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quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Pantufas ou sandálias?


Por ocasião do recente ‘dia mundial das missões’, o responsável dos ‘Institutos Missionários Ad gentes’ no nosso país usou duas simbologias para caraterizar a atitude de ‘estar em missão’: as pantufas e as sandálias.

“Podemos dizer que a missão é em qualquer lugar de modo que fico no meu país, na minha cultura, onde há tanto contacto com diferentes religiões, com diferentes culturas, não preciso de ir para outro país… Mas isso pode ser a tentação das pantufas: eu fico no meu sofá, continuo na minha casa, continuo no meu ambiente”. Quanto à dimensão internacional da missão referiu que “o sair para outros países, para outras culturas”, tem a “característica das sandálias” e exige um sair de si “de uma forma bastante mais intensa”. “A base de tudo isto é termos a coragem e sermos destemidos suficientemente para sairmos de nós próprios”.

 

= Efetivamente temo-nos vindo a apantufar – psicológica, mental e espiritualmente – em vários níveis, em díspares circunstâncias e até diversas idades. Como que em reação ao surto de pandemia houve atitudes – pessoais ou comunitárias – que nos foram enconchando no nosso ‘mundinho’ de autodefesa e talvez de isolamento para com os outros...

Por razões mais ou menos aceitáveis – sobretudo tendo em conta as diversas incidências do ‘covid-19’ – senão necessárias, fomos retraindo as naturais manifestações de afetividade de uns para com os outros: muitos dos gestos de saudação e de cumprimento entre as pessoas têm sido reduzidos ao mínimo...numa tentativa de não-difundir ainda mais os malefícios deste vírus fatal.

Se, durante algum tempo, certos gestos foram substituidos por outros até bizarros, fomos caindo mais na defesa da nossa saúde do que apresentando sinais de abertura aos outros. Pelo contrário, fomos criando mecanismos de desculpa para que os outros – sobretudo se desconhecidos – possam ser potenciais infetantes da nossa condição temerosa.

Pantufas e sofá tornaram-se como que símbolos da acomodação para além de meramente social também religiosa e cristã/católica. Depois de termos ficado sem a possibilidade de irmos à missa durante setenta e sete dias – de 15 de março a 31 de maio – recorrendo aos meios de comunicação social e às redes sociais para cumprirmos o ‘preceito de santificar os domingos’, fomos adquirindo hábitos de sedentarismo ou até de absentismo grave...no que toca à prática religiosa presencial.

Os mais velhos, que eram boa parte das nossas assembleias dominicais, têm medo de ir à missa, se bem que não se coibam de frequentar outros espaços públicos bem mais ameaçadores e perigosos... As crianças e adolescentes – da dita catequese e dos escuteiros – evaporaram-se dos espaços celebrativos, dando a entender que a sua presença era mais de obrigação/conveniência do que por convicção pessoal e dos pais.

Estes são alguns dos sinais mais visíveis do apantufamento da nossa pretensa religião. Daqui ao descompromisso e à crescente marginalização dos temas de fé e de vida cristã estamos em grave risco.

 

= Onde está o resultado do investimento em tantos anos (onze) de catequese, com catequistas e festas, com ideias e iniciativas, com programas e encontros? Que foi feito para que não fugíssemos tão depressa, quando era preciso encontrar soluções adequadas aos problemas surgidos? Adiantará alguma coisa programar a retoma da catequese, se não se refletir sobre as causas e em vez de remandar as consequências? Não continuaremos na etapa do entreter, quando deveríamos investir na revisão do deficientemente feito? Reinvestir na ‘catequese’ para crianças não será, mais uma vez, apostar na fase errada, em vez de nos empenharmos na qualidade de formação onde as famílias contem mais do que usufruam sem participarem?     

É significativo que neste intervalo de pandemia foi publicado, em finais de junho passado, o ‘Diretório para a catequese’, um documento longo (doze capítulos e 428 números) e profundo que nos deveria ocupar a todos os que em Igreja estão ao serviço a Palavra de Deus...

Precisamos de calçar as sandálias sem medo, pois muitos dos nossos espaços da fé – paróquias, movimentos, associações, congregações, dioceses – continuam a manifestar que não estão (estamos) suficientemente evangelizados, embora mais ou menos sacramentados...

 

António Sílvio Couto

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