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sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Recuperar a amabilidade...humana e cristã


Na sua última carta encíclica – ‘Fratelii tutti’ (n. os 222 a 224) – o Papa Francisco traz para à liça um termo que poder-nos-á ser muito útil refletir: a amabilidade, atendendo às circunstâncias de alguma crispação em que o coronavírus nos tem vindo a confinar, em agressividade, senão explícita ao menos latente.  

«O individualismo consumista provoca muitos abusos. Os outros tornam-se meros obstáculos para a agradável tranquilidade própria e, assim, acaba-se por tratá-los como incómodos; e a agressividade aumenta. Isto acentua-se e atinge níveis exasperantes em períodos de crise, situações catastróficas, momentos difíceis, quando aflora o espírito do «salve-se quem puder». Contudo, ainda é possível optar pelo cultivo da amabilidade; há pessoas que o conseguem, tornando-se estrelas no meio da escuridão» (n.º 222).

Inserida no sexto capítulo daquele documento pontifício – diálogo e amizade social – esta abordagem do Papa sobre a amabilidade situa-nos num contexto cultural muito específico...avesso a tal vivência.

 

= O que é  a amabilidade?

Responde a encíclica: «São Paulo designa um fruto do Espírito Santo com a palavra grega ‘chrestotes’ (Gal 5, 22), que expressa um estado de ânimo não áspero, rude, duro, mas benigno, suave, que sustenta e conforta. A pessoa que possui esta qualidade ajuda os outros, para que a sua existência seja mais suportável, sobretudo quando sobrecarregados com o peso dos seus problemas, urgências e angústias. É um modo de tratar os outros, que se manifesta de diferentes formas: amabilidade no trato, cuidado para não magoar com as palavras ou os gestos, tentativa de aliviar o peso dos outros. Supõe «dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam», em vez de «palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam» (n.º 223).

De facto, não vivemos numa sociedade onde se cultiva  a amabilidade, pelo contrário, antes vivemos em azedume, más falas/palavras, em aspereza e conflitualidade. Precisamos de ser educados para a amabilidade, desde a família até ao trato social e mesmo eclesial...

 

= Como implementar, hoje, a amabilidade?

Esclarece a encíclica: «A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm direito de ser felizes. Hoje raramente se encontram tempo e energias disponíveis para se demorar a tratar bem os outros, para dizer «com licença», «desculpe», «obrigado». Contudo de vez em quando verifica-se o milagre duma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença. Este esforço, vivido dia a dia, é capaz de criar aquela convivência sadia que vence as incompreensões e evita os conflitos. O exercício da amabilidade não é um detalhe insignificante nem uma atitude superficial ou burguesa. Dado que pressupõe estima e respeito, quando se torna cultura numa sociedade, transforma profundamente o estilo de vida, as relações sociais, o modo de debater e confrontar as ideias. Facilita a busca de consensos e abre caminhos onde a exasperação destrói todas as pontes» (n. º 224).

Mais uma vez o Papa Francisco traz à colação das coisas do dia-a-dia a presença de três expressões que lhe são tão queridas: com licença, desculpe e obrigado... que manifestam a amabilidade de uns para com os outros.

Amabilidade precisa-se, já!

 

António Sílvio Couto

 

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