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quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Poliedricidade (II) – outra visão cultural…pluralista?


O Papa Francisco referiu-se a esta terminologia da ‘poliedricidade’ em dois momentos do seu magistério em finais do ano de 213: uma na exortação apostólica pós-sinodal ‘Evangelii gaudium’ (EG), com data de publicação de 24 de novembro e outra numa intervenção vídeo enviada ao 3.º festival da doutrina social da Igreja, que decorreu em Verona (Itália), de 21 a 24 de novembro desse mesmo ano… De referir que nestas datas ocorreu a solenidade de Cristo Rei, logo um momento eclesial de grande significado.

Eis as citações:

* «O modelo não é a esfera, que não é superior às partes, onde cada ponto é equidistante do centro e não há diferenças entre um ponto e o outro. O modelo é o poliedro, que reflete a confluência de todas as partes que nele mantêm a sua originalidade. Tanto a ação pastoral como a ação política procuram reunir nesse poliedro o melhor de cada um. Ali entram os pobres com a sua cultura, os seus projetos e as suas próprias potencialidades. Até mesmo as pessoas que possam ser criticadas pelos seus erros têm algo a oferecer que não se deve perder. É a união dos povos, que, na ordem universal, conservam a sua própria peculiaridade; é a totalidade das pessoas numa sociedade que procura um bem comum que verdadeiramente incorpore a todos» (EG, n.º 236).

* «’Menos desigualdades, mais diferenças’ é um título que evidencia a riqueza plural das pessoas como expressão dos talentos pessoais e distancia-se da homologação que mortifica e, paradoxalmente, aumenta as desigualdades. Gostaria de traduzir o título numa imagem: a esfera e o poliedro. A esfera pode representar a homologação, como uma espécie de globalização: é lisa, sem lapidações, igual em todas as partes. O poliedro tem uma forma semelhante à esfera, mas é composta por muitas faces. Gosto de imaginar a humanidade como um poliedro, no qual as multíplices formas, exprimindo-se, constituem os elementos que compõem, na pluralidade, a única família humana. Esta é a verdadeira globalização. A outra globalização – a da esfera – é uma homologação».

 

= Tentemos encontrar as linhas-força desta matéria da ‘poliedricidade’ como conceito socio-teológico na leitura da nossa realidade humana, cultural e até religiosa, bem como das implicações práticas na vida em sociedade e na própria Igreja.

Por contraponto com a esfera, o Papa acentua as potencialidades do poliedro, que ‘reflete a confluência de todas as partes que nele mantêm a sua originalidade’, pois ‘a esfera pode representar a homologação, como uma espécie de globalização: é lisa, sem lapidações, igual em todas as partes’, enquanto ‘o poliedro tem uma forma semelhante à esfera, mas é composta por muitas faces’.

Feita a distinção entre os conceitos de ‘esfera’ e de ‘poliedro’ temos de nos confrontar com aquilo que somos e quanto precisamos de saber ser. Por vezes dá nítida impressão de que nos custa a aceitação da diversidade dos outros, preferindo vê-los numa certa uniformidade planisférica, analisando-os desde a nossa limitada perspetiva e tantas vezes numa visão deturpada…  

Outro aspeto relevante nesta terminologia da poliedricidade é da envolvência plural da cultura, aquilo que nas palavras do Papa é referido: ‘ali entram os pobres com a sua cultura, os seus projetos e as suas próprias potencialidades’. De faco, algo vai demasiado redutor na linguagem hodierna, na medida em que se entende ‘cultura’ desde um parâmetro excessivamente intelectualizado ou na dimensão do ‘instruído’. Veja-se os que se reclamam de mentores, promotores, difusores ou patrocinadores da ‘cultura’: uns tantos que se arrogam de fazerem uns teatrinhos/comédias/farsas/tragédias, umas musiquinhas de sabor ressabiado e conteúdo arrevesado, uma tiradas jocosas em formato dejá vu…numa qualidade à maneira das campanhas de alfabetização de há quatro décadas atrás… Então, o povo não tem cultura nem sabe do que gosta? O povo que lhes paga tem de engolir as patranhas com que é intoxicado? O povo tem de suportar que ofendam as suas raízes para que outros pululem de fama e de sucesso? O povo terá de continuar a ser uma espécie de cobaia das invetivas malcriadas dos seus ‘artistas’ e ‘atores’ de classe algo duvidosa.

Temos de aprender esta poliedricidade em gestos, palavras e comportamentos de vida de uns com os outros!   

 

António Sílvio Couto

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