‘Laparoto’
é um adjetivo regionalista transmontano que significa: astucioso, manhoso,
espertalhão…
Ora,
não será este um bom atributo para nos referirmos a tudo (e o resto) quanto vai
acontecendo no nosso tempo e numa razoável parte de quantos/as intervêm na vida
pública? Certas artimanhas à portuguesa não passam de habilidade e de astúcia
quanto baste para seduzir e tentar endrominar tantos/as e seus arredores? Não
seremos todos filhos/as de uma cultura que se tem deixado nortear pela manha, a
esperteza e alguma astúcia dissimulada ao longo da vida?
= Fique,
desde já, uma espécie de declaração prévia: o qualificativo de ‘laparoto’ não
pretende atingir os outros – seja lá quem for – mas envolve-nos a todos, nessa
nota cultural transversal ao comportamento e não como avaliação ético-moral.
Seria de muito mau gosto ou poderia ser considerado ostracizante tentar chamar
os outros como ‘laparotos’, sem nos incluirmos na leitura que os demais possam
fazer de nós. Deste modo o termo ‘laparoto’ qualifica o nosso comportamento,
pela envolvência que dele se pode fazer para que, cada um de nós, possa ver-se
ao espelho daquilo que é e de quanto os outros o são como o nosso próprio
espelho!
= Em
Portugal (quase) sempre tivemos ínclitas vozes de denúncia, tribunos que
inflamam o público/povo com tiradas de combate, arautos da palavra e da
promoção de tudo e do resto…desde que se não vá esmiuçar se há coerência entre
aquilo que se diz e tanto do que se não faz. Quantas vezes os promotores da
luta contra a pobreza o fazem, vestidos com roupa de marca (correta ou
contrafeita). Quantas vezes ouvimos vozes altissonantes a propagandear
igualdade para com todos, mas que não pagam o justo àqueles/as que os servem.
Quantas vezes percebemos certas lutas até contra as alterações climáticas, mas
que isso se verifica sob a ventilação de ar condicionado, que prejudica esse
mesmo clima o qual dizem defender ou se transportam em veículos cómodos, que
injetam no ar combustões bem mais prejudicais do que outras conjunturas.
Não
estaremos a fazer dos outros uns tais laparotos sem reflexão ou desprovidos do
mínimo de tino? Não estaremos a contar mais com a nossa esperteza sem
atendermos, minimamente, à inteligência alheia? Não estaremos a guiar-nos mais
pela autoadulação, sem nos apercebermos que já compreenderam a nossa
incoerência e talvez esse outro oportunismo?
= Como
‘laparotos’ quase nunca assumidos, mas suficientemente praticantes, precisamos
de fazer um processo de autoanálise, de forma a sermos mais coerentes com
aquilo que pensamos e a vivermos de acordo com o que pensamos e não a pensar de
harmonia com aquilo que vivemos. Não haja dúvida que os princípios do
cristianismo são de uma importância e ousadia impressionantes. O problema está
na coerência de vida entre o que dizemos acreditar e tanto daquilo que não
manifestamos, de verdade. Os valores do Evangelho comportam sinais de enorme
desafio, mas será sempre muito importante deixarmo-nos guiar por eles, de modo
a que não fiquemos nas boas intenções – já seria bom que as tivéssemos – sem
tentarmos traduzir na prática aquilo em que dizemos crer…
Tenho
para comigo que boa parte deste clima de laparotice – substantivo constituído a
partir da palavra ‘laparoto’, que nos serve de tema para este escrito – se deve
a que muitos dos que se dizem cristãos/católicos se envergonham da sua fé e se
escondem por entre ramagens de pouca credibilidade, tanto no pensamento, como
na vivência. Seguem alguns dos critérios do Evangelho, mas votam em opções que
contradizem aquilo em que dizem crer. Vivem uma prática religiosa que mais
parece um descargo de trejeitos exotéricos do que algo que lhes saia do
coração. Misturam fés com crenças e fazem do tecido da vida uma espécie de
ritual a roçar alguma superstição, senão mesmo algum paganismo recauchutado ou
neopaganismo em moda.
Muito
sinceramente: sinto-me, em muitas circunstâncias, um tanto laparoto neste
quadro humano, social, cultural e espiritual com que nos vamos entretendo… até
para entender e ajudar os outros a serem menos laparotos!
António Sílvio Couto
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