Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 29 de junho de 2017

De regresso ao tempo do quasi-quase?


Depois duns tempos de sucesso em várias áreas – sobretudo no segundo semestre do ano passado e no primeiro semestre deste – parece que estamos a regressar ao tempo do quasi-quase: ficamos à porta da vitória, mas outros se anteciparam; outros conseguiram e nós fracassámos; outros subiram bastante e nós só andámos uns degraus... há os que fazem a festa e nós limitamo-nos a lacrimejar!

Se tem havido sucessos que representam serem resultado de trabalho, outros há que denotam mais habilidade – alguns dirão esperteza – e uma certa capacidade de superação, mesmo que à custa do bom desenrascanço tão típico português.

Esta vaga de (novos) insucessos e de desastres não pode ser entendida como a outra faceta daquilo que já foram momentos de júbilo nacional ou sectorial. Talvez o problema é que não estejamos preparados para uma e outra das situações: nas vitórias achamo-nos os maiores e nas derrotas consideramo-nos os mais desafortunados. É um facto: falta-nos equilíbrio emocional e psicológico tanto para gerir aquilo que corre bem como para digerir o que corre mal. 

= O que é mais aflitivo em tantos destes momentos é a ausência de pessoas (líderes) que sejam capazes de guiar o resto do povo, que, muitas vezes, se mostra sem capacidade de discernir o que de mais significativo comportam as vitórias coletivas e/ou associativas, tal como de perscrutar o alcance mais profundo das situações de provação...na medida em que os insucessos revelem mais do que as circunstâncias em que se dão e as conquistas muito mais do que o bom desempenho de superação...

Tudo isto é ainda mais agravado quando vemos desaparecerem do convívio dos vivos figuras marcantes do nosso ‘eu coletivo’, como por exemplo Helmut Kohl, o pai da unificação alemã e um dos pilares da construção da União Europeia nos após-queda do muro de Berlim. Outros da sua época têm vindo a desaparecer sem que, nos respetivos países, surjam novos intérpretes da história na Europa e no mundo. Com efeito, a crise de liderança é cada vez mais visível e de atroz complexidade, pois o que vemos surgir são pequenos ditadores aureolados – para já! – de democratas, como na situação francesa, onde um tal Macron destruiu tudo à sua volta, tentando fazer da sua personalidade uma espécie de partido à base dos cacos doutros que, entretanto, foram reduzidos à insignificância eleitoral... o que não quer dizer social! 

= Na nossa condição nacional o que temos tido, até agora, são uns meninos feitos nas jotas partidárias que vão suplantando outros com idênticas intenções, mas de medíocre qualidade intelectual, emocional, psicológica e até moral, que se vão ancorando noutros de idêntica jaez, que para ter emprego adulam o chefe e tentam fazer carreira à custa da ignorância do povo.

De novo a teoria do ‘quasi-quase’ é servida à saciedade, a começar pelos poderes autárquicos, pasando pelos postos intermédios de confiança política e atingindo os patamares mais elevados do estado e da nação. Quantos se esqueceram com rapidez da sua procedência popular e agora parecem os tribunos dum estatuto superior, embora se saiba que o seu reinado é efémero e o poder facilmente destronável...  Mesmo nestas circunstâncias não deixa de ser um tanto admirável que haja que aspire a tais postos e se coloque a jeito para que a sua vida seja devassada sem-dó-nem-piedade. Por vezes torna-se quase heróico que ainda se encontre quem se submeta a tal sistema e se dê mais ou menos bem com as artimanhas pessoais e alheias. 

= Fique claro que não deixamos de sentir que algo de muito idêntico se passa em estruturas humano-religiosas, com grande escândalo dos mais crédulos e suscetíveis de deixarem impressionar por tais conluios, onde se esperava outro valor ético/moral. Também aqui se vive o comportamento do ‘quasi-quase’, na medida em que pouco faltou para não ser descoberto nem manifesto. Novamente aqui sentimos que faltam personalidades com valor humano e de craveira superior. Com efeito, temos heróis e santos, mas muitos são já dum passado ínclito e com algum tempo... Não serão as ferramentas digitais nem o floreado de power-points que irão convencer as gentes, será sim, a vida de entrega a Deus e aos outros que se tornará testemunho de vida...simples, sincera e sábia.

   

António Sílvio Couto



quarta-feira, 28 de junho de 2017

Sob um manto de impunidade



Quem não se lembra ainda dos acontecimentos da queda da ponte de Entre-os-Rios – ocorrida a 4 de março de 2001 – e não recordará também que, poucas horas depois, o titular da pasta do equipamento social pediu a demissão. Ao tempo pereceram 59 pessoas, muitas delas da mesma família, não esquecendo a longa e tortuosa procura dalguns dos falecidos durante dias e semanas… O espetáculo mediático foi então montado, escalpelizando as razões e as consequências a tirar de tudo aquilo!



Agora, por ocasião dos incêndios de 17 a 20 de junho do passado recente, na área do Pinhal Interior norte, porque não se colhem idênticas lições, antes parece que um longo e tenebroso manto cobre muitas mentes, condiciona tantas vontades aferradas à ideologia e alguns se vão entretendo com esse ‘osso do poder’, silenciando protestos, contestações e até reivindicações.

Até agora ninguém se demitiu nem foi demitido. Até agora vemos que uns tantos vão deambulando por entre fagulhas crepitantes como se fossem pingos de chuva de não-punição!

* Por onde andam tantas vozes outrora tão protestantes em situações idênticas, mas que por agora se mantêm tão silenciadas?

* Será que – como se dizia eufemisticamente – os beijos sobre o ‘dói-dói’ infetaram em narcotização geral e generalizada o tecido social e político?

* A quem serve a ofuscação de factos e de acontecimentos com que alguma comunicação social – escrita, televisiva ou em internet – vai andando a flutuar numa espécie de informação-espetáculo, onde os atores são elevados à categoria de mentores de opinião?

* Na medida em que a fratura entre visões do país deixa mais clivagens do que a promoção do todo nacional, até onde irá tanto amorfismo encapotado sobre muitas das desgraças alheias?

* Na medida em que a diluição da maioria das ideologias veio trazer maior confusão e criar alguns rácios de populismo, não estaremos a agravar o (não) diálogo cultural por entre clichés de forças transversais e subterrâneas 

= As iniciativas desenvolvidas para atenuar perdas dos incêndios na zona do Pinhal interior norte foram surgindo e ganhando significado até económico. Assim o concerto solidário ‘Juntos por todos’ – no dia 27 de junho e com mais de vinte artistas participantes – rendeu 1,153 milhões de euros… sendo uma ação conjunta de todas as televisões em canal aberto e de mais de cem rádios nacionais.

Dá, no entanto, a impressão que muitas das pessoas, que vemos a reagir a tudo isto, vão tentando criar desculpas – umas nota-se logo de forma mais assumida, outras de modo mais presumido – para o significado mais profundo que esta tragédia, com tantas perdas emocionais, materiais e afetivas bem como outros aspetos sócio/culturais, podem envolver.

Há de verdade questões que necessitam de algum distanciamento para conseguirmos pronunciar-nos sobre isso, mas tantos outros aspetos revelam o que de mais genuíno há no povo português: a capacidade de sofrimento com a dor alheia, chamem-lhe solidariedade ou continuemos a considera-la na sua essência como caridade cristã. Com que abnegação vemos as pessoas despojarem-se de tantas coisas para que os outros recomecem com um mínimo de dignidade… Com que espírito fraterno vemos emergirem sinais de que temos um lado humano muito cristão, mesmo que, por vezes, se envergonhe das suas raízes e dos sinais exteriores de expressão dessa comunhão…

Por entre tantas e tão benéficas manifestações da grandeza de alma do povo português continuo a interrogar-me sobre a ausência clara e distinta da leitura cristã dos sinais, pois raramente Deus é metido em tudo isto, como se fossemos boas pessoas por natureza, quando temos visto logo surgirem oportunistas e larápios a aproveitarem-se da desgraça alheia.

Em tantos destes momentos publicitados não temos visto a Igreja católica de forma assumida e sem medo. Por onde andam os responsáveis cimeiros das dioceses nas notícias? Será que bastará uma nota de rodapé para dignificar o trabalho desenvolvido? É preciso que brilhe a luz diante dos homens para que glorifiquem o Pai dos Céus. Que essa luz apareça…bem acesa!  

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 26 de junho de 2017

Para um glossário eleitoral autárquico


A canícula estival vai ter de ser, este ano, conjugada com as propostas dos candidatos às eleições autárquicas de um de outubro próximo. Talvez possamos lançar uma espécie de glossário relativo ao momento que se aproxima. Os termos usados não têm hierarquia pela ordem em que são apresentados, embora se procure conjugá-los num certo desenvolvimento articulado.

A quadragenária democracia à portuguesa precisa, urgentemente, de ser refundada e refletiva, pois muitos dos mais novos auferem de direitos para os quais não tiveram de lutar e, por isso, pouco valorizam. Por outro lado, não podemos continuar a fazer-de-conta que está tudo normal, quando se vão perpetuando nos postos – sobretudo de índole autárquica – forças e ideologias, figuras e figurões suficientemente desgastadas e com projetos ultrapassados de governação. Mal vai uma localidade (concelho, freguesia ou aldeia), se os eleitos ganham pela ausência dos votantes…acomodados, reféns e afeitos ao dejá vu!    

* Listas – elenco de concorrentes que aceitaram sair dalgum anonimato, continuando anónimos…embora servindo interesses nem sempre claros e entendíveis;  

* Candidatos – peças dum certo xadrez jogado por abstratos à luz da lua em fase de nova, isto é, com sombras, sob suspeitas e sem rosto;   

* Independentes – uma espécie de jihadistas sem rastilho…embora bastante bem armadilhados…sem nunca estralejarem;  

* Promessas eleitorais…com incidência autárquica – uma espécie de pincel sem cabo, se bem que untado numa lata de pez em decomposição…e fora de validade;  

* Campanha eleitoral (no sentido lato ou mais estrito) – um certo tempo de anúncio, de apresentação e de discussão das propostas a votar, mas onde a mentira não pode ser beneficiada em desfavor da verdade. Quem promete o que não é capaz de fazer deveria ser criminalizado muito para além da derrota nos votos… pois, quem engana deve ser julgado com mão pesada e não ser aliviado pela impunidade;  

* Iniciativas de campanha – umas coisas que, noutras épocas soam a fait-divers de entreter, mas que em tempo da dita campanha parecem ações de grande fervor, embora pagas e nem sempre levadas a sério ou onde se dizem coisas sem o mínimo de seriedade e com pouca credibilidade; 

* Cartazes de propaganda – facetas mais ou menos douradas ou até bizarras de quem pretende impressionar o público, criando frases pequenas (slogans), feitas à medida do público-alvo ou fazendo-se, no intervalo, alvo dalgum público;   

* Votação – exercício cívico – normalmente presencial – onde se exprime a escolha avaliada e atenta… A votação devia ser obrigatória, sendo sancionado o não-exercício deste direito, com penalizações nas regalias sociais…atuais e futuras. Desta obrigatoriedade todos teríamos a beneficiar, a começar pelos eleitos, pois teriam outra legitimidade. Por que temem tantos tal obrigação legal?  

* Abstenção – a arma dos cobardes, que fogem na hora de se pronunciar, mas que, depois, reivindicam sem direito e algum alarido! 

= Este breve glossário poderá ajudar-nos a sabermos aferir as nossas ideias pelos nossos ideais e nunca a fazermos o contrário de pensarmos a partir daquilo que, egoisticamente, vivemos. Usando um pensamento de São José Maria Escrivá: porque voas como ave de capoeira, se podes voar com asas de águia?

 

António Sílvio Couto




sexta-feira, 23 de junho de 2017

Falar ou estar calado


Por estes dias – uns mais recuados e noutros mais recentes – temos visto factos e pessoas que bem podem ser resumidos deste modo simplista: falar ou estar calado, podendo simbolizar tais atitudes duas figuras sociais – uma do (dito) mundo desportivo, um tal ‘marques’, que vem desfiando informação para entreter a época estival nem sempre profícua em acontecimentos dignos de tal designação; a outra personagem, um tal ‘costa’ que se vai escondendo sob capa das perguntas que fez e das promessas a desejar cumprir, mas umas e outras efabulando em maré política de pré-férias…

Se há quem fale e vá digerindo a conversa a conta-gotas, na apresentação acintosa de imensos emails (pretensamente) particulares, outros vão tentando gerir com silêncios de ignorância ou mesmo de incompetência as flagrantes tragédias de cidadãos esquecidos e sem voz, mesmo que agora chorem as perdas e se tornem lacrimejantes de circunstância. 

= Alguém acredita que é sério o espetáculo da divulgação de mails em folhetim, quando os denunciadores só têm um objetivo: desmontar os sucessos recentes dos adversários? Não haverá muita tagarelice e pouca matéria informativa e incriminatória? A quem interessa tal cortina de fumo – apaziguado por ocasião do luto nacional em razão dos incêndios! – reinando sobretudo quando não se sabia do futuro desportivo dos promotores? Será isto método de informação ou, pelo contrário, confusão do vale-tudo, desde que ponhamos os outros na lama e os promotores na luta…sem oposição?

Este maquiavelismo visto ou presumido pode entreter alguns dos mais suscetíveis em comprarem jornais e de se ligarem aos canais de difusão, mas por certo quem pensar pela sua cabeça e assistir a tal espetáculo perceberá que o chico-espertismo nem sempre compensa ou ganha campeonatos sem rede!

 = Eis que, de repente, a bolha de sucesso da governação em curso (quase) implodiu nas terras ardidos do ‘pinhal interior norte’ – região que engloba catorze concelhos da região centro entre os distritos de Coimbra e de Leiria – e do ‘pinhal interior sul’ – Sertã…onde sete dos municípios foram mais atingidos pelas chamas funestas e mortíferas…de 19 a 22 de junho passado.

Refira-se que, em época de pré-campanha eleitoral para as autárquicas, destes concelhos martirizados três são autarquias socialistas – Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Góis – e quatro sociais-democratas – Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande, Penela e Sertã…

Há, por isso, questões que não podem ficar diluídas nas lágrimas justamente choradas, mas teremos de saber interpretar o que está a correr mal para que mais uma vez – Deus queira que não se repita a curto prazo – sejam consumidas dezenas de hectares de floresta e nada se responde pelas causas nem ninguém assume as consequências.  

* O sucesso da governação vai ficar intacto com tamanho descalabro e incompetência? Bastarão umas festinhas de governantes e do presidente, assobiando para o lado e deixando que os inquéritos sejam metidos na gaveta dos gabinetes do terreiro do paço? Os citadinos sentem-se parte do problema ou atiram para os rurais a culpa das suas misérias e derrotas? As televisões ávidas de sensacionalismo vão deixar cair os figurantes que lhes deram horas de espetáculo barato e, nalguns casos, indecoroso? As estórias de fim-de-página, que se tornaram títulos nalguns noticiários, vão ser esquecidas como rascunhos de malvadez e de exploração dos sentimentos expostos sem respeito?  

* A solidariedade tão típica dos portugueses na hora da desgraça poderá ser continuada muito para além dos holofotes noticiosos. Seria bom que as paróquias criassem parcerias entre si e se conseguisse mobilizar adolescentes/jovens, escuteiros e grupos sócio/caritativos que se prontificassem a viverem, já nestas férias de verão, momentos de ajuda às populações mais fragilizadas e que foram duramente postas à prova. Talvez valha o desafio de trocar umas férias inúteis de praia e de preguiça por ações concretas de participação na recuperação de casas, de aldeias e mesmo de vivências de comunhão na dor…         

 

António Sílvio Couto



terça-feira, 20 de junho de 2017

Onda de calor…mortífero


De repente o país parou estupefato com as imagens e os números de mortos pelos incêndios. Talvez o silêncio deve-se ser o melhor tributo a quem morreu, perdeu tudo e ficou marcado para o resto da vida.

Como explicar e compreender o que nos dias 17 a 20 de junho vimos na zona centro de Portugal? Mais do que episódios de sobrevivência fomos fustigados com imagens de acusação à incapacidade de conseguir ajudar dezenas de pessoas anónimas, que vieram para a ribalta noticiosa pelas piores razões…

Os mais altos responsáveis do país político surgiram a fazer o seu papel, mas ninguém assume culpas nem consequências, dando a entender que o ‘destino’ lançou um manto de razoabilidade sobre o que – quando se está em lugares de responsabilidade – devia ser a assunção das tarefas públicas… Até foi decretado luto nacional por três dias!

O modo como foi dada a conhecer esta tragédia foi mais ou menos reservada no direito de privacidade… à exceção duma imagem em que uma pretensa jornalista de tarimba cometeu o grave erro de falar com um morto coberto em fundo na imagem… Espera-se que este ou qualquer outro deslize fora da boa ética jornalística sejam castigados sem medo nem pudor! 

= Não levarão a mal que possa trazer para aqui um episódio pessoal desta vaga de calor vivida por estes dias. Com efeito, mais do que um acontecimento restrito gostaria, desde logo de salientar a notável forma como profissionais da saúde se dedicam aos que deles se aproximam. Estava a poucos minutos da apresentação dum livro na feira do livro de Lisboa, no passado domingo, quando me senti acometido duma indisposição geral, sem quadro específico de sintomas. Solicitados os serviços de emergência fui encaminhado para o hospital de São José… enquanto a editora tentou resolver a situação com a apresentação – como estava previsto – do livro pelo professor Jacinto Farias. Não será difícil de imaginar o quadro, tal era o calor àquela hora e o que estava a acontecer duma forma um tanto inesperada. Pelo que percebi o acontecimento decorreu de forma breve e simples.

Gostaria, então, de salientar o modo como, das dezasseis às vinte e duas horas, vivi, entre tantos outros doentes, submetido a exames, a cuidados vários por enfermeiras e médicas muito jovens, mas duma dedicação sacerdotal. Dava para perceber a delicadeza para cada pessoa, fosse qual fosse o quadro ou a necessidade: era uma urgência, mas com grande serenidade e competência.

Isso mesmo referiu a irmã responsável da editora, que quando lhe foi possível também se deslocou ao hospital, salientando mesmo que estes episódios nos fazem bem para vermos o que se passa no mundo sem nos darmos conta e talvez sem valorizarmos quando as coisas não correm tão bem. 

= Excetuada esta deriva de ordem mais pessoal, não me esqueci de a ver inserida na vaga de calor geral e da situação dos fogos em particular. Tirando o agravamento climático – o que deve ser bem estudado no terreno e não sob a influência do ar condicionado dos gabinetes… da capital – por breve momentos passamos a ver que há pessoas neste país que não têm voz para se fazer ouvir e que estão confinadas à sua sorte. Era agora preciso que os sindicatos e trabalhadores da cintura da capital deviam dar de si um pouco mais para não fazermos de conta que há igualdade de direitos, mas estamos muito longe da sua prossecução. Não basta enfatizar o papel dos bombeiros e de outras forças de socorro em maré de crise, mas precisamos de criar uma consciência coletiva de atenção aos outros mais desfavorecidos ou quase marginalizados num país que se diz democrático e progressista…

Muitas e significativas iniciativas foram já lançadas em ajuda aos que perderam os seus bens: desde campanhas de alimentos, passando por um concerto solidário (com mais de vinte músicos, a realizar a 27 de junho) e incluindo chamadas de valor acrescentado em ajuda das vítimas desta tragédia…no entanto, o fisco neste caso cobra na mesma o Iva como a outra qualquer chamada de entretenimento ou concurso!

Que somos um povo solidário ninguém duvide, mas é preciso criar uma mentalidade mais conforme às lacunas da nossa cultura e civilização: ainda somos muito rurais nas ideias e no comportamento, que nem o verniz da cidade consegue encobrir ou disfarçar. Que não seja só nas horas de desgraça: o silêncio fala!        

 

António Sílvio Couto




quarta-feira, 14 de junho de 2017

Situação de seca… de água e de ideias




Segundo dados mais ou menos credíveis, o nosso país tem vindo a caminhar para uma situação de seca extrema, atingindo em finais de maio passado, 98% do território…

Ora, se a ausência de chuva tem vindo a agravar-se, outrossim a ausência de ideias para mobilizar o país sofre de idêntica secura, senão mesmo de aridez… psicológica e cultural.

Um longo e tenebroso manto – rosa, adamascado ou doutra cor afim – cobre as mentalidades, fazendo crer que tudo está bem e que nada será capaz de ofuscar um certo sucesso, dizem que até económico.

Sobre a seca de água parece que ainda vamos sendo informados com alguma credibilidade, o mesmo não será tão fiável de ver e de demonstrar sobre a situação do país social, político ou mesmo financeiro. 

= Fique, desde já claro, que não partilho minimamente do pretenso otimismo de quem ocupa o posto de governo nem aprecio essa outra turbulência intervencionista – a propósito, a despropósito e às vezes com intromissões – do inquilino de Belém e tão pouco considero digna de crédito uma projeção dum certo sucesso carimbado por Bruxelas, quando nos parecem mais fazer flutuar sobre o mar das dificuldades ultrapassadas do que das decisões patrioticamente tomadas.  

* É preciso que haja verdade e independência por parte de tantos dos intervenientes na vida pública, onde nem sempre a maioria da comunicação social tem feito corretamente o seu papel, antes parecendo mais vendida a alguém que subjuga económica e ideologicamente…ainda sem mostrar o rosto e/ou a caricatura.  

* Muito mal vai este país que rotula de ‘bom tempo’, só quando há sol e não chove, mesmo que a chuva possa ser mais do que benéfica para a vida e as diversas tribulações do povo que gasta o tempo e tenta angariar o sustento a partir daquilo que lhe dá o campo, sem subterfúgios de estufas nem de outras artimanhas de sucesso. Com efeito, ‘bom tempo’ também é o de receber a chuva como dom solícito de angariação de ambiente para as colheitas e os esforços rurais. Enquanto fizermos de conta que os calores citadinos são o que de mais interesse tem para todos, andaremos a ser subornados por outros intentos que não os do equilíbrio holístico e espiritual… A chuva faz sempre falta com conta, peso e medidas certas e adequadas! 

= É clamorosa a desnecessária valorização do incrível seguidismo de forças ideológicas que vão capitalizando os seus intentos à custa da desvalorização dos que pensam pela sua cabeça, de quem seja capaz de não precisar das proteções de tios e de enteados mais ou menos bem cotados na bolsa da promoção sócio política.  

* Por agora vão aparecendo os ditos candidatos autárquicos, uns em recauchutagem, outros em primeira dose e alguns ainda num recurso ao refugo daquilo que nada deu e nada conseguirá. Os tentáculos partidários vão emergindo por entre tentativas de vitória ou como derrota por poucos. Quem for ver o arquivo doutras eleições poderá encontrar bastantes semelhanças ou ainda como promessas do ‘dejá vu’…  

* As ditas ideias de mudança ou os projetos de cativação de novos interesses dá a impressão que foram saldados em maré de muito vento… tudo foi levado e nem resquícios ficaram. Novos atores com ideias renovadas precisam-se e dão-se alvíssaras a quem encontrar tais desideratos a curto e/ou médio prazo. 

= Em maré de seca – extrema ou severa – das fontes de alimentação para as águas em solo, vivemos idêntico questionamento sobre as ideias que possam vir a frutificar com resultados democráticos e com legitimidade… Que dizer de eleitos que o foram com mais de dois terços de abstencionistas? Alguém será capaz de conviver com tais fantasmas?

Mediocridade, não, obrigado!      

 

António Sílvio Couto




sexta-feira, 9 de junho de 2017

Oito anos com o mesmo smoking…


Os dados foram anunciados: nos oito anos que esteve na casa branca, Barack Obama usou sempre o mesmo smoking, nas festas oficiais… e ninguém reparou no episódio: entre 2009 e 2017, o presidente dos EUA conseguiu trajar a mesma roupa, sem que ninguém se apercebesse.

A revelação foi feita pela esposa – sobre quem recaiam as atenções na variedade de roupa que apresentava – mas com ele tudo foi diferente… pois até os sapatos foram os mesmos nesses anos… Assim, ele conseguia preparar-se em dez minutos e da mesma forma… 

* Diante desta revelação fica-nos uma boa oportunidade para refletirmos sobre aquilo que vestimos, ao que damos importância e mesmo àquilo em que outros reparam… muitas vezes mais no papel de embrulho do que no conteúdo que é embrulhado.  

* Com que facilidade, hoje, as pessoas mudam de farpela, quase não tendo um estilo próprio de vestir, antes andando ao sabor da moda – manipulada por entidades mais ou menos abstratas e sem rosto – numa linguagem de pronto-a-vestir… unissexo, popular e (mais ou menos) barato ou de marca.  

* Se o modo de vestir define – ou pode dar a entender – a personalidade de cada um, então, poderemos ser levados a inferir que a maior parte das pessoas vive numa oscilação tal de personagem que teremos de reparar, antes de tudo naquilo que veste e como veste, para depois tentarmos descortinar com quem estamos…mesmo que possa ser essa outra figura com quem ontem estivemos… ou cuja identidade (aparentemente) conhecemos. 

* No tempo das armaduras seria difícil de saber quem era o nosso interlocutor, pois ele/ela se disfarçava por detrás disso que não mostrava. Também agora a armadura está montada, sendo preciso uma grande subtileza para conseguirmos decifrar quem se veste de tal ou outra forma, sendo que a perplexidade já não se reduz ao setor feminino…  

* O problema passa a ser mais complexo quando vemos uma sociedade a reger-se por esta forma de estar: afirmar-se pela indumentária, negligenciando a formação humana, intelectual, cultural ou psicológica… Mal vai uma sociedade onde as conversas se desenrolam a propósito do que se veste e da importância que se dá à ‘imagem’… O que apetece é destoar de toda essa vulgaridade – ética/moralmente poderemos chamar-lhe vaidade – apresentando-se da forma mais despretensiosa sem ser desleixada. 

= A referência ao estatuto do presidente do EUA poderá fazermos perceber que nem todos se guiam pela mesma cartilha – termo agora muito em uso e que significa essencialmente capacidade de aprendizagem segundo um modelo e para que possa haver uma identidade na forma de estar – da boa impressão e do faz-de-conta que é importante porque se veste – às vezes até parece que é mais despe! – duma determinada forma. Ter a ousadia de não ser como os outros e de deixar-se guiar por critérios muito para além dos de teor materialista pode ser uma espécie de testemunho até mesmo cristão. Com efeito, não será assim tão pouco significativo que alguém não entre na onda da futilidade e do estar sempre na moda, pois isso custa caro e pode ser ofensivo dos mais pobres. De facto, não se pode andar a mudar de roupa todas as semanas ou meses, só para que pensem que se tem nível económico ou estatuto de rico… Encontrei há anos uma situação em que uma pessoa devia – ao tempo – mais de mil euros só das roupas que tinha comprado sem pagamento imediato… Será um atentado à pobreza dos mais desfavorecidos ter armários e comodas atulhados de roupa, sem se questionar se tal – o dinheiro gasto – não fará falta a quem passa dificuldades essenciais!

Basta de termos de aturar tantos manequins ambulantes, pavoneando-se à custa da insensibilidade para com os que podem precisar de ajuda… Muito mal irá a religião (cristã ou outra) se não questionar tais atropelos à verdade e aos outros/as… Cristo viveu em espírito de pobreza e desafia-nos a vivê-lo, sempre!      

 

António Sílvio Couto



terça-feira, 6 de junho de 2017

Porque subsiste a ‘feira do livro’?


Embora seja uma das mais faladas – tanto pela dimensão que comporta, quanto pelos ingredientes que envolve – a ‘feira do livro de Lisboa’ é, por estes dias, um espaço de visita, de interesse e de reflexão para muitos dos intervenientes na cultura do nosso país.

Sendo já a 87.ª edição, a feira do livro de Lisboa continua a crescer. Este ano a feira tem 286 pavilhões, com 602 marcas editoriais (chancelas ou editoras), ocupando quase quatro talhões do Parque Eduardo VII e esperando atingir – em três semanas de evento – meio milhão de visitantes…

Numa época (dita) tão digital e tecnológica, ainda haverá lugar para o livro? Que faz ainda apostar na impressão de livros, se podemos ter acesso aos conteúdos em formato não-impresso? Como se pode defender o direito de autoria, se o texto se divulga sem controlo? Onde começa e onde acaba o ‘copy/paste’ sem plágio nem usurpação dos direitos de autor? Como poderemos confiar nos trabalhos feitos – mesmo pelos intelectuais, tanto docentes como discentes – se não conhecermos as fontes nem os verdadeiros autores? Quem cuida em defender a ‘propriedade intelectual’, mesmo em tempo de internet?

Estas e outras questões podem – e talvez devam – ser feitas por ocasião desta feira do livro, em Lisboa. O assunto é – ou pode ser – mais relevante quando está prevista uma intervenção, num dos dias da feira (dia 18), na apresentação dum novo livro sobre o Espírito Santo… Já em 2008 tive a oportunidade de estar numa sessão de apresentação dum outro livro sobre o sacerdócio ministerial. Por isso, apreciar o ambiente da feira do livro é algo natural, diria mesmo, necessário, benéfico e essencial. 

= Ora, depois duma breve visita à feira do livro de Lisboa com pouca gente e exígua de compras, foi possível ver – no dia 5 – muita literatura e propostas diversas para crianças, seja ao nível geral e de diversão, seja na dimensão pedagógica e formativa.

Nota-se a tendência, agora em Portugal, da edição biografias de figuras nacionais e internacionais…numa linha de apresentação histórica – mesmo de personalidades do passado remoto e mais recente – e com implicações no desenrolar do presente.

É interessante, particularmente quando a afluência de público não é muito grande – já fui à feira do livro noutros anos onde se tornava impossível andar senão fosse aos encontrões e por entre imenso barulho – apreciar por onde deambulam as vertentes mais pessoais dos visitantes, tanto ao nível cultural, como nos aspetos profissionais e mesmo religiosos…

As grandes editoras parecem mais contidas nos espaços que ocupam e até na orgânica que apresentam. Certamente que mais para o final do evento surgirão numa atitude mais agressiva para atingirem os objetivos de venda, mas, por agora, não se destacam como noutros anos.

Atendendo ao nivelamento por baixo dos recursos do público, dá a impressão que os preços estão bastante em conta, mesmo sem desfazermos das promoções, dos descontos, dos lançamentos e mesmo dos saldos…

Embora tenha saído sem comprar nada, ficou-me a impressão de que, na próxima visita, trarei alguns livros com interesse, culturais e de boa apresentação. 

= Respondendo à questão colocada no título deste artigo: porque subsiste a ‘feira do livro’? Eis algumas sinceras, razoáveis e úteis razões:

* O livro continua a ser uma boa companhia e uma salutar fonte de informação no presente e com implicações para o futuro.

* Só lendo se aprende a escrever e a exprimir o que se pensa, pois pensar exige assimilar ideias e comunicá-las aos outros.

* Embora cada um se possa exprimir como sabe, a arte de escrever e de comunicar aprende-se na escola da leitura, da reflexão pessoal e não meramente colando coisas de outros sem nexo ou vago sentido.

* Como é insidioso o cheiro a tinta quando abrimos o livro, a revista, o jornal ou algo escrito… aí se pode apreciar e voltar a ler o que em nós deixa marcas e faz mudar até de ideias.

Porque fui formado a ler e a escrever, sinto que a feira do livro é muito mais do que um desfile de vaidades…

 

António Sílvio Couto



sexta-feira, 2 de junho de 2017

Em vista dum país de potenciais delatores…


Por estes dias vimos noticiado que a ‘delação’ – termo de contexto brasileiro, com uso em Portugal sob a designação de ‘colaboração’ – premiada começa a ganhar adeptos no meio da justiça, sendo os juízes, os procuradores e funcionários seus defensores, enquanto os advogados são quem mais se-lhe opõe. 

= De que consta, então, a ‘delação/colaboração premiada’?

‘Delação premiada’ é uma expressão usada no âmbito jurídico, que significa uma espécie da troca de favores entre o juiz e o réu. Caso o acusado forneça informações importantes sobre outros criminosos ou dados que ajudem a solucionar um crime, o juiz poderá reduzir a pena do réu quando este for julgado... Na situação brasileira, que tem já experiência em casos destes e com legislação, a redução da pena pode ser dum terço ou de dois terços do delator, caso as informações fornecidas ajudem realmente a solucionar o crime.

Se tivermos em conta as várias vertentes desta discrição de ‘delação/colaboração premiada’ poderemos encontrar aspetos um tanto preocupantes para a justiça no futuro. Desde logo que aquele que se assume como delator é um criminoso que se serve do papel de beneficiado para encobrir os erros de que é acusado, mesmo que com isso vá enterrar quem, anteriormente, de forma tácita ou explícita, foi seu parceiro de delito. Por outro lado, o denunciado pelo delator poderá passar a conhecer quem o irá entalar na delação, que, posteriormente, será atenuada pelo comparsa na prevaricação. Se tivermos ainda em conta a desconfiança que a delação criará entre os criminosos, poderemos ver neste estratagema de compra de penas menores uma espécie de denúncia da falência do sistema de investigação, pois este poderá aliciar algum dos criminosos a serem delatores e com isso não ser feito o trabalho que compete à justiça... 

= Porque sabemos ainda pouco do modo como poderá vir a ser implementado este processo da ‘delação/colaboração premiada’, podemos, no entanto, elencar questões sobre a extrapolação deste modo de estar na vida para além do sistema de justiça. Antes de tudo o associar-se para praticar o crime terá de ser mais arguto para com aqueles a quem se junta, pois, de repente, poderá estar a ser denunciado por alguém que possa antecipar-se à pena com a subtileza de beneficiar por se tornar ‘bufo’ dos outros. Criminoso sim, mas terá de ser de alta confiança com quem se torna parceiro da delinquência.

Se o processo da delação se alarga a outros campos, como será difícil de ter com quem se associar para fazer o mal ou mesmo para construir algo que envolva outros na caminhada, pois quem se sentir prejudicado poderá tornar-se delator desde que com isso continue a flutuar na boa impressão de quem julga, mesmo sem ser só na justiça... Suponhamos que este sistema da ‘delação premiada’ se incrementa na área da comunicação social: quem dirá seja o que for, se isso se vier a voltar-se contra quem disse o que disse... As fontes e, sobretudo, os potenciais denunciadores poderão pensar mais sobre as consequências do que lhes é soprado mesmo sob anonimato, pois algo poderá correr menos bem quando surgirem suspeitas sobre que referiu o quê...

Talvez este método da ‘delação/colaboração premiada’ possa vir a ser uma espécie de caixa de pandora, que, uma vez aberta, mesmo judicialmente, poderá trazer à relação das pessoas algo mais do que uma colaboração justificada com a justiça, mas antes uma complexa e atribulada mescla de interesses, onde cada qual fará pela vida o que antes foi usado para ludibriar quem tinha de ajuizar ou de estar num patamar superior da aplicação da igualdade entre todos. O delator pode tornar-se, deste modo, uma peça da engrenagem que fará emperrar a boa convivência entre todos... 

= Para quem tanto contestou a sociedade pidesca anterior à recuperação da liberdade, não será que esta atitude de ‘delação/colaboração premiada’ poderá trazer à memória certos serviços desse regime? Agora que dizem que estamos em democracia, esta ‘delação/colaboração premiada’ não poderá converter-se num manto de perseguição a adversários...dentro ou fora do partido/associação?

 

António Sílvio Couto