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quinta-feira, 31 de março de 2022

Menos missas e mais Missa!


 Ouvi, por estes dias esta observação, proferida por um prelado recém-empossado na sua diocese: o que precisamos – padres e leigos (e não bispos?) – é de menos missas e mais Missa.

Que significará este trocadilho? Haverá nele algo de desafio ou de acomodação? Será sinal de que estaremos a sacramentar sem evangelizar ou andaremos a desperdiçar missas com quem não a quer nem cuida? Será fácil implementar uma proposta deste teor que não seja redutiva da Igreja nem redutora das igrejas?

 1. Desgraçada ou salutarmente a pandemia veio peneirar muito farelo consumidor de sacramentos, alguns mais em versão social do que cristianizada. A pandemia também serviu para separar o que era por obrigação daquilo que se pode entender mais por devoção e/ou convicção. Houve casos que foram criando mais adeptos da religião de pantufas ou mesmo de sofá em roupa de andar por casa… Nitidamente fomos percebendo que a fé celebrada nem sempre estava esclarecida nem era fé anunciada…

 2. De vez em quando surgem vozes alertando contra o excesso de sacramentalismo sem evangelização, caindo-se quase sempre na prevenção de que poderá haver missas sem a devida preparação ou mesmo a necessária vivência. Recordo com tristeza a delapidar expressão de alguns antigos colegas do seminário – ‘forçados’ a irem à missa diária no tempo de estudos – que já tiveram missas para o resto da vida. Como se, tendo comido todos os dias, já se tivessem alimentado para o resto dos seus anos. Talvez se deva ter cuidado com ‘provocações’ de teor minimalista, pois poder-se-á extrapolar para outros campos e a argumentação capitula por insuficiente e algo fugaz.

 3. É com razoável confusão que ouço certas observações – mais em jeito de lições para os outros do que indicações de comportamento – quanto à duração do tempo de homilia. Recentemente o Papa Francisco alertou para o tempo máximo da dita: dez minutos. Citamos a exortação apostólica ‘Alegria do evangelho’ (n.º 138): «a homilia não pode ser um espetáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos mediáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração. É um género peculiar, já que se trata de uma pregação no quadro duma celebração litúrgica; por conseguinte, deve ser breve e evitar que se pareça com uma conferência ou uma lição. O pregador pode até ser capaz de manter vivo o interesse das pessoas por uma hora, mas assim a sua palavra torna-se mais importante que a celebração da fé. Se a homilia se prolonga demasiado, lesa duas características da celebração litúrgica: a harmonia entre as suas partes e o seu ritmo. Quando a pregação se realiza no contexto da Liturgia, incorpora-se como parte da oferenda que se entrega ao Pai e como mediação da graça que Cristo derrama na celebração. Este mesmo contexto exige que a pregação oriente a assembleia, e também o pregador, para uma comunhão com Cristo na Eucaristia, que transforme a vida. Isto requer que a palavra do pregador não ocupe um lugar excessivo, para que o Senhor brilhe mais que o ministro».

4. Atendendo à inquestionável falta de formação de boa parte dos nossos ‘praticantes’ da missa será conveniente acertar os tempos de homilia. Seria bem mais útil recorrer a celebrações da Palavra do que em andarmos a despachar missas a quem parece estar impreparado para a celebração da eucaristia. Porque será que as pessoas têm tempo e disponibilidade para duas horas de futebol, de cinema ou de almoço/jantar de festa e regateiam uma parca hora para a missa, ao domingo? Será falta de gosto ou de consciência da necessidade daquela? Se não entrarmos no mistério que celebramos corremos o risco de fazer de algo tão excelso e sublime uma espécie de ato social mais ou menos bem atamancado com adereços dispensáveis e com intérpretes nem sempre motivados e espiritualmente enraizados…

 5. Deixo um breve caso que me contaram há anos. Um monge espanhol tinha por hábito sair uns dias do mosteiro e visitar as igrejas na capital. Por vezes, após a celebração, aproximava-se do celebrante-presidente e perguntava-lhe: o senhor acredita naquilo que esteve a fazer? E nós: acreditarão ao verem-nos na missa?

 

António Sílvio Couto

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