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segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Humor...em decadência?


Quando se diz de alguém – aquele/a tem sentido de humor – estamos a falar a sério ou a brincar? Referimo-nos a alguém mais ou menos sério, sem laivos de ser só sisudo ou mais arejado de ideias? Porque será que nos rimos (ou sorrimos) das tiradas – vulgarmente ditas ‘piadas’ – de uns e não temos idêntica reação para com outros, que, por seu turno, podem provocar reações contrárias em outrém? Será o humor um dom ou uma arte? Como poderemos distinguir um comediante de alguém que cria boa disposição à sua volta? Será isso humor ou simplesmente uma maneira de ser?

Confesso a minha incapacidade de entender certos (ditos/apelidados) humoristas. Por vezes desconfio quase da minha inteligência, dado que outros se divertem tanto com as piadas, anedotas ou dichotes de muitos dos nossos humoristas de serviço. Até aqueles programas de ‘stand-up comedy’ (anedotas/humor em pé) escapam à minha compreensão, mas, ao ver salas cheias em aplauso, julgo que sou eu que não entendo a linguagem e tão pouco o seu alcance. Certas programações televisivas usam e abusam de figuras e figurinhas, que aparecem para entreter um tal púbico mais interessado em interpretar o que é dito em jeito conotativo (figurado) do que em ouvir de forma denotativa (literal) aquilo que é proferido. Quantos/as dos cançonetistas vivem em palco este jogo de palavras, podendo considerarem-se também ele/elas humorista da canção...

 

= Nestes dois parágrafos do texto já tentamos abordar duas questões: o tema – humor; e os seus intérpretes; mas ainda nos falta referir quais os assuntos do humor, se é que há ou não campos/setores da vida onde o humor não pode ter lugar ou ainda, se quem escreve ou quem diz os textos, tem a mesma responsabilidade, tanto cívica como até moral.

Quem não se lembra do alarido provocado pelos atentados ao jornal satírico francês – Charlie Hebdo: a 7 de janeiro de 2015, em Paris, foram mortos de rajada doze pessoas e feridas mais cinco gravemente. A razão dos ‘factos’ prende-se com a publicação, três anos antes, por aquele semanário (dito) satírico de desenhos ofensivos – na visão dos perpetrantes das ações terroristas – da figura de Maomé, em jeito de cartoon. Para aqueles cidadãos não havia espaço mínimo de humor, sobretudo se atingia ‘o profeta’. Diante deste episódio, que já foi por várias vezes replicado, surge-nos uma questão simples e significativa: os temas religiosos podem ou não ser objeto de humor? Ou será que, quando os humoristas se socorrem dos temas religiosos, a sua imaginaçõa já bateu no fundo e têm nesse campo algo que pode ainda entreter tantos dos seus ‘laicos’ ouvintes e/ou espetadores?

De facto, considero que há áreas do pretenso humor onde cair lá denuncia, de verdade, uma razoável decadência imaginativa, que é muito mais do que meramente imaginária. Como referi o campo das questões religiosas, tanto das ideias como das práticas, é propício para certos clichés que envolvem dichotes/piadas com linguagem conotativa de âmbito religioso – cristão ou não – e que quase nunca deixam de cair na asneira tácita ou explícita.

Outro setor de recurso do anedotismo, das piadas e do humor rasca é aquilo que envolve aspetos de cariz sexual. Da brejeirie à insinuação, das palavras maliciosas às intenções insidiosas, dos trejeitos às provocações, se vai fazendo algum do humor onde a temática do sexo entra ou pode deambular. Mais uma vez o pretenso humor pode roçar as raias até da má-criação. Quem tal usa pode desce suficientemente baixo e fazer rir quem ouça, mas com brevidade será atirado para a latrina social, cívica e cultural.

 

= Porque nos guiamos por valores de índole cristã, será conveniente que encontremos uma orientação sobre o tema do humor. Não será preciso entrarmos em qualquer pietismo nem na abjuração da boa-disposição, temos de perceber de onde provem o humor e quais as consequências que dá na vida.

Deixo em jeito de registo a nota 101, da exortação apostólica ‘Gaudete et exulstate’ do Papa Francisco, de 19 de março de 2018, numa oração atribuída a São Tomás Moro: «Dai-me, Senhor, uma boa digestão e também qualquer coisa para digerir. Dai-me a saúde do corpo, com o bom humor necessário para a conservar. Dai-me, Senhor, uma alma santa que saiba aproveitar o que é bom e puro, e não se assuste à vista do pecado, mas encontre a forma de colocar as coisas de novo em ordem. Dai-me uma alma que não conheça o tédio, as murmurações, os suspiros e os lamentos, e não permitais que sofra excessivamente por essa realidade tão dominadora que se chama “eu”. Dai-me, Senhor, o sentido do humor. Dai-me a graça de entender os gracejos, para que conheça na vida um pouco de alegria e possa comunicá-la aos outros. Assim seja».

‘Ridendo castigat mores’, isto é, a rir se corrigem os costumes!

 

António Sílvio Couto

 

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