meandros do país!

 

António Sílvio Couto

sábado, 18 de maio de 2019

Os outros são o nosso espelho!




Na sua sábia e apurada vivência da vida, os adágios populares podem servir-nos de alavanca de reflexão sobre aquilo que somos, o que desejamos ser ou aquilo que poderemos vir a ser.

Assim o ditado popular – ‘os outros são o nosso espelho’ ou ‘os outros são o espelho do que somos’ – como que nos poderá servir de motivo de análise para algumas das questões mais sensíveis…coletivas e pessoais. Com efeito, têm sido muitas e díspares (nalguns casos disparatadas) as reações degeneradas em catadupa sobre o modo como um tal ‘self-made man’ madeirense, que fez fortuna na África do Sul e encantou com os seus sucessos os governantes, os banqueiros e uma onda da moda nos espaços ligados à compra/venda de obras de arte de grande valor.

Uma boa parte dos reacionários – os que reagiram – ao tal senhor não conseguiram perceber que ele tipifica um tempo/época, um país/nação, um estilo/modo de estar de tantos/as portugueses/as. De facto, a forma (quase) meteórica como ele venceu cá pelas terras do continente tornou-se um caso de estudo, pois à sua sombra e à sua volta muitos subiram também… esses mesmos que se sentem incomodados por constarem das fotografias e dos vídeos com ele, atacando certos trejeitos do seu feitio como se fossem arrepios por se verem denunciados em idênticas lacunas…

Alguma comunicação social promove, incentiva e ataca o tal senhor, mas foi a mesma que o engrandeceu, beneficiou e se regalou com festas e vernissages de uma sociedade do faz-de-conta à mistura com resultados de outra dimensão não-assumida. Como é recorrente também aqui se passou de ‘bestial a besta’ num ápice, bastando, agora, que se arvorem em moralistas da chafurdice não lavada. Efetivamente, muita da comunicação social apadrinhada pelas redes sociais desempenha visivelmente a sua função de abutre banqueteando-se com os destroços ainda não incinerados…

Numa leitura ética/moral – pelo menos o que se sabe e/ou se vai dizendo – o que tem aparecido, esta figura tão malquista põe-nos a todos à radiografia do que somos ou que vamos disfarçando enquanto é possível. Eis alguns aspetos que considero poderem ser lidos e analisados:

- Sucesso antes de trabalho – esta leitura algo recorrente nos tempos mais próximos (para trás e para a frente) parece que cada português está fadado para ser uma reprodução do tal senhor de sucesso, sem grande esforço e, se possível, sem trabalho. Ora só no dicionário é que ‘sucesso’ aparece antes de ‘trabalho’…

- Reinar quanto baste – nos anseios de muitos de nós, portugueses, é preferível aproveitar o que dá enquanto dura, antes que se esgote a fonte do que prevenir, poupando, para quando possa vir a faltar. O consumismo tornou-se a nova e mais seguida religião…popular.

- Chama-lhe antes de que te chamem – como em certas discussões de bairro é preferível colocar em causa a honorabilidade dos outros, antes que reparem na nossa desfaçatez. O anátema lançado sobre o tal senhor como que parece exorcizar muitos dos nossos fantasmas de incongruência e de mentira encoberta…  

= Este senhor é uma espécie de bode expiatório de tantos dos erros de políticos, de jornalistas, de autarcas, de governantes, de fazedores de opinião, de homens/mulheres da rua, pois enquanto olham para ele e invetivam o seu comportamento poderão corrigir as manhas de tantas situações graves e gravosas. Não basta exigir justiça sobre um caso, quando tantos outros – mais culposos e culpáveis – parecem continuar impunes, senão no juízo ao menos no julgamento no lugar correto.

Ao espelho daquilo que podemos ver, exige-se-nos que aprendamos as lições daquilo em que podemos ter prevaricado. Quantos ‘berardos’ se pavoneiam nos carros de alta-cilindrada, se banqueteiam nos restaurantes caros, fazem compras nos espaços mais exotéricos, emitem comentários pelos posts mais efusivos ou se escondem até que os descubram envergonhados das façanhas menos recomendáveis!...

Deixamos um pensamento do Evangelho: cuidai de conseguir amigos com o vil dinheiro para que eles vos acolham na hora da dificuldade… Todos temos telhados de vidro bem mais quebráveis e esburacados…do que pensamos.   

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Iniciativa privada gera riqueza


‘É a iniciativa privada quem cria riqueza em Portugal. São os empresários privados os fatores de crescimento e de justiça social. São eles o fator decisivo do progresso do país, é assim e será sempre assim’.

Esta afirmação foi proferida pelo Presidente da República por ocasião da condecoração de uma associação empresarial a celebrar cento e setenta anos de trabalho e dedicação.

Vivendo numa Europa onde se tentam impor os interesses das várias nações, este rasgo do PR pode deixar amargos de consciência a tantos dos intervenientes na distribuição dos dividendos, que nem sempre são ou foram resultado do reconhecimento da iniciativa privada.  

= Bastará olhar para o ar sobranceiro e minimamente totalitário com que certas forças da governança – prestes a expirar, assim o queremos e desejamos – falam e atuam, amesquinhando tudo o que possa ser resultado da iniciativa privada. Campos como a saúde, a educação ou mesmo a cultura estão reféns das tomadas de posição anti-privados. A imposição dos tentáculos estatais percorrem muitos dos âmbitos de intervenção nas políticas atuais, pois a sanha persecutória dos trotskistas tem vindo a fazer as suas vítimas, já na linha do anti-particular da época do período revolucionário de 75.

- Para quando se fará a criminalização das forças que destruíram os milhares de postos de trabalho em terras conquistadas pelos símbolos marxistas e seus correligionários?

- Para quando se dará voz aos explorados pelas forças (ditas) defensoras das ‘classes operárias’, mas que as fizeram desaparecer sem rasto nem feitio?

- Para quando a libertação da ditadura das autarquias subjugadas pelas conveniências dos eleitos, mas sem capacidade de sobreviverem, se a torneira partidária for fechada?

- Quem são esses tais autoapelidados de ‘patriotas’, que se deixam vender por protagonismos baratos, em saldo e sem nexo, mesmo que servem mais a ideologia do que os interesses nacionais? 

= Pior do que a nacionalização dos ‘meios de produção’, para usarmos a linguagem de tantos do anti-privado, é a consonância negativa em torno de questões culturais, onde só vale quem se enquadra na bitola do regime, ao qual convencionaram chamar de democrático, mas que é mais autoritário do que qualquer outra ditadura e que faz do menor-denominador-comum o critério para ser bem ou mal aceite, popular ou rejeitado, de interesse ou mesmo manipulado… A comunicação social é de entre tantos artífices um dos melhores veículos para fazer proliferar a mediania, que é uma outra forma de dizer mediocridade!

Não tivesse proferida em direto a afirmação supracitada do PR e aquela frase, algo essencial neste tempo de reversões em favor das nacionalizações, teria ficado esquecida, como pensamento não expresso ou até como intenção de menor apreço pelo investimento da iniciativa privada… 

= Se atendermos aos números podemos ter outra perspetiva do problema da contraposição entre funcionários públicos e trabalhadores privados. Têm como emprego nas administrações públicas (central, regional, local e fundos de segurança): 683.459 pessoas, sendo que dois terços destes o fazem na administração central e em percentagem da população ativa ocupam 13,1%... Teremos, então, que 89,9% não é atingida, beneficiada nem reivindica o que uma imensa minoria aufere…

Pior quem suporta esta clique da nossa população são os privados com os seus impostos e nem sempre remunerados em razão da riqueza que criam, geram e fazem crescer. Por isso, ver certas intervenções faz com que pensemos, se os funcionários estatais são tão bons ‘trabalhadores’, porque andam ao sabor da corrente que lhes advém de quem faz com que os impostos sejam a fonte de rendimento de tantos dos beneficiados…

Quem tem esticado a corda para o lado dos funcionários públicos vai ter de se explicar, muito em breve, sobre a rutura de meios para que possam ser suportadas tantas benesses a quem não produz em conformidade com aquilo que recebe. De facto, os baixos salários servem para manter a penumbra da miséria, mas os que ultrapassam as possibilidades fazem crer que a crise vai voltar sem dó nem piedade…para todos!

  

António Sílvio Couto


terça-feira, 14 de maio de 2019

Quem ‘suporta’ quem?



Num destes dias, após acirrado debate parlamentar, disse um dos intervenientes: o partido ‘A’ não suporta o partido ’B’!

Por entre surpresa e ironia – ainda no ato – foram surgindo as reações…mais ou menos questionáveis e/ou aceitáveis. Que quer dizer ‘suportar’ num contexto destes? Será de exclusão e corte de relações ou de não-aceitação de acordos e concordância? Poderá ser ainda entendido ‘suportar’ como articulação entre os intervenientes ou pelo não-suporte ver nisso algo que rejeita colaboração e participação nas iniciativas alheias? 

= Se consultarmos os vários dicionários veremos como definição – nos diversos âmbitos e circunstâncias – de ‘suportar’: ter sobre si, aguentar, ser a base ou o suporte, suster o peso, permitir, tolerar, sofrer, estar à prova…resistir, ter capacidade, arcar com…

Misturando as diferentes vertentes poderemos encontrar em ‘suportar’ aspetos do foro físico, na dimensão psicológica e mesmo na referência moral e espiritual.

É diante desta multiplicidade de recursos da palavra ‘suportar’ que desejamos fazer esta breve reflexão. 

= Na convivência das pessoas umas com as outras – seja qual for o alcance ou mesmo o interesse – podemos ir descobrindo que nem sempre é fácil essa articulação, dado que muitos/as dos intervenientes atuam de forma preconceituosa, defeituosa ou mesmo insidiosa; explicando: quantas vezes as pessoas se toleram mais do que se aceitam como cada um é e não como se desejaria que fosse; quantas vezes corremos o risco de olhar, avaliar e julgar os outros a partir do nosso ‘eu’ marcado por experiências negativas e/ou traumatizantes…há mais ou menos tempo; quantas vezes nos podemos servir dos outros para deles tirarmos proveito, seja de promoção e de oportunismo, seja de alguma forma de egoísmo mais ou menos explícito…

Diante destes aspetos ‘suportar’ poderá parecer mais um jeito de enganar do que de conviver, de usar os outros do que com eles confraternizar, de torná-los mais descartáveis do que possíveis ‘amigos’… 

= Na caraterização dos nossos dias – que não são piores nem melhores do que os do passado – podemos ainda encontrar situações e circunstâncias, pessoas e associações que tentam servir de suporte aos mais fragilizados, não só cuidando deles como ajudando a que outros possam fazer esse serviço de cuidadores – quantas vezes sem reconhecimento merecido – nas oportunidades de fragilização. As pontas da vida humana – infância e velhice – são dos momentos mais necessitados de suporte, desde a família até às dificuldades mais ou menos percetíveis. Certas afetações – mesmo económicas – não conseguem colmatar as debilidades nem as agruras de tantos dos ‘nossos’ grandes-idosos carentes de atenção, de carinho e de presença… Isso é, positiva e ativamente, suportar, semeando hoje para poder vir a colher amanhã.  

= Por último, uma abordagem sucinta sobre alguns conceitos bíblicos onde o conceito ‘suportar’ e as atitudes dele decorrente estão presentes.

Na abordagem que São Paulo faz ao tema da caridade, na 1.ª carta aos Coríntios, capítulo 13, diz-se no versículo 7: ‘tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta’…numa profunda e simples declaração a que a caridade tudo suporta dos outros para consigo e de si para com os outros…sendo a referência com que todos podem contar, sem nunca se esquivar ao compromisso e à confiança.
Noutro texto Paulo, na linha de viver a unidade entre os discípulos de Jesus, refere: ‘exorto-vos a que procedais de um modo digno do chamamento que recebestes; com toda a humildade e mansidão, com paciência: suportai-vos uns aos outros no amor, esforçando-vos por manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz? (Ef 4, 1-3). Por seu turno, na carta aos Colossenses 3,13 diz-se: ‘suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro’.

Quer dizer, então, que ‘suportar’ implica amor, perdão e unidade para com os outros e mutuamente. De quantas e tão variadas formas poderemos suportar mais do que ser suportados…

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Chantagem – arma, recurso ou vitória?


Por estes dias vimos, cá pelas terras lusas, certos recursos ‘políticos’ dignos de outras paragens: partindo de suposições nas causas, houve quem criasse cenários de ‘crise’ política, em ordem a fazer valer outras motivações que estariam fora do alcance do público em geral.

De uma reunião à maneira de trabalho de grupos de adolescentes – tais foram as imagens veiculadas, dumas tantas deputadas (eles não figuravam) de quadrantes diversificados – surgiu um toque-a-rebate dos partidos, pois havia quem entrasse nas contas do governo e fosse baralhar o ‘bom’ desempenho orçamental… O que vimos foi um toldar generalizado sobre as consequências de vir a ser aprovada a pretensão de um setor profissional, os professores. Os números de gastos não tinham efeito imediato, mas o alarido foi assaz complexo e um pouco mal explicado.

A espada de Dâmocles da instabilidade pendeu sobre o país, agora que tudo parecia quase uma ‘arca-de-Noé’ em harmonia entre contrários. As interpretações foram, no mínimo, ideológicas entre os favorecidos nas reversões, desde 2015, e os ainda não contemplados, embora do lado da mesma fatia dos votantes e/ou correligionários.

Quando era posta a ter de decidir pela primeira vez, a governança entrou em curto-circuito de elevada rotação. Para quem contestou, há quatro anos atrás, que o responsável do partido tinha ganho por ‘poucochinho’, agora parece que andará no fio da vitória pírrica, pois poderá ganhar sem descolar dos opositores… A hipótese de engendrar uma certa chantagem tinha tentáculos para se mover – qual centopeia de interesses não disfarçados – e bastou um pequeno sinal para que o processo fosse desencadeado.

Ora os servidores oficiais – uma certa comunicação social próxima no espetro partidário e por outras encomendas desembrulhadas – encheram os espaços de comentário, de influência e mesmo de manipulação. Como de costume quem possa opinar de forma discordante dessa oficial já não tem tempo de antena e nem sequer pode exprimir o seu pensamento, perante os democratas de pensamento único, unificado e uniformizado… O recurso à chantagem apareceu sem peias nem rodeios.

Cada vez mais se pode perceber que o ‘delito de opinião’ é a nova forma de censura em tantos dos espaços noticiosos, nas redes (ditas) sociais e mesmo nas interpretações mais ou menos noticiosas. Quando se considerava que a chantagem podia ser uma vertente de vitória poderemos ser confrontados com novas formas de sindicalismo – mais de noventa por cento do mais recente já está fora dos espartilhos das centrais sindicais – e a contestação escapa aos circuitos conhecidos. Concomitantemente vemos que há setores com excesso de ‘representantes’ sindicais, nalguns casos, tirados os dirigentes, não há mais ninguém. Noutras circunstâncias vemos que certos bem-falantes já não exercem a profissão, que dizem representar, há dezenas de anos. Muitos outros – mesmo entre os mais recentes – porque se tornaram mais visíveis, veem escarafunchada a vida privada, numa tentativa de desacreditar aquilo que pretendam reivindicar…

Contrariamente àquilo que disseram alguns comentadeiros: não vale tudo a quem governa e tão pouco durará a mentira que tentam impingir aos eleitores e cidadãos. Quem usa de chantagem para tentar vencer, não merece a mínima consideração nem respeito. Quem usa a posição de privilégio nas informações de que dispõe, não merece qualquer confiança agora nem no futuro. Quem não respeita os opositores, não merece que seja tido como pessoa de bem, antes pode (e deve) ser tido como um energúmeno de mau caráter, má formação cívica e, no mínimo, de deficiente conduta democrática…

A chantagem costuma ser a arma dos ditadores, no terceiro-mundo como noutro lugar qualquer!    

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Igreja evangelizada ou sacramentada?


Em certos momentos da nossa condição de Igreja peregrina sobre esta terra ouve-se esta tentativa de distinção: Igreja evangelizada ou Igreja sacramentada, como se uma e outra se excluíssem ou fossem diametralmente opostas.
Por ‘Igreja sacramentada’ entende-se, descritivamente, algo que foi acontecendo em várias etapas da condução da Igreja, isto é, foi-se dando os sacramentos – sobretudo os da iniciação: batismo, confirmação e eucaristia – sem ter havido um processo de preparação mínimo. Ora, desta forma assim descomprometida pela negativa foi-se caindo na criação duma Igreja – paróquias, assembleias, grupos ou comunidades – menos bem preparada e consciente daquilo que se exigiria…suficientemente noutras ocasiões.
Por isso, se faz o contraste com ‘Igreja evangelizada’, isto é, aquela outra Igreja – nas suas diferentes formas de presença – onde foram dados os passos necessários, capazes e sequentes de preparação dos diversos sacramentos, fazendo destes etapas de caminhada e não tanto fatores de festa, mas vivências da fé, que se pretende amadurecida, esclarecida e comprometida em Igreja, como Igreja e para a Igreja.
À fase da ‘Igreja sacramentada’ houve quem a designasse como ‘cristandade’ numa espécie de sociedade cristã, senão nos conteúdos ao menos na forma. Por seu turno, na ‘Igreja evangelizada’ procura-se que haja (ou possa haver) sugestões de caminhada com elementos claros, sérios e sensatos para a progressão de cada pessoa na comunidade onde se insere, caminha e se compromete na vida e com vida.
Digamos que, na ‘Igreja evangelizada’ se pretende gerar e não gerir cristãos que participam e não que assistem, tantos aos ritos como às fases de vivência. Por outro lado, na ‘Igreja sacramentada’ valoriza-se mais o ritual, a tradição (no sentido negativo e meramente humano) e a (possível) rotina, onde os diversos sinais da fé nem sempre têm a expressão pessoal mais adequada e sincera.
No entanto, temos de ir convivendo com estas duas ‘Igrejas’, pois uma não exclui a outra, mas de uma – da meramente sacramentada – temos de ir passando à outra – a pretensamente evangelizada – criando condições para que a celebração dos sacramentos seja feita num espírito de comunhão e não dalguma ignorância sem nexo.
Em que fase acho que está a minha paróquia? Que devo fazer, eu primeiramente, para mudar e me converter? Não depende só dos outros, tem começar por mim, já…

De facto, nesta época do ano litúrgico vemos como que uma etapa de ‘finalização’ de alguns percursos na catequese – termo abusivo aplicado a crianças em idade escolar – de infância e de adolescência: são as primeiras comunhões, nalguns lugares a dita profissão de fé e mesmo o crisma. Ora nenhum destes momentos religiosos poderá ser considerado um momento de finalização, quanto muito etapas de um percurso em evolução.

Se continuarmos a fazer destes episódios de vida religiosa das crianças/adolescentes e das famílias aquilo que muitas vezes é ou se reveste, estaremos a dar continuidade a uma igreja sacramentada não-evangelizada. Restringir esses momentos só para quando estiverem todos bem preparados, isto é, instruídos mas talvez não-evangelizados, poderá ser um comprar de conflitos com uma boa maioria de católicos-praticantes um tanto ignorantes… Talvez se devam aproveitar esses momentos familiares, sociais, cultuais e mesmo culturais para lançar desafios sobre a necessidade de que os pais possam acompanhar os filhos na sua evolução religiosa, propondo àqueles oportunidades de se valorizarem cultural e cristãmente. Há projetos que já conferem alguns resultados, como o ‘curso Alpha’, a catequese familiar, as ‘células paroquiais de evangelização’ e tantas outras sugestões que fazem os adultos reaprenderem a saber estar em Igreja e não a usufruirem das coisas da igreja como se disso fossem dignos e consciencializados frequentadores.

Se em certas regiões já se deram conta do desfazamento entre o que se faz e aquilo que se sabe, noutras dá a impressão que se caminha sem sobressalto para o descalabro total, não se apercebendo dos riscos que correm só porque as igrejas (espaços litúrgicos e de festas) ainda têm bastante gente, embora desmotivada, tradicional e quase rotineira…

É tempo de acordar e de fazer escolhas…para que daqui a cinquenta anos ainda haja fé nas nossas terras e ela seja celebrada por mais velhos e por mais novos. Semeemos já!    

  

António Sílvio Couto

domingo, 5 de maio de 2019

Democratas de pensamento único


Por vezes as pessoas como que se atraiçoam na desconexão entre o que dizem e aquilo que fazem ou, pior, entre o que pensam e o modo como o executam. Isso é tanto mais palpável e, irremediavelmente, visível, quando se apregoam de ‘democratas’, mas, na prática, só aceitam aquilo que eles mesmos dizem ou o modo como os ‘seus’ pensam, fazem ou se comportam.

Não será preciso ser exaustivo para vermos nas lides do dia-a-dia tanta gente que se autodefine como ‘democrata’ – deveria sê-lo nas pequenas como nas grandes coisas – mas que depois se torna implacável para com quem pense, divirja ou não concorde com a sua visão das coisas, a perspetiva de entendimento ou mesmo a forma de execução de algo, que, sendo diverso, com dificuldade terá unanimidade de ser visto, olhado ou observado. 

= Tudo isto tem vindo a piorar nos diversos campos de intervenção das pessoas, manifestando-se em múltiplos indícios de que algo não foi bem resolvido, quando for preciso saber confrontar-se com opiniões, visões ou perspetivas diferentes, opostas ou divergentes. O nível de crispação com que certas pessoas falam com os outros denuncia que algo está mal, pois não se pode admitir que um confronto de ideias ou de opiniões se transforme numa verborreia tal que ninguém se entende, se ouve e tão pouco se escuta. Por vezes certos programas televisivos transformaram-se em autênticas algazarras e peixeiradas, em que a mais desconexa feira se parecerá, por comparação, um velório em maré de surpresa da morte do defunto… Isto tudo vem fazendo ‘escola’, sobretudo a partir do exemplo confrangedor do parlamento, onde as pessoas se querem fazer ouvir, mas não se sabem escutar; se querem impor aos outros, mas não se permitem sequer discordar com o mínimo de educação; pretendem sobrepor aos outros o que dizem, mas confundem, em muitas das situações, o falar com berrar ou ainda o discursar com ofender…mas quase nunca se conjuga o verbo dialogar em nenhum dos tempos verbais nem nas formas possíveis. 

= A descoberta mais ‘admirável’ tem sido a de que muitas das forças votadas nas eleições – tendo em conta sobretudo as que ascendem ao parlamento – usam estratégias absolutamente inexplicáveis nas lides com os outros e o resto da população: diante do arranjo conseguido para a governança de 2015 até agora, quem está a mandar, isto é, no poder, acha-se no direito de catalogar quem não faça parte do seu arco de influência, gerando reversões de medidas mais ou menos populares – fogem da escaldadiça designação de ‘populistas’, mas é isso que são, de verdade – e gerindo soluções em que tenham o máximo a ganhar e o mínimo a perder… Mas se a coisa não corre de feição escondem o brinquedo ou fazem birra porque o bonequinho lhes pode ser retirado…a curto ou a médio prazo.

Por exemplo: para fabricar a ‘geringonça’ o parlamento foi o palco – mesmo andando pelos subterrâneos – para celebrar a festança, mas se o parlamento se torna agora ringue de combate – sim a luta é de todas as artes e demais agressividades – já não tem a mesma credibilidade… pelo menos enquanto não for tão favorável como tem sido.

Estes democratas de pensamento único não gostam quase nada nem em coisa nenhuma de serem contrariados e tão pouco que usem para com eles alguns dos sortilégios que eles usaram contra os opositores… São democratas de memória curta e de comportamento cívico ainda mais encurtado! 

= Enquadrados pelas competições eleitorais que se avizinham – umas já fixadas e outras em possível antecipação – vamos ter de aprender a lidar com tantos pequenos ditadores que pululam em muitos desses democratas de pensamento único. De entre as caraterísticas menos apreciáveis nesses democratas de pensamento único destaca-se a incapacidade de se colocarem no lugar dos outros, sem perceberem que nada tem uma só visão e se esta exclusividade for acentuada torna-se uma espécie de radicalismo, que tão bem os qualifica. Seja qual for o que o futuro nos reserva, pelos sinais do passado e do presente, podemos, desde já, considerar que o nosso país está prenhe de ditadores, onde a valor da ideologia se sobrepõe ao respeito pelas pessoas. Assim, não, obrigado!  

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Meandros dum rótulo maldito


Tem vindo a crescer, duma forma concertada e um tanto silenciosa, mas suficientemente crescente para que não se veja, a designação de ‘extrema-direita’, aplicada ao mundo das ideias (políticas ou culturais), aduzindo-lhe ainda o epíteto de ‘populismo’ e um sem-número de adjetivos qualificativos na forma exagerada.

Mas o que é que pode caraterizar alguém para ser considerado de ‘extrema-direita’? Haverá uma definição/descritiva ou antes uma discrição definitória? Depois da falência dos regimes comunistas – com a queda do ‘muro de Berlim’, em 1989 – houve tempo para uma redefinição dos termos ou antes foram colocados outros por contraste e de forma acrítica? Não será que a apelidada ‘extrema-direita’ se pode compreender melhor se atendemos aos ‘ideais’ da considerada ‘extrema-esquerda’? Não será que, na maior parte dos casos, os extremos se tocam pelo contraste e fazem-se explicar pelo inverso das posições? Quando alguém se arroga contra a ‘extrema-direita’ não estará, porventura, a encobrir outros fatores que motivam ser de ‘extrema-esquerda’? Não haverá demasiada conciliação em apelidar de ‘extrema-direita’ quem não se assume em ser de ‘extrema-esquerda’? As pretensas armas de um lado e do outro não são demasiado iguais para que se possa usar algo de arremesso contra quem não faz parte da ‘nomenclatura’ social reinante? 

= Ora, ao consultarmos a wikipédia sobre o assunto podemos encontrar as linhas-gerais disso a que apelidam de ‘extrema-direita’: «A extrema-direita (também conhecida como ultra-direita ou direita radical) refere-se, dentro do conceito da existência de uma esquerda e direita, no espectro ideológico. A política de extrema direita envolve frequentemente um foco na tradição, real ou imaginada, em oposição às políticas e costumes que são considerados como reflexo do modernismo. Muitas ideologias de extrema-direita têm desprezo ou um desdém pelo igualitarismo, mesmo que nem sempre expressem apoio explícito à hierarquia social, elementos de conservadorismo social e oposição à maioria das formas de liberalismo e socialismo. Alguns grupos apoiam uma forte ou completa estratificação social e a supremacia de certos indivíduos ou grupos considerados naturalmente superiores». 

= Tentemos descortinar linhas-mestras sobre a possível ‘extrema-direita’: aceitação, difusão e vivência na linha da ideologia de género; defesa de uma sobreposição das iniciativas estatais aos princípios de iniciativa privada, tanto na economia, como na educação, na saúde e mesmo na visão cultural; colagem de comportamentos morais (vistos como moralizantes com sabor a religião) para com certos critérios éticos, sobretudo se a pessoa for valendo cada vez menos…na linha da produção; exaltação de tudo e o resto que possa parecer ecologista com a marca do holismo da ‘nova era’; escarafunchar (agora, antes e depois) aquilo que possa tornar mais vulnerável quem se oponha aos intentos de salvaguarda de conceitos e de vivências como país, nação ou cultura com valores que possam ainda cheirar a cristão…

Dá a impressão de que, quem falar de temas como a família (no sentido judaico-cristão), a pátria, a concórdia entre pessoas e povos ou possa ter uma opinião que destoe da maioria em regime de pensamento ‘progressista’, é candidato a ser rotulado de ‘extrema-direita’ ou apelidado de populista, com as consequências que advêm de estar sob a mira de certos polícias sociais de ‘moralidade’ a seu gosto… 

= De entre os difusores da mentalidade, que se apregoa de superior para submeter os demais pelo silêncio, o medo ou o constrangimento social, encontramos a comunicação social, que bem e depressa rotula uns tantos de ‘extrema-direita’, se não se enquadrarem na grelha com que veem, leem ou julgam a ‘sua’ sociedade’. Nalguns casos bastará que falhe um dos parâmetros com que apreciam os acontecimentos para fazerem dum simples episódio uma espécie de ‘facto’ de ‘extrema-direita’… Não isso que foi feito no Brasil, nas recentes eleições presidenciais? Não foi também essa a técnica para classificar algumas forças em Espanha? Não é esse o trejeito subtil, capcioso e incisivo com que agrupam os candidatos ao Parlamento Europeu?

O que me confunde é que se tentem limpar façanhas de certa ‘extrema-esquerda’ – na Europa e fora dela – em exercício ou no passado. Não há direito a ser faccioso nem a impor uma verdade tão mentirosa…

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Mãe – dom, tarefa ou mistério?


Quem não se lembra duns versinhos simples que diziam: ‘com três letras apenas se escreve a palavra mãe, mas é o maior nome que o mundo têm’.

Talvez não sejam palavras muito elaboradas e tão assaz poéticas, mas contêm um significado bem mais abrangente daquela que é a mais profunda das realidades deste mundo: mãe.

Ora, sobre este tema poder-se-á escrever muito elogioso e maldizente, à mistura com lições e outros tantos conselhos que já não pegam. Pela nossa parte vamos tentar abordar a questão em três aspetos: mãe como dom (maternidade), mãe como tarefa (muito mais do que doméstica), mas sobretudo mãe como mistério…de Deus para nós, connosco e em nós, no sentido divinizante desta condição que Deus concedeu, por excelência, à mulher.  

* Dom da maternidade

Segundo números mais especulativos do que confirmados haverá, em Portugal, 15% de casais inférteis, tendo em conta, especialmente, a parte feminina. Não entraremos em esmiuçar as causas e tão pouco a sua evolução crescente na população. Ficamo-nos pela perspetiva de que ‘ser mãe’ é um dom que nunca será totalmente compreendido por mais explicações que se pretendam apresentar. Dá a impressão que o nível de uma sociedade se pode medir pela forma como trata a maternidade, criando condições, cuidando da sua vivência e ajudando com meios (psicológicos, económico-financeiros, educacionais-culturais entre outros) a que a ninguém sejam colocados obstáculos à concretização desta faceta da mulher.

Por contrassenso temos visto o recurso ao aborto – sob o eufemismo de ‘interrupção voluntária da gravidez’, pois ao interromper não se retoma mais o que foi cortado! – como método de coação à maternidade da mulher. Isto é, por um lado há quem anseie ter filhos, concretizando o desejo da maternidade e por outro como que se incentiva a que não os tenham como forma de libertação de algo que só à mulher foi dado viver… Por favor escolham: pela vida ou contra ela! Não podemos lançar as pessoas no labirinto do ‘inverno demográfico’ e ter condições de sobrevivência de muitas das estruturas sociais que dependem do rejuvenescimento da população… 

* Ser mãe – tarefa nunca completa

Atendendo à evolução da inserção da mulher no mundo do trabalho, a tarefa em ser mãe foi sendo revista, colocando desafios a que a mãe possa estar mais próxima dos filhos/as, particularmente nos primeiros tempos de vida. 

Embora tenham surgido respostas sociais para a ausência da mãe em casa, esta continua a ser a referência da família naquilo que ao acompanhamento dos filhos tem precedência.

A mãe continua a ser uma sacrificada naquilo que às suas tarefas respeita, acumulando, na maior dos casos, o trabalho em casa com o emprego… De pouco adiantarão certas medidas envergonhadas, se não se tiver em conta o grande ‘trabalho’ – mesmo sem remuneração – que esse de ser mãe a duzentos por cento! 

* O mistério de ser mãe

Não há dúvida que Deus concedeu à mulher algo que só ela pode manifestar de Deus como mãe: a possibilidade de participar nesse mistério e, por conseguinte, de nos mostrar que Deus é pai e mãe de forma grandiosa, sublime e simples. Deste modo tudo quanto se faça – e muito tem sido feito nos tempos mais recentes – para ofender esta vertente da mulher será uma ofensa a Deus, ao seu poder e mesmo à sua manifestação entre os humanos.

Que não tentem matar no coração das mães a dádiva divina de ser mistério de Deus!

Que as mães sejam sempre e só santuários da vida!

Que sejamos dignos das mães que temos e de tantas que sofrem por sê-lo de verdade!

Que tenhamos mães físico/biológicas/psicológicas, mas sobretudo mães espirituais!

Obrigado a todas as mães, mesmo às que já partiram do nosso convívio humano visível!

  

António Sílvio Couto