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sábado, 10 de outubro de 2020

Nova cultura


Na encíclica ‘Fratelli tutti’, o Papa Francisco refere-se a algo que designa de ‘nova cultura’. Já o temos abordado, tendo em conta a figura do poliedro…por contraste com a esfera.

Citamos o que o Papa nos diz e tentaremos continuar a refletir sobre esta temática, na medida em que possamos encontrar pistas de leitura, espaços de diálogo e mesmo propostas de saída neste tempo mais centrado cada um em si mesmo do que em abertura aos outros.

«A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida. Já várias vezes convidei a fazer crescer uma cultura do encontro que supere as dialéticas que colocam um contra o outro. É um estilo de vida que tende a formar aquele poliedro que tem muitas faces, muitos lados, mas todos compõem uma unidade rica de matizes, porque «o todo é superior à parte». O poliedro representa uma sociedade onde as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças. Na realidade, de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo. Isto implica incluir as periferias. Quem vive nelas tem outro ponto de vista, vê aspetos da realidade que não se descobrem a partir dos centros de poder onde se tomam as decisões mais determinantes» (n. º 215).

No mesmo documento pontifício aparece a referência ao mesmo tema do poliedro já nos números 144 e 145. «O universal não deve ser o domínio homogéneo, uniforme e padronizado duma única forma cultural imperante, que perderá as cores do poliedro e ficará enfadonha»… «Trabalha-se no pequeno, no que está próximo, mas com uma perspetiva mais ampla. (...) Não é a esfera global que aniquila, nem a parte isolada que esteriliza». É o poliedro, onde ao mesmo tempo que cada um é respeitado no seu valor, «o todo é mais que a parte, sendo também mais do que a simples soma delas».

 

Vejamos, então, algumas das linhas-força que o Papa realça, tendo mesmo em conta outras das suas intervenções sobre isto que aqui designa por ‘nova cultura’:

* ‘Fazer crescer uma cultura do encontro que supere as dialéticas que colocam um contra o outro’ – eis uma forma simples de denunciar muitas das capciosas influências marxistas com que nos andamos a entreter, isto é, nas lutas, por vezes, hostis e inúteis, tanto de palavras como de intenções mal resolvidas.

 

* ‘O poliedro representa uma sociedade onde as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças’ – pela figura cultural do poliedro podemos e devemos aprender a conviver com as diferenças das pessoas, porventura não aceitando acriticamente as suas ideias, mas nunca por nunca abjurando as pessoas, pois essas merecem-nos respeito cada um como é, mesmo nos possíveis erros, falhanços e limitações.

 

* Efetiva e afetivamente ‘de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo ‘ – esta configuração de vida faz-nos humildes e verdadeiros para connosco mesmos e uns para com os outros, pois será nesta perspetiva de intercomunhão que haveremos de deixar-nos tocar pelos dons, qualidades e carismas alheios, mais do que pela prosápia da nossa (minha) factual leitura da vida.

Ultrapassado este subjetivismo – por diversas vezes o Papa chama-lhe idolatria do eu, que leva ao isolamento e ao descarte dos outros – poderemos restaurar aquilo que Francisco realça como sendo a ‘amabilidade’:

- ‘O individualismo consumista provoca muitos abusos. Os outros tornam-se meros obstáculos para a agradável tranquilidade própria e, assim, acaba-se por tratá-los como incómodos; e a agressividade aumenta’ (n.º 222);

- ‘De vez em quando verifica-se o milagre duma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença’ (n.º 224).

Façamos, por isso, surgir, cultivemos e ousemos viver numa nova cultura da amabilidade e vendo os outros em poliedro…de respeito, de desculpa e de partilha.

 

António Sílvio Couto

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