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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Décadas e contraciclos…na política portuguesa

 


Não será difícil de resumir a nossa vida política nacional – depois da revolução de 25 de abril – à configuração das décadas na Presidência da República e dos contraciclos governamentais na relação entre os ocupantes do Palácio de Belém e a residência de São Bento.

Em quase cinquenta anos de ‘democracia’ tivemos quatro presidentes eleitos, em dois mandatos cada um, e o quinto parece estar prestes a iniciar o segundo mandato, após reeleição. Tirado o primeiro dos eleitos que veio da via militar, os outros têm saído dos dois maiores partidos da nossa (dita) ‘democracia’: dez anos com dois procedentes da área socialista e depois outros dois conotados com a social-democracia…à nossa maneira.  

Numa análise mais ou menos objetiva poderemos considerar que o eleitorado português tem sabido conciliar um ditado basicamente correto: ‘não colocar os ovos todos no mesmo cesto’, isto é, a cor ideológica não ser a mesma na presidência e no governo…com breves exceções assim tem acontecido.

Vejamos o quadro, excluindo o tempo de presidência do militar (1976, eleição, 1980, reeleição), os dados indicam-nos (sobretudo tendo em conta o início do mandato):

* Mário Soares, eleito a primeira vez em 1986, era primeiro-ministro Cavaco Silva, que ocupava o posto também à data da reeleição, em 1991;

* Jorge Sampaio, escolhido a primeira vez em 1996, tinha, em São Bento, António Guterres, que continuava no lugar à data da reeleição, em 2001;

* Aníbal Cavaco Silva, eleito em 2006, era primeiro-ministro José Sócrates, que continuava em São Bento em 2011, na reeleição;

* Marcelo Rebelo de Sousa, eleito em 2016, encontrou como primeiro-ministro, António Costa e, se for reeleito no final deste mês de janeiro, continuará a tê-lo em São Bento.

Em resumo: à exceção do tempo de Jorge Sampaio-António Guterres, os presidentes eleitos tiveram como interlocutores no governo, à data das eleições, figuras de cor diversa da sua, se bem que, tanto Sampaio como Cavaco pouco tempo depois de chegarem a Belém tiveram mudanças: Sampaio com Durão Barroso, em 2002 e Cavaco com Passos Coelho, em 2011…mas sempre em tempo de segundo mandato.

 = Por entre tantas e tão díspares situações socioeconómicas, politico-financeiras, vivências culturais e históricas – neste tempo decorrido tivemos: a adesão à CEE, em 1986; a queda do muro de Berlim, em 1989; a independência de Timor-Leste, em 1999; a entrega de Macau à China, em 2001; o europeu de futebol, em Portugal, em 2004; a crise do sub-prime, em 2007 e vinda da troika para recuperar o país endividado, de 2011 a 2014; a solução da geringonça no governo, em 2015; a vitória no europeu de futebol, em 2016; os fogos florestais que mataram dezenas de pessoas, em 2017… e batemos de frente com a pandemia do ‘covid-19’, em 2020…

Seremos, como dizia o tal general romano sobre este povo nas franjas da Europa: um povo que não sabe nem se deixa governar? Não teremos sabido menos valorizar o que somos e mais o que de nos dizemos de mal? Depois das grandes figuras da política nacional – de que os Presidentes da República e os primeiros-ministros podem ser exemplo pela positiva – haverá, nas gerações mais jovens, quem deseje servir e não meramente servir-se da vida politica? A avaliarmos pelos cinco presidentes e os vinte e dois governos constitucionais, em democracia, não teremos vitalidade suficiente para termos futuro? Os derrotistas e os cobardes terão ainda lugar?

 = Deixo uma citação de um documento recente da Conferência Episcopal Portuguesa: «Sem a escuta atenta dos jovens, sem a sua visão da Igreja e do mundo, não haverá adequada renovação e conversão pastoral [acrescento: política]. O domínio do digital dá-lhes uma forma nova de ver a realidade. Além disso, são peritos na abertura à novidade, ao diferente, às pessoas e aos povos. Com eles a fraternidade é mais possível. Nasceram já numa cultura de grandes preocupações ambientais e defesa da natureza» – Desafios pastorais da pandemia à Igreja em Portugal, n.º 50.   

 

António Sílvio Couto

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