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terça-feira, 13 de outubro de 2020

Igreja-paróquia: puzzle de quintaizinhos?


Sociológica, cultural e até eclesialmente a ‘paróquia’ foi uma realidade que mudou de forma abrupta no último meio século – desde 1970 até agora. Se houve razões exógenas, outras mais endógenas contribuíram para tal mudança.

As caraterísticas das pessoas e das populações, as modificações e movimentações mais recorrentes, a mobilidade e menor estabilidade familiar, social e profissional são alguns dos contributos para que as paróquias territoriais tenham começado a vacilar, tanto na sua composição como na possível continuidade. Por outro lado, vemos que foi crescendo algum do individualismo mais ou menos aceite, tolerado e – sobretudo nesta maré de pandemia – quase cultivado.

Vejamos três visões dos últimos Papas sobre a matéria, como nos é apresentada num documento deste ano da Congregação para o Clero, Instrução ‘A conversão pastoral da comunidade paroquial’ (n.º 12):

* João Paulo II (1978-2005): «a paróquia é aperfeiçoada e integrada em muitas outras formas, mas essa continua sendo um organismo indispensável de primária importância nas estruturas visíveis da Igreja», para «fazer da evangelização a base de toda a ação pastoral, com exigência prioritária, preeminente e privilegiada»;

* Bento XVI (2005-2013): «a paróquia é um farol que irradia a luz da fé e assim vem ao encontro aos desejos mais profundos e verdadeiros do coração do homem, dando significado e esperança à vida das pessoas e das famílias»;

* Francisco (desde 2013): «através de todas as suas atividades, a paróquia incentiva e forma os seus membros para serem agentes da evangelização».

Embora sejam perspetivas complementares cada um deixa-nos, no quadro destes cinquenta anos, algo em que nos devemos cuidar de entender. De facto, desde o pronunciamento de João Paulo II em 1984 até à ‘Evangelii gaudium’ do Papa Francisco, em 2013, decorreram na Europa e fora dela acontecimentos que fizeram mudar o mundo e, consequentemente, a Igreja católica: a queda do ‘muro de Berlim’ (1989), os atentados de 11 de setembro (2001), as modificações políticas sobretudo na Europa de Leste, alguns radicalismos provenientes do mundo islâmico, as alterações climáticas e as consequências geográfico-sociais, um razoável crescimento económico, nem sempre articulado entre todos os povos, nações e culturas, o surgimento, difusão e evolução da internet e do digital…eis alguns dos vetores que foram civilizando mais as pessoas, embora nem sempre socializando-as da forma mais correta e no relacionamento entre todos…

- A paróquia ‘tradicional’ católica foi sendo assaltada por tudo isto e mais o envelhecimento dos seus praticantes à medida ou à mistura com o fenómeno dos mais novos – primeiro os jovens, depois os adolescentes e agora até as crianças – que foram trocando por outras ou nenhumas práticas religiosas.

- Já há quem considere que a paróquia se foi tornando uma espécie de ‘loja de conveniência’, onde se vai quando é preciso, aproveitando as promoções de ocasião ou fazendo uso dos seus serviços tanto quanto convenha ou não haja outros que realizem idênticos objetivos…

- Até os sacramentos se foram tornando cada vez mais atos sociais e não celebração dos mistérios da fé – e já não é só o casamento na igreja (seria o matrimónio), mas também os batizados (substitutos de festas não realizáveis por razões de índole eclesial, como outro casamento depois de um religioso), as primeiras comunhões e – pasme-se! – até as missas pelos defuntos em datas comemorativas…

- Ainda recentemente pude ver e avaliar um trabalho feito por ocasião do ‘dia da paróquia’ em que foi solicitada uma reflexão/partilha sobre o documento supra citado sobre a paróquia… ‘ao serviço da missão evangelizadora da Igreja’. Dezena e meia de grupos – mais por organização do que por outras razões – foi chamada a pronunciar sobre vários aspetos do que é (ou deve ser) a paróquia hoje. Ora, as respostas andaram quase todas dentro daquilo que cada um era capaz de ver, de fazer ou de entender no seu grupo e não em abertura à dimensão da Igreja-paróquia. Deu para captar mais uma vez que andamos a cuidar do nosso ‘quintal’, indiferentes ao que os outros pensar, fazem ou vivem… Isto já para não referir tantos/as que desertam e nem participam minimamente… A pandemia parece que veio agravar ainda mais a situação!

 

António Sílvio Couto

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