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quarta-feira, 2 de março de 2022

Semear ainda com humildade...

 

Estamos na Quaresma: são quarenta dias de intensa vida espiritual, ao nível pessoal e na dimensão eclesial, podendo manifestar-se nas vertentes familiares e sociais.


Mais uma vez este ano não tivemos a distração – talvez salutar, se fosse levada a sério – do carnaval. Pois este foi-nos proposto, originalmente, como etapa preparatória da vivência da quaresma. Se não tiver sido vivenciado como que correremos o risco de não mais ter a necessária intensidade quaresmal.

1. Na pedagogia da fé, o Papa Francisco escreveu-nos uma mensagem para a quaresma deste ano, servindo-se da citação de Gl 6, 9-10 a: «Não nos cansemos de fazer o bem; porque, a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido. Portanto, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com todos». Aqui se faz insistência em três aspetos da nossa caminhada: sementeira – colheita; não nos cansemos de fazer o bem; a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido. De facto, depois de um tempo de desânimo pela provação da pandemia e mais recentemente confusos pelas imagens de guerra na Ucrânia, como que se pode tornar algo audaz acreditar que vale a pena semear, sobretudo se tivermos em conta que este semear se fará numa visão turva e pouco clara nos objetivos e/ou nos possíveis resultados.

2. ‘A Quaresma convida-nos à conversão, a mudar mentalidade, de tal modo que a vida encontre a sua verdade e beleza menos no possuir do que no doar, menos no acumular do que no semear o bem e partilhá-lo’. É nítido que já não temos paciência para esperar que a semente lançada seja colhida por outros. Vivemos no afã do imediatismo: da semente ao fruto queremos que seja breve e curto o passo e pouco ou nada nos faz crer que um é o que semeia, outro o que cuida e outro ainda o que colhe... Estas etapas, desgraçadamente, pretendemos vivê-las com o máximo de brevidade. Ainda teremos mentalidade de esperança e não de reivindicação? Ainda conseguiremos dar tempo para a maturação? Ainda saberemos estar em gratuidade sem exigências e apressamento nos resultados?

3. ‘Perante a amarga desilusão por tantos sonhos desfeitos, a inquietação com os desafios a enfrentar, o desconsolo pela pobreza de meios à disposição, a tentação é fechar-se num egoísmo individualista e, à vista dos sofrimentos alheios, refugiar-se na indiferença’. Quantas vezes o desânimo nos assalta porque não vemos compromisso da parte daqueles de quem esperávamos correspondência aos desafios. Quantos daqueles em quem punhamos alguma expetativa nos desiludem e nos desiludimos com medo de recomeço... A multidão desses a que um teólogo pós-conciliar chamava de ‘cristãos anónimos’, faz-nos temer pelo presente e para com o futuro da Igreja. Por quê semear outra vez, se a semente cairá em terreno pedregoso e. possivelmente, infrutífero?

4. ‘Cada ano, a Quaresma vem recordar-nos que o bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia’. Confesso que o ‘mito de Sísifo’ quase tem mais impacto do que a confiança e a esperança semeada pela constância. Ao vermos os sinais que nos são dados perceber parece bem mais viável desistir do que recomeçar de olhos postos na meta. Nem mesmo a dinamização da caminahda sinodal parece desinstalar um pouco da relutância em apostar em novos caminhos ou em limpar os já andados porque mal cuidados.

5. Deixamos uma citação final da mensagem do Papa como itinerário simples e humilde: ‘Neste tempo de conversão, buscando apoio na graça divina e na comunhão da Igreja, não nos cansemos de semear o bem. O jejum prepara o terreno, a oração rega, a caridade fecunda-o. Na fé, temos a certeza de que «a seu tempo colheremos,se não tivermos esmorecido», e obteremos, com o dom da perseverança, os bens

prometidos para salvação nossa e do próximo’. Assim o queremos!



António Silvio Couto

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