Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 10 de junho de 2025

Parentalidade: autoritária, autoritativa ou gentil?

 



Nestas coisas da educação e da intervenção dos pais nesse processo vemos surgirem várias posições senão mesmo opiniões e correntes. Num tempo ainda em que se torna complicado conciliar a participação dos pais na educação dos filhos e/ou a delegação da mesma educação nas escolas, vemos que aparecem propostas que têm tanto de interessante quanto de desafiador. Desde logo o que é a parentalidade autoritária? Como funciona a parentalidade autoritativa? Como se entende ou como se diferencia ou se complementa a autoridade autoritativa com a parentalidade gentil?

1. Vejamos quais são os conceitos e como se podem implementar… ao menos teoricamente.

* A parentalidade autoritária é caracterizada por regras rígidas, exigências elevadas e pouco calor humano (porque “o mimo estraga”), tem sido objeto de estudo para compreender as situações do impacto no desenvolvimento infantil no sentido de autonomia e de independência da criança e das implicações duradouras na capacidade de uma criança afirmar a sua autonomia.

* O estilo parental autoritativo dá-se quando os pais são calorosos e sensíveis com seus filhos, mas, ao mesmo tempo, estabelecem limites usando reforços positivos e conversando com eles para evitar punições. A parentalidade autoritativa procura encontrar um equilíbrio entre estrutura e carinho.

* A parentalidade gentil, tal como a parentalidade 'autoritativa', realça a importância dos limites, mantendo o afeto e a empatia. No entanto, este conceito é aplicado de forma diversa em diferentes famílias.

2. Por diversas vezes se tem considerado a atual geração – ao nível geral e especificamente em Portugal – como a mais qualificada, isto é, a melhor preparada nas condições de instrução, no trato com as (novas, só para os mais velhos) tecnologias e mesmo no desenvolvimento de sensibilidades a temas relacionados com a ecologia, novos empregos baseados na linguagem da internet… e concomitantemente é a geração que adia os compromissos de vida, saindo da casa dos progenitores cada vez mais tarde, quase excluindo o compromisso de casamento ou de outra forma de vocação estável. Nem sempre os empregos correspondem às qualificações, a remuneração do trabalho fica aquém do esperado e da preparação profissional, muitas vezes têm de se sujeitar a uma de duas soluções: baixos salários ou emigrar para manter as expetativas de melhores e esperadas condições de vida…agora e no futuro.

3. Comparativamente com a geração anterior, ter uma profissão era uma garantia de estabilidade. Durante o ciclo de vida laboral com dificuldade se mudava de profissão. Quase havia a certeza de que se podia prever comedidamente o futuro e isso permitia constituir família. Agora vemos que a incerteza é a previsão mais do que normal. Urge, por isso, que não nos fiquemos em arquétipos ou imitações de outros, que nem sempre dão ao mesmo resultado em todos os casos. Como podem crescer na responsabilidade – sinal de maturidade humana e psicológica – os filhos que se acomodam – chamam-lhes ‘geração canguru’ – a ficarem na casa dos pais, mesmo que tendo emprego e vivam com os seus proventos pessoais? Será que participam nas despesas da casa e aprendem a gerirem as suas economias?

4. Os pais de hoje, por seu turno, nalguns casos, não querem dar aos filhos a educação rígida – dentro do quadro da parentalidade autoritária, que receberam – e ainda não descobriram como podem e devem ser, hoje, pais, sem deixarem de ser meros comparsas dos filhos e das filhas. Não deixa de ser algo quase anedótico que algumas mães fiquem elogiadas, quando lhes dizem que parecem irmãs das filhas! Não terá falhado nada na educação e na maturidade de todas?

5. Nalgumas situações cultiva-se a aparência exterior, tentando iludir a passagem dos anos, mas com facilidade se descobre que a mentalidade não se disfarça com retoques de gabinete de estética e, pretensa, beleza. Ser gentil com os filhos implica não esquecer, por parte dos pais, o tempo em que foram filhos, para que agora possam ser promotores da responsabilidade naqueles que lhes foram concedidos como filhos/as.


António Sílvio Couto



segunda-feira, 9 de junho de 2025

Transtorno ‘borderline’

 


O ‘transtorno de personalidade bordeline’ é a forma como uma pessoa se percebe ou compreende a si mesma, como lida com as emoções e como se relaciona com os outros. Caracteriza-se por um padrão persistente de instabilidade emocional, impulsividade e dificuldade em manter uma autoimagem consistente.
Vejamos, em resumo, como se manifestam estes vários itens nas pessoas com este ‘transtorno de personalidade bordeline’, tanto parcelar, quanto na totalidade:

* Instabilidade emocional: mudanças rápidas e extremas de humor, que podem variar de momentos de euforia a depressão, passando por raiva, ansiedade e medo.
* Impulsividade: dificuldade em controlar os impulsos, como gastar dinheiro descontroladamente, ter relações sexuais de risco, abusar de substâncias ou cometer atos de automutilação.
* Autoimagem instável: perceção de si mesmo que muda constantemente, podendo variar de momentos de extrema autoestima a momentos de autodepreciação.
* Problemas de relacionamento: dificuldade em manter relacionamentos estáveis e saudáveis, com medo de abandono e a tendência a se envolver em relacionamentos turbulentos.
* Medo de abandono: sentimento intenso de que as pessoas importantes em sua vida podem deixá-lo, o que pode levar a comportamentos extremos para evitar esse sentimento.

= Diante deste diagnóstico e tendo em conta as diversas caraterísticas, não haverá por aí muitas pessoas – na vida social, política, cultural ou religiosa – que sofrem deste transtorno psicológico-mental? Não deveríamos todos ser mais humildes e deixarmo-nos tratar deste transtorno (aceite ou presumido), aceitando as etapas terapêuticas e até medicamentosas? Se, por breves momentos, pararmos e virmos as atitudes, as palavras, os gestos e os comportamentos de certos políticos – ao perto como ao longe – não serão doentes deste transtorno? Certas ações religiosas – centradas mais no ritual e no tradicional – não andarão a roçar este transtorno, sem disso ainda se terem dado conta? Boa parte dos interventores na vida social – com os influencers à testa – e de um certo mundo da ‘nossa’ cultura – alicerçada na dimensão materialista da pessoa – não serão dos melhores cultivadores e difusores inconscientes deste transtorno? Dá a impressão que, mais pessoas do que julgam, precisam de atender ao seu estado psicológico-mental, deixando que os outros – sim, perante estas facetas de doença nem sempre o próprio é o melhor paciente – nos ajudem a enfrentar estas questões com verdade e com assumido desejo de sermos cuidados com lealdade e sinceridade.

= Segundo os especialistas nesta matéria, o ‘transtorno de personalidade borderline’ é tratado com uma combinação de psicoterapia e, em alguns casos, medicamentos. A psicoterapia, como a ‘terapia dialética comportamental’ e a ‘terapia cognitivo-comportamental, é essencial para ajudar a pessoa a lidar com as dificuldades de regulação emocional, a controlar os impulsos, a melhorar as relações interpessoais e a reduzir comportamentos autodestrutivos. Medicamentos, como antidepressivos, estabilizadores de humor e antipsicóticos, podem ser usados para ajudar a controlar sintomas como depressão, ansiedade, instabilidade de humor e impulsividade.



= Tendo em conta às circunstâncias em que todos, de uma forma ou de outra, andamos envolvidos, precisamos de atender a tantas prevenções que nos são feitas, pois a falta de serenidade da vida proporciona-nos o desenvolvimento de muitas das condições que fazem desencadear e desenvolver este transtorno ‘bordeline’. Em jeito de proposta deixo aqui a dita ‘oração da serenidade’, bem útil e benéfica em tantos momentos da nossa vida: «Concedei-me, Senhor a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar. Coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para conhecer a diferença entre elas. Vivendo um dia de cada vez, desfrutando um momento de cada vez, aceitando que as dificuldades constituem o caminho à paz, aceitando, como Ele aceitou este mundo tal como é, e não como eu queria que fosse, confiando que Ele acertará tudo contanto que eu me entregue à Sua vontade para que eu seja razoavelmente feliz nesta vida e supremamente feliz com Ele eternamente na próxima».



António Sílvio Couto

sábado, 7 de junho de 2025

‘Sardinhas ao prato’!


 A sabedoria popular é rica em recursos com questões ligadas à comida, criando adágios subtis e de grande riqueza cultural. Ora, neste tempo em que a sardinha vai passar a ser pitéu muito degustado, recorro à expressão: ‘sardinhas ao prato’ para tentar falar do modo como devemos tratar assuntos que foram (ou podem ter sido) malcuidados anteriormente.

1. Explicando a expressão: sardinhas ao prato.
Antes de querer significar que colocamos a sardinha no prato, depois de a termos tratado com mais cuidado do que os outros, numa certa esperteza, daqui adviria dessa outra expressão - ‘puxar a brasa à sua sardinha’, como forma de cada pessoa colocar a sua sardinha mais perto das brasas para assim assar mais rápido, isto é, defendendo os seus interesses sobrepondo-se aos outros... A exclamação – ‘sardinha ao prato’ quer reclamar que o assunto, que estava quase resolvido, tem de voltar a ser tratado, como que refazendo a divisão das sardinhas já distribuídas... Deste modo as prioridades na distribuição têm de ser retomadas, revistas ou conjugadas porque algo aconteceu que atrapalhou a correta distribuição das sardinhas que estavam no prato...

2. Saindo da etapa culinária desta abordagem do tema e tentando ver as questões no âmbito da revisão de critérios e dentro da prossecução das finalidades que podem ter sido menos bem aferidas, poderemos considerar que repor as ‘sardinhas no prato’ faz-nos: situar na vivência da justiça entre as pessoas e nos grupos; apurar as perspetivas de todos e não só de alguns, possivelmente mais espertos no trato com os outros; gerar humildade para reconhecer que houve algo de errado e isso ainda se pode recompor a contento de todos; gerar, que é muito mais do que gerir, confiança de todos em todos, sem prejuízo de ninguém; proporcionar novas discussões, onde todos possam ser atendidos e não somente uns tantos mais lestos no açambarcar, mesmo que possa não ser comida.

3. Consta que no recente apagão de eletricidade, a 28 de abril, se verificou uma corrida desenfreada aos bens de consumo, com pessoas a comprarem avidamente mas que, no dia seguinte, retomada alguma da normalidade, pretendiam devolver os bens adquiridos em excesso. Claro que aqui está um exemplo de má gestão dos recursos e, pior, de desrespeito pelos outros concidadãos, certamente também necessitados dos mesmos bens. Deste modo se viu a má qualidade e a pior falta de educação de um povo, que se remedeia sem atender aos outros.

4. A educação de um povo não se mede nem avalia pela instrução auferida e tão pouco pelos cursos dados e/recebidos, mas pela atenção aos outros e à resolução dos seus problemas, desde os mais simples e rotineiros até aos mais complexos e sinergéticos. Aqui poderemos considerar se o sucesso do ‘banco alimentar contra a fome’ revela um país educado para a solidariedade ou se uma nação mais atenta aos seus interesses, mesmo que disfarçando a ‘esmola’ para os outros... Como tantas vezes se ouve: hoje por eles e para eles, amanhã poderá ser preciso para mim…

5. A arte e o engenho de tantos projetos já realizados precisa de contar com a nossa bonomia mais ou menos disfarçada de precaver os insucessos futuros, tentando semear no tempo de abundância relativa. Somos ainda uma população nacional a ritmos de desenvolvimento humano, social, económico e cultural muito díspares, onde coexistem situações de esbanjamento e casos de clamorosa miséria... às vezes na mesma rua, prédio ou freguesia. Precisamos de atender a que poderá acontecer que nem todos tenham sardinhas no prato e outros lançam-nas para o lixo por desrespeito pelos mais pobres.





António Sílvio Couto

segunda-feira, 2 de junho de 2025

A ventura do almirante

 

Estamos a viver tempos confusos na nossa vida política em geral e naquilo que tem a ver com os órgãos decisores da frágil democracia em que vivemos: quase do nada um partido subiu de um deputado para sessenta, em seis anos (de 2019 a 2025) e perfila-se na linha de partida – tantos anos depois – um militar da marinha para ocupar a cadeira de Belém. Num país em convulsão temos dois dados – objetivos e racionais – que nos obrigam a parar e a questionar o caminho por onde vamos e, sobretudo, com quem vamos...que é muito mais do que ser levado na onda.

1. Depois de anos e de décadas de alguma rotina entre os campos ideológicos, numa quase alternância entre uns e outros – da esquerda à direita e vice-versa – foi introduzida, a partir de 18 de maio deste ano, uma nova componente ao bipartidarismo, não que seja uma diferença ideológica, mas antes uma outra variante mais radical com sabor a populismo de direita. Um partido unipessoal – é o chefe e pouco mais de valor – surgiu e vingou no quadro eleitoral, tanto dentro como fora do país. Se bem que muitos tentem encontrar as consequências daquela votação, talvez fosse urgente, e porque não mesmo necessário, descobrir as causas desta mudança e de adesão de um terço dos eleitores, cerca de um milhão e meio de votos registados.

2. No campo das eleições presidenciais emergiu uma figura – desfardado, embora com galões por ter sido usufrutuário do regime – que tem tanto de subtil quanto de enigmática: arrastou-se para sair do casulo e foi jogando com as sombras de quem o podia apoiar ou de descontentes com o sistema, à semelhança das simpatias para com o tal partido unipessoal... Um e outro apresentam-se contra o ‘esquema’ (eleitoral, social, político, partidário e quase económico), mesmo que usando as mesmas armas, que tanto combatem e contestam. Do panorama da apresentação da candidatura ficou a pálida ideia de que mudar o regime, embora mais pareça um ‘cavalo de tróia’ mal arreado e com pontas soltas da desejada âncora de amarração... Dado que o aparecimento se deu no dia seguinte ao feriado de maio de 26, notou-se na voz a saudade de outro grande almirante defunto… Vemos emergirem certas figuras de antanho – quais ressabiados de outras ideologias – para acolitarem o almirante!

3. Novamente está a comunicação social (bem como as ‘redes sociais’) a incorrer na mesma mazela que projetou o ‘partido unipessoal’ às glórias da ascensão: falar – mesmo que de forma crítica – é a melhor propaganda, barata, eficiente e assaz indecente. É preciso que aprendam a tratar com implantados nas horas de maior visibilidade: à mais pequena cedilha (esta poderá ser a denominação das excrescências dos pardais) ei-los na crista da notícia, mesmo que fosse para dizerem mal, o que importava era aparecer... O Almirante tem outras referências das ‘suas’ gaivotas agoirentas e usá-las-á para não sair da pantalha... ele ou os seus sequazes. Aprendam e corrijam o tiro sem nexo nem causalidade!

4. Há coisas que exigem explicação: foi porque cumpriu a tarefa – militar e de serviço público – que o almirante tem de ser elevado à cátedra de Belém? Outros que cumpriram a sua missão têm idêntico reconhecimento? Tantos anónimos que deram a vida pelos outros não merecem que o país lhes agradeça? Como entidade do meio castrense não passa de um elo da cadeia, nunca a cúpula sem base...

5. As duas figuras que temos estado a referenciar estão bem um para o outro: um parece ser democrata e outro não disfarça as suas origens (como agora se diz) de autocrata, não fosse ele militar, a ser obedecido quase acriticamente em hierarquia. O país não será um quartel e tão-pouco um submarino em maré de exercício. De forma idêntica não poderemos permitir que façam de nós uma espécie de manipulados por quem fala-sem-pensar e/ou que julga pensar depois de falar. Já é tempo de acordarmos para o mal feito e de nos prevenirmos para o que poderá acontecer se dormirmos embalados pela conversa de que será um ‘presidente diferente’...De quem falava de mais, iremos ter quem fala de menos?


António Sílvio Couto

‘É sempre assim ou só quando está de farda?’

Esta frase pensei-a muitas vezes, quando via o comportamento de um certo element das forças de segurança, que se tornava arrogante e intransigente – nas regras de trânsito – para com toda a população, inclusivé para com os da sua família: multava a torno-e-a-direito tudo e todos sem apelação.

Já nessa ocasião considerava que correria risco de ter problemas com tal ‘autoridade’, podendo mesmo vir a ser detido, dependendo da interpretação do interlocutor. Por isso, agora deixo uma breve reflexão para com tantos ‘fardados’ – e não são só elementos policiais, mas também tantos outros que parecem assumir outra personalidade fora da sua condição civil…

1. Será que a ‘farda’ confere outra personalidade a quem a veste? A dita farda terá simbolicamente a capacidade de alterar a personalidade de quem dela se reveste? Não será que as ‘profissões’, que são exercidas sob a tutela de alguma farda, levam quem a assume esse ‘algo’ que ultrapassa a personagem por ela assumida? Talvez estas deambulações possam confundir quem exerce a sua profissão tendo de usar alguma forma de farda. No entanto, podemos e devemos ser capazes de saber discernir o alcance mais profundo e com implicações sociais dessa identificação para que isso não condicione nem atrapalhe o que somos e como vivemos…

2. Antes de mais convém considerar que quem é (ou pensa que é) superior, ostentando uma farda pode, mesmo sem disso ter total consciência, apresentar a propensão de abuso de autoridade. Cada vez mais vão surgindo casos em que os subalternos apresentam queixa por abuso de poder ou mesmo por exercício de abuso emocional, psicológico… podendo até verificarem-se casos de assédio em razão da farda usada. Estas formas de abuso ou assédio revestem várias formas, desde as verbais, passando pelas físicas ou até de índole moral/ético.

3. Há, no entanto, no espetro nacional, outras figuras que, em razão de terem usado farda, quase se apresentam como personalidades titulares de mais regalias do que o comum dos cidadãos. Para tal até ser servem de ações de índole cívica, mas que os aureola de personagens pretensamente superiores: só porque cumpriram o seu dever – mesmo militar – já olham os outros da sua altivez sobranceira… E não é que uns tantos papalvos vão na cantiga, com se fossem arregimentados pela descrença reinante sobre os agentes politicos e que são catapultados pela pretensão de sairem do anonimato ou do limbo a que foram votados pelos correlegionários de antanho… De novo sou levado a questionar: é sempre assim ou só quando usava e se aproveita da farda?

4. Se há questão que me desagrada, senão mesmo que abjure, é essa de haver pessoas que usam a farda – seja beca, batina, seja bata com estetoscópio ou mera referência de receção – para aviltarem os que precisam de algum serviço e que possa ser triado porque quem ostenta tal superioridade. Embora não tenha muitas nem más experiências de tais pessoas, considero uma ofensa aos demais cidadãos que sejam obrigados a prestar vassalagem a quem ofende os mais vulneráveis.

5. Em tempos ouvi a um militar (padre) de alta-patente dizer a um outro oficial do mesmo ramo: ‘aqui dentro o senhor é respeitado pelos galões que apresenta, mas lá fora, sem farda, não impóe mais respeito… do que eu que sou sempre a mesma pessoa, esteja onde estiver’… Aprendi a lição e tento ser o mesmo com ou sem indumentária de vocação, que não de mera profissão!



António Sílvio Couto

terça-feira, 27 de maio de 2025

‘Bebés reborn’ – ilusão disfarçada de ternura?

É um fenómeno que está a confundir alguns. De que trata este assunto? Os ‘bebés reborn’ são bonecas/bonecos de porcelana ou de silicone, mas não parecem. Chamam-se ‘bebés reborn’ e foram criadas para imitar com realismo extremo todos os aspetos de um recém-nascido, desde o peso até ao cheiro, passando pela textura da pele ao cabelo cosido fio a fio, tendo até cuidados ‘médicos’ como se fossem crianças...a sério!

1. Qual a origem e o desenvolvimento destes ‘bebés reborn’? Parecem recém-nascidos, mas uma observação mais atenta revela detalhes tão meticulosos que rapidamente se percebe a diferença: trata-se de um boneco criado para se fazer passar por um ser vivo. Estas criações são o resultado de um trabalho artístico e técnico rigoroso, concebidas para se parecerem, sentirem e, até cheirarem como bebés verdadeiros. Este fenómeno dos ‘bebés reborn’ nasceu nos anos 90 do século passado, mas tem ganho nova popularidade nos últimos anos, impulsionado por comunidades online, artistas especializados e até um interesse crescente pelo valor emocional e terapêutico das peças. Estas bonecas/bonecos pesam pouco mais de um quilo e meio, são feitas/os a partir de misturas de silicone patenteadas. Os moldes podem ser esculpidos à mão ou até impressos em 3D a partir de bebés reais, o que contribui para um nível quase inquietante de realismo. Os rostos são meticulosamente pintados, a pele tem um toque aveludado, macio e maleável e o cabelo é implantado fio a fio. Estão perfumados com uma fragrância que evoca pó de bebé, pele nova e leite materno, numa combinação criada para despertar ternura quase instintiva.

2. Sendo algo que tem vindo a criar uma crescente e complexa aceitação, senão mesmo difusão nos meios virtuais, o que pode significar de mais profundo este fenómeno? Estaremos a vivenciar uma crise de identidade social mais complexa do que essa mera simpatia para com estes bonecos de faz-de-conta? O fascínio destes ‘bebés reborn’ parece revelar a evocação de outras emoções profundas, muitas vezes ligadas a experiências de vida, como o luto, a maternidade, ou simplesmente do desejo de cuidar, podendo ainda situar-se na linha de tentativas de colmatar uma certa maternidade frustrada, seja pela infertilidade, por alguma experiência de aborto ou por perda gestacional.

3. De entre tantas reações a esta onda de ‘rebonismo’, há quem contraponha a concomitância com tantas crianças abandonadas e sem haver que cuide delas atentamente. Outros ainda situam-se na linha de que estes ‘bonecos’ já trazem livro de instruções, coisa que as crianças de carne-e-osso não apresentam e, por conseguinte, os pais/progenitores têm de aprender a lidar com o ‘presente’, seja ele como for, é um ser vivo. Outros mais exagerados consideram que os ‘bebés reborn’ são ainda menos valiosos do que os animais de companhia, domésticos ou de estimação, pois, estes, como seres vivos, reclamam da não-atenção dada e podem tornar-se algo mais exigente até do que as crianças nascidas…

4. Há, no entanto, uma reflexão que exige capacidade de interpretação deste fenómeno dos ‘bebés reborn’: serão uma ilusão disfarçada de ternura, mais na incidência virtual do que real? Não serão mais uma substituição simbólica, transformada em realidade alternativa? Não será que a empatia gerada com e pelos ‘bebés reborn’ se está a tornar em alienação quase coletiva? O assunto é sério e exigente.

5. De facto, nota-se mais uma vez não só a inversão de valores, mas a sua confusão, privilegiando o que parece àquilo que é e fazendo com que se procurem compensações emocionais onde deveria haver simpatia e compaixão não com coisas – os ‘bebés reborn’ são material disfarçado – mas com pessoas, sentindo os seus sentimentos, quantas vezes baralhados por razões quase inexplicáveis. Sem nos darmos conta as emoções das pessoas foram-se tornando endurecidas e a sua expressão em faceta humana como que eivadas de sentimentos interesseiros e gananciosos. Urge humanizarmo-nos com humildade e verdade.



António Sílvio Couto

sábado, 24 de maio de 2025

Síndrome de ‘peter pan’ - sinais e desafios

 

A ‘síndrome de Peter Pan’ caracteriza-se por determinados comportamentos imaturos em aspetos de capacidades, psicológicos, sexuais ou mesmo sociais. No entanto, não há evidências de que esta síndrome seja uma doença psicológica real, e por isso não está referenciada nos manuais de transtornos mentais... A ‘síndrome de Peter Pan’ é uma condição em que a pessoa se sente insegura e insatisfeita com tudo e não assume responsabilidades...

1. Caraterísticas da ‘síndrome de Peter Pan’: a incapacidade de alguém em acreditar que é mais velho ou de se envolver num comportamento associado à idade adulta. Esta síndrome afeta pessoas que não querem ou se sentem incapazes de crescer, pessoas com corpo de adulto, mas mente de criança. Não sabem ou não querem deixar de ser crianças. O termo vem do personagem infantil fictício Peter Pan, que nunca envelhece... Embora seja mais comumente atribuído aos homens, pode afetar também as mulheres. Algumas características deste transtorno são: a incapacidade dos indivíduos de assumirem responsabilidades, de se comprometerem ou de cumprirem promessas, bem como o cuidado excessivo com a aparência e o bem-estar pessoal e a falta de autoconfiança, mesmo que pareçam não mostrá-lo e possa parecer exatamente o oposto. Além disso, eles estão constantemente mudando de parceiros e procurando os mais jovens.

2. Perante este panorama descritivo, algo complexo e difuso, não haverá por aí - mesmo na política mais recente - muitos ‘peter’s pan’s’ disfarçados, camuflados e não assumidos? Como poderemos contar com pessoas que dizem e se desdizem em tudo e o seu contrário em menos de poucas horas? Não haverá por cá muitos/muitas que precisam de se esconder nas suas fragilidades, ostentando mais as vaidades do que aquilo que de facto valem? Como diria uma mensagem publicitária: o que impede de mostrar o ‘peter pan’ que há em si’?

3. Quais as causas da ‘síndrome de Peter Pan’?
Existem muitas causas que podem gerar a ‘síndrome de Peter Pan’. Entre elas, problemas no período da infância são os que têm mais probabilidade de gerar como consequência uma pessoa que se recusa a amadurecer e entrar na vida adulta. Ter uma infância muito feliz, com poucas frustrações e um conforto muito grande, assim como pouco estímulo dos responsáveis para que a criança comece a ter mais responsabilidades e amadureça pode ser uma outra das causas dessa síndrome. Outro fator pode ser passar por uma infância muito conturbada, que não pode ser realmente aproveitada. Então, começar a trabalhar muito cedo ou a tornar-se responsável pela família sem poder escolher outra coisa... Pelo que podemos depreender a raiz da ‘síndrome de Peter Pan’ radica no tempo da infância, seja pelo maior protecionismo, seja pela menos rápida assunção de responsabilidades sem preparação adequada.

4. Como lidar com pessoas que apresentam (clara ou subtilmente) esta ‘síndrome de Peter Pan’? Quem tem esta síndrome comporta-se de forma impulsiva, sem tolerar frustração ou comentários negativos. Quem tentar criticar alguém com ‘síndrome de Peter Pan’ pode deparar-se com uma birra, igual àquela que uma criança faria, se for contrariada. Pessoas com ‘síndrome de Peter Pan’ costumam ser inseguras, tendo pouca confiança em si mesmas, procurando apoio nas figuras familiares, que irão ajudar na tomada de decisões ou em situações em que precise de segurança. Deste modo, papéis importantes (como ser pai, casar e trabalhar ou crescer profissionalmente) são evitados a qualquer custo... Não será que, neste tempo após a pandemia, a ‘síndrome de Peter Pan’ está mais viva do que nunca?

5. Uma sugestão: tente descobrir sinais desta síndrome à sua volta e poderá ter algumas surpresas.



António Sílvio Couto

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Precisamos de políticos ‘profissionais’ (preparados, competentes, servidores)

 


Quem imaginaria ouvir e, sobretudo, submeter-se a alguém que fosse um médico ‘não-profissional’, isto é, que exercesse a profissão sem preparação ou sem dedicação exclusiva? Deixaríamos ir para escola crianças que não fossem ensinadas por professores ‘não-profissionais’? Entregaríamos o carro aos cuidados de um indivíduo que se dissesse mecânico e que não fosse ‘profissional’? Então porque entregamos as decisões sobre o nosso futuro coletivo a pessoas que afirmam que não são políticos ‘profissionais’, isto é, que estão na atividade política (pública) mas não se vinculam nas decisões pelos outros ou que usufruem de vencimentos pagos pelo erário público, mas que funcionam como ocasionais ou parecem predadores à la carte?

1. Em qualquer atividade da vida deveríamos exigir que se verificassem, entre outras, estas qualidades ou caraterísticas: vocação para o exercício da atividade, preparação (mínima, suficiente ou máxima) e sentido de serviço mais do que de usufruto de regalias ou de proventos materiais.

2. Vem esta deriva que aqui partilho, sem querer ofender nada nem ninguém, a propósito de frases algo desconexas no conteúdo e na forma, que se ouvem de pessoas que se apresentam (ou aparecerão) como querendo ser sufragadas pelo voto popular e que reclamam que não são políticos ‘profissionais’, que têm outra atividade e a ‘perninha’ que se propõem fazer na política – autárquica ou outra – é mais um lóbi ou forma de ocupar o tempo em entretenimento. Isto já foi habitual, mas não deveria ser aceite nem autorizado, pois, para além de vermos certos ‘patos-bravos’ de arribação chegarem e saírem muitas vezes de mãos cheias, corremos o risco de entregar, nem que seja por engano, os destinos de uma certa porção de decisões políticas a sujeitos que só querem tirar proveito da função em que se encontram, mesmo que temporariamente ou de beneficiarem os seus apaniguados ou correlegionários mais espertalhões...

3. Retomemos a caraterização daqueles que devem ser políticos ‘profissionais’, isto é, fazendo profissão com todas as condições exigências para o exercício do ato de estar na vida pública e trabalhando para o bem comum. Antes de tudo devem ter ‘vocação’, quer dizer chamamento em fazer algo pelo bem dos outros. Mesmo que possam vir do exercício de uma outra profissão, não podem renegar que, ao entrarem na vida política (serviço de cidadania), têm de manifestar vontade de dar antes de receber, de estar disponível antes de colher regalias ou benesses, de saber que aqueles que neles votaram esperam que dignifiquem a confiança depositada neles. Não será esta premissa uma espécie de utopia e quase desilusão para tantos dos nossos ‘políticos’ quase incompetentes?

4. Abona pouco ou nada em favor dos políticos ‘profissionais’ que não estejam preparados para a função que assumem. Embora possam ter assessores para certas tarefas específicas, os políticos ‘profissionais’ têm de ser arautos de humanismo, escutando mais do que decidindo à pressa. Se tivessem de ter preferidos deveriam ser os mais vulneráveis e indefesos do que os poderosos e caciques, que muitas vezes vegetam à volta da cadeira do poder. Com efeito, este, se não for exercido como serviço, tornar-se-á um antro de clientelismo, de favorecimentos e até de corrupção até ser tudo posto a descoberto...

5. Temos de corrigir, urgentemente, o chavão: os políticos são todos iguais! Há os que são mais honestos e os oportunistas (nestes incluo muitos dos ditos independentes). Há os que são dignos de credibilidade e os camuflados (nestes observo tantos que aparecem para cobrir favores e encapotar outros interesses). Há os que são sérios e os que só o parecem sê-lo quando não se riem (neste encontro os populistas e bem-falantes sem mensagem). Há os que sabemos quem são pelas provas dadas e outros que só os conheceremos se nos deixarmos enganar colocando-os no poder. Diz o povo e com razão: se queres conhecer o vilão põe-lhe o pau na mão!

António Sílvio Couto

Caminho das pedras

 

Os resultados na noite eleioral de 18 de maio podem ser lidos por muitas prespetivas e colocando-nos em diversos ângulos. Veio-me à lembrança uma passagem bíblica em que Pedro, solicitando a Jesus que o fizesse ir com ele caminhando sobre as águas(cf. Jo 6,16-21); então, aquele ao ver a força dos ventos e a profundeza do mar, começou a afundar-se, ao que (em jeito anedótico) o Mestre teria dito aos que viam temeroso em risco: João, ensina-lhe o caminho das pedras... para que ele não se afunde de vez!

De fato, há alguns dos intervenientes na resfrega eleitoral que precisam de seguir o conselho – aprender o caminho das pedras – para que não se afundem irremediavelmente e com eles o projeto político que dizem servir!

1. Antes de tudo vejamos a insignificância a que foram reduzidos os partidos da ‘dita’ esquerda: no futuro parlamento, no seu conjunto, são menos de um terço (do quadro geral): 70. Por seu turno os outros grupos (quatro no total) – apelidados/rotulados de ‘direita’, por contraste com os do outro lado – somam mais de dois terços do hemiciclo: 156... A balança desequilibrou-se de forma repentina e quase dramática. Este fenómeno exige reflexão para todos, desde os vencedores aos vencidos e, sobretudo, para quem não se deixe ficar pela espuma dos episódios mais ou menos simpáticos para as suas preferências

2. Houve agremiações partidárias que ficaram reduzidas ao mínimo e tornaram-se residuais naquilo que já foram num passado não muito longínquo. O BE que já teve dezanove deputados, fez festa por eleger apenas uma representante simbólica. Os comunistas que já tiveram quarenta e sete eleitos, depois de virem a diminuir de eleição para eleição, quedam-se por três resistentes bastiões de zonas em foram quase exclusivos. O partido mais expressivo da esfera da esquerda, para além de perder (vinte deputados desde a última eleição), pode ser ultrapassado por um outro partido que só tem seis anos de história...

3. Há questões que saltam à vista dos mais distraídos – e parecem que são tantos! – qual a explicação do fascínio que certas forças – do quadro da pretensa ‘direita’ – manifestam sobre boa parte da população mais nova? Sendo tantos o que têm mais de sessenta e cinco anos – que viveram a revolução de abril de 74 na sua adolescência – porque se foram afastando das ideias da esquerda ou pelo menos de uma certa esquerda mais radical? O que explica – colhendo as causas e não ficando-se pelas consequências – que ao sul do Tejo já não colham aceitação popular forças que se diziam defensoras ‘dos trabalhadores e do povo’? Mais uma vez as empresas de sondagens foram desacreditadas por parte significativa dos resultados finais – haverá encomenda ou os factos desmentem as pretensões? Não será que a forma de fazer política e, sobretudo, os meios de campanha eleitoral, estão esgotados e podem ser enganadores dos atores em bolha?

4. As pedras por onde têm de caminhar são mais visíveis para uns e algo subtis para outros. Dá a impressão que todos temos de refletir sobre a chegada do fenómeno do populismo a este recanto da Europa. Até agora víamos que lá fora certas forças vingavam à custa de ideias eivadas de intolerância, de propagação do medo, da manipulação contra a convivência entre os povos e as culturas, de uma certa supremacia dos residentes sobre os emigrantes... Tudo isto e muito mais subterrâneo está cá dentro e atingiu foros de arrogância, tanto nas palavras como nos gestos e ações.

5. Não vai ser fácil convencer algumas gerações que não voltaremos para traz, até porque muitos dos favores e regalias foram-lhes dados sem esforço nem como recompensa por qualquer trabalho realizado em favor dos outros. A Europa e a sociedade ocidental têm ajudado a fazer crescer a mediocridade, elevando-a ao poder. De muitas e variadas formas estamos em risco de colapso, se não soubermos perceber que o nosso futuro corre riscos, pois a maior parte vive sem valores morais/éticos e centrando-se no materialismo de vida.



António Sílvio Couto

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Subsídios para a interpretação dos resultados das eleições

 


O país mudou no dia 18 de maio de 2025: os resultados algo inesperados trouxeram à luz do dia vários indícios de que os cidadãos e os políticos não leem pela mesma cartilha, usam um alfabeto desencontrado e antes de analisar as consequências é preciso descobrir as causas.

Para usar o chavão que todos citam, mas nem sempre seguem: o povo é sábio nas suas decisões e inteligente nas suas convicções. Com efeito, mais do que encontrar desculpas, urge refletir sobre os motivos que levaram a votar em forças diferentes das habituais e até em propostas que quase escandalizam os mais ortodoxos da nossa política, sem ser mera politiquice.

1. Algumas questões antes de tentarmos encontrar as tais causas mais profundas do que as impressões ainda superficiais. Por que se dá uma divisão de escolhas a norte e ao sul do Tejo? Por que as forças ditas até há pouco tempo ‘trabalhadoras’ (de uma certa esquerda) não têm expressão nos resultados apurados? Houve algo que fez mudar e nem todos perceberem o que aconteceu? Os trabalhadores – ditos proletários na linguagem marxista – deixaram de existir ou o seu lugar foi ocupado por máquinas e de outros manobradores delas, em menor quantidade? A pretensa invasão de imigrantes foi abjurada pelos residentes, que passaram a apoiar e rever-se naqueles que defendiam a contestação? Como pode uma certa sensação ou perceção de insegurança ter contribuído para votarem em forças que se apresentam como defensores – mais tácitos do que comprometidos – do controlo migratório?

2. Nota-se que muitos dos nossos ‘políticos’ usam uma linguagem de bolha, sem adequação à realidade e, nalguns casos, querendo impor uma forma de pensar, quando o povo não descodifica a comunicação. Que dizer da mensagem de combate – diziam: taxação – aos ricos, se foram os pobres que não escolheram aquilo que eles propunham. Décadas depois cumpriu-se, no nosso país, a proposta dos suecos que queriam acabar com os pobres, contrapondo com a pretensão de Otelo Saraiva de Carvalho que desejava irradicar os ricos. Em muitos casos os ‘pregadores’ contra os ricos vestem-se com roupas de marca e com isso desacreditam a mensagem pouco condizente com o exemplo.

3. Notou-se, na maior parte dos intervenientes, um discurso excessivamente negativo e sem perspetivas de sair do fosso para onde nos empurraram alguns dos atos de tantos, que agora até sairam derrotados, como nunca antes. Houve demasiadas invetivas a roçar a ofensa, senão mesmo uma espécie de ‘execução de caráter’, como foi colocado para com certas figuras. Com efeito, a vermos pelo terminar das eleições pareceu que tal atitude não foi recompensada para alguns.

4. Houve ruído a mais, quando se tratava de apresentar as propostas de futuro. À semelhança de outras épocas notou-se um certo entretenimento mais do que esclarecimento. Em certas manifestações de índole popular – como as ditas arruadas ou os desfiles de candidatos, a difusão de cartazes ou a proposta de debates – percebemos que havia mais interesse em confundir do que em explicar, em baralhar do que em dizer a verdade, com o cúmulo de um partido que nunca divulgou publicamente quem eram os seus candidatos – consta que boa parte dos eleitos tem problemas com a justiça – até à hora da votação. Será isto querer a verdade ou serve a manipulação? Poderemos permitir que volte a acontecer sem reflexo nos resultados?

5. É tempo de deixar de brincar às coisas-e-loisas da politiquice, pois rapidamente chegou ao nosso país a vaga de ideias que podem atrapalhar a pretensa democracia. Os princípios e valores da justiça, da segurança, da defesa – que é muito mais do que armamento, como diziam alguns dos mentores na recente campanha eleitoral – a educação, que é muito mais do ensino, as condições de vivência, que é muito mais do que a simples casa/habitação, as metamorfoses da saúde, que é muito mais do que a prossecução do atual serviço nacional de saúde…Não podemos falhar: queira Deus que saibamos cuidar do que ainda resta para que não venhamos a enterrar o que sobra.


António Sílvio Couto

domingo, 18 de maio de 2025

Papas com o nome ‘Leão’

 


Agora que temos um Papa que adotou o nome ´Leão’, qual é a lista – os outros treze – daqueles que o antecederam com o mesmo nome. Antes de cada nome incluímos o número na cronologia, desde São Pedro:

45) São Leão Magno (440 a 461)

80) São Leão II (682 a 683)

96) São Leão III (795 a 816)

103) São Leão IV (847 a 855)

118) Leão V (903)

123) Leão VI (928)

126) Leão VII (936 a 939)

131) Leão VIII (964 a 965)

152) São Leão IX (1049 a 1054)

217) Leão X (1513 a 1521)

232) Leão XI (1605)

252) Leão XII (1823 a 1829)

256) Leão XIII (1878 a 1903)

267) Leão XIV (2025…

= Se atendermos à divisão da História por milénios temos que no primeiro houve oito papas que escolheram o nome de ´Leão’, no segundo milénio houve cinco e já no terceiro milénio foi agora o Papa Leão XIV. De referir que da lista em cada milénio temos um santo – São Leão Magno ao final a Idade Antiga, com mais quatro papas canonizados – e um – São Leão IX – na transição para o segundo milénio, no contexto da designada Idade Média

= Vejamos agora algo de cada um destes Papas de nome Leão, atendendo ao contexto sociopolítico bem como à vivência ecclesial.

* Leão I ou são Leão Magno, foi papa entre 29 de setembro de 440 e sua morte em 10 de novembro de 461. Aristocrata de origem italiana. Foi ao encontro de Átila, chefe dos hunus, em 452, para persuadi-lo a desistir de sua invasão de Roma. É considerado ‘doutor da Igreja’, lembrado pelo "Tomo de Leão", um documento que foi fundamental durante os debates do Concílio de Calcedónia. Este concílio ecuménico tratou principalmente de questões cristológicas de definição de que Cristo é há hipostática de duas naturezas - humana e divina - unidas na única pessoa, "sem confusão e nem divisão".

* Leão II, papa de 17 de agosto de 682 a 28 de junho de 683, era siciliano de nascimento. Foi durante o pontificado de Leão II que a dependência da sé de Ravena da de Roma foi estabelecida definitivamente por um edito imperial.

* Leão III – foi o 96.º Papa e é um santo da Igreja Católica. Romano, de origem modesta,foi o responsável pelas roupas e pelos objetos preciosos da Basílica de Latrão, em Roma. No mesmo dia da morte do papa Adriano I (795), o clero, contrariando abertamente a nobreza romana, nomeou-o papa. A sua eleição provocou graves desordens em Roma, sobretudo entre os partidários do papa que morrera, que viam seus interesses ameaçados. A coroação imperial de Carlos Magno por parte de Leão III não teve precedentes e assinalou a retomada do Império Romano do Ocidente. No campo doutrinal, o pontificado de Leão III foi marcado por diversas disputas teológicas, dentre as quais se destacam a questão do adocionismo, que foi definitivamente condenado (799), e a questão do "Filioque".

* Leão IV foi consagrado como o 103.º Papa em 10 de Abril de 847. Morreu em 17 de julho de 855. Nasceu em Roma, onde foi educado no Mosteiro de São Martinho. Era monge beneditino. Fortificou com altas muralhas a colina do Vaticano e a zona em torno da basílica de S. Pedro, que tinha sido saqueada pelos sarracenos, criando a "Cidade Leonina". A fim de obter maior protecção consagrou imperador Luis II, o Jovem. Confirmou aos venezianos o direito de eleger o Doge. Foi o primeiro pontífice que pôs data nos documentos oficiais.

* Leão V foi consagrado o 118.º Papa em agosto de 903, sucedendo Bento IV. Filho de um humilde pastor. Alguns cronistas de documentos mais antigos alegam entre outras considerações, que teve esmerada educação devido à intervenção materna e de sua família. As facções em Roma estavam em ebulição. Leão V governou a Igreja menos de dois meses. Um dos partidos, não satisfeito com a escolha de Leão, insurgiu-se, criou tumultos pelas ruas da cidade, e, nessa desordem, o pontífice foi preso, arrastado para a prisão e morto misteriosamente. A causa da morte de Leão V permanece obscura. Pouco se sabe da sua vida, da sua eleição, do seu pontificado e das causas da sua morte.

* Leão VI foi o 123.º Papa da Igreja Católica, nascido em Roma, eleito em maio ou junho de 928, por vontade dos Teofilatos para substituir João X. Nada se sabe da primeira fase de sua vida, exceto que seu pai chamava-se Cristovão e era um dignitário da corte papal. Eleito papa quando seu predecessor o Papa João X ainda estava vivo, mas na prisão. De sua obra permanece apenas uma carta aos bispos da Dalmácia, onde exorta a obedecer o Arcebispo de Split. Fez todo o possível para pacificar Roma e lutou contra os sarracenos e contra os húngaros.

* Leão VII, provavelmente monge beneditino, era abade de São Sisto quando foi eleito o 126.º Papa a 3 de Janeiro de 936, por influência de Alberico II, príncipe e senador de Roma. As bulas papais consistiram na sua maior parte em garantir privilégios a vários mosteiros, especialmente aos da Ordem de Cluny. Escreveu aos bispos de França e da Alemanha dando directrizes para empreender uma reforma monástica. Tentou estabelecer o celibato sacerdotal e lutou contra o fenómeno dos bruxos e adivinhos. A sua morte ocorreu em 13 de julho de 939, após um ataque cardíaco. Depois da sua morte, Leão VII foi sepultado na Basílica de São Pedro.

* Leão VIII - Papa de origem italiana, foi ordenado na altura da sua designação pelo imperador Otão I. Com esta ocorrência abriu-se o precedente da indigitação pela pessoa do imperador, não se procedendo a uma eleição, como era costume. Este fato, criou descontentamento no povo romano, o que provocou uma revolução que o imperador abafou pela força. Este clima proporcionou o regresso do papa deposto, João XII, que anulou o pontificado de Leão VIII e as suas disposições num sínodo, realizado em 964. João XII morreu entretanto, e o imperador voltou então a Roma, repondo Leão VIII na cátedra de São Pedro, em junho de 964. Desta forma, o seu papado decorreu de 4 de dezembro de 963 a 1 de março de 965.

* Leão IX - Papa de origem francesa, era bispo de Toul e filho de um conde alsaciano. Eleito em dezembro de 1048, aclamado unanimemente em Roma e consagrado em fevereiro de 1049, este papa destacou-se por impulsionar decisivamente a reforma da Igreja. A simonia foi severamente condenada, assim como o não cumprimento do preceito da castidade. O papa foi preso em julho de 1053, no decurso da guerra contra os mercenários rebeldes normandos, tendo sido obrigado a assinar um contrato de reconhecimento do principado normando de Itália.

* Leão X - Com o falecimento do Papa Júlio II, Giovanni di Lorenzo de Medici foi eleito papa no dia 19 de março de 1513, adotando o nome de Leão X. Seu papado transformou Roma em um centro cultural e aumentou o poder papal no continente. Ele deu continuidade ao trabalho de seu antecessor e acelerou as obras da Basílica de São Pedro, ampliou a biblioteca do Vaticano e marcou a cidade romana como centro cultural do Ocidente. Leão X apoiou as tropas do imperador espanhol Carlos V e passou a agir de uma maneira que combateria os argumentos da reforma protestante. Para sustentar os gastos militares do conflito, o papa começou a vender indulgências. A postura do papa foi fundamental para compor as teses elaboradas por Martinho Lutero em crítica à Igreja Católica. Leão X deixou como legado a condenação da escravidão e defesa do abolicionismo, a ampliação da caridade, a reforma da universidade em Roma e com o patrocínio de artistas. Leão X faleceu aos 45 anos de idade.


* Leão XI - foi o Papa da Igreja Católica e Soberano dos Estados Papais de 1 de abril de 1605 à sua morte. Seu pontificado é um dos mais curtos na história, pois durou menos de um mês. Era da proeminente Casa dos Médici, originário de Florença. Na sua carreira, serviu como embaixador de Florença junto do papa, foi bispo de Pistoia. Arcebispo de Florença, legado papal da França, e como cardeal Prefeito da Congregação dos Bispos e dos Religiosos. Foi eleito para o papado no conclave papal de março de 1605 e foi o papa por 26 dias.

* Leão XII - Nascido numa família da nobreza que já tinha tido vários Papas, Leão XII teve problemas de saúde desde o momento da sua eleição até à morte, menos de seis anos depois. Foi um governante profundamente conservador, que aplicou muitas leis controversas, incluindo uma que proibiu os judeus de possuir propriedades. As finanças papais também eram ruins, embora ele reduzisse os impostos. Como resultado, o pontificado de Leão XII foi impopular e provocou amplo descontentamento nos Estados papais.

* Leão XIII - foi chefe da Igreja Católica de 20 de fevereiro de 1878 até sua morte em julho de 1903. Vivendo até os 93 anos, ele foi o papa mais velho...no posto. Foi ordenado sacerdote em 1837, em 1843 foi nomeado Núncio Apostólico para a Bélgica e ordenado bispo em 1843. Em 1846 tomou posse como bispo da Diocese de Perúgia, Itália, e em 1853 foi criado cardeal. Foi eleito papa em 20 de fevereiro de 1878 e coroado a 3 de março desse ano. A Doutrina Social da Igreja foi primeiramente iniciada por Leão XIII, com a encíclica ‘Rerum Novarum’. Em 1924 seus restos mortais foram transferidos para São João de Latrão. Depois de Bento XVI (emérito), que morreu com 95 anos, Leão XIII é o segundo papa com maior longevidade da história, falecido aos 93 anos.

* Leão XIV - Num dos mais breves conclaves da história – dois dias e quatro votações realizadas – foi escolhido, no dia 8 de maio passado, um novo Papa: o cardeal Robert Francis Prevost, escolhendo o nome de Leão XIV. Nascido em Chicago, nos EUA, em 1955, foi durante vários anos, como padre da ordem dos agostinhos, missionário no Peru (América Latina), do lado do Pacífico. O agora Papa Leão XIV foi ordenado padre em 1982, nomeado bispo de 2014 (com o lema – ‘in illo uno unum – no único Cristo somos um), feito cardeal em 2023 e também nesse ano prefeito do Dicastério para os Bispos. Trabalhou no Peru de 1985 a 1986 e de 1988 a 1998 como pároco, professor de seminário e administrador. Passou de 1987 a 1988 e de 1998 a 2001 nos Estados Unidos, radicado em Chicago,sua cidade natal , e trabalhou na ordem agostiniana (foi provincial e geral). O agora Papa Leão XIV tem formação em matemática, em teologia e em direito canónico. Iniciou o seu pontificado no dia 18 de maio…



António Sílvio Couto

quinta-feira, 15 de maio de 2025

‘Cultura’ sob égide ideológica?

 

É um dos assuntos que mais me intriga no espetro sociopolítico do nosso país: a dimensão cultural – teórica ou prática – está consignada a um setor ideológico que se julga dono e senhor de tudo quanto possa ser considerado cultura. Por vezes é de tal forma clamoroso que os proponentes nem veem a figura quase ridícula em que laboram. Quem foi ou tiver a cobertura da égide de esquerda brilha, o resto, mesmo que possa ter alguma qualidade será – pasme-se a arrogância dos cultos/as – censurado explícita ou tacitamente.

1. Um dos tristes episódios foi protagonizado no apelidado ‘festival da eurovisão’, e no que aos representantes portugueses concerne, onde os intérpretes portugueses pareceram escapar à bitola reinante… na ribalta e nas ditas ‘casas de apostas’. Embora tenham ganho a possibilidade de serem os nossos representantes em Basileia (Suíça), escaparam à onda da moda, cá dentro como lá fora: dados como descartáveis conseguiram ultrapassar a primeira eliminatória e chegar à final… de pouco me importa o resultado, questiona-me as trapalhadas pelo meio…Parece que o tema de ‘deslocado’ – título da canção – incomodou alguns. Parece que outras façanhas ‘culturais’ fizeram ofuscar o caso, mas que houve gente que ficou com azia notou-se.

2. Novamente tentando discernir a qualidade cultural daquilo que se produz em Portugal e/ou em língua portuguesa deste lado do Atlântico podemos ser levados a considerar que as temáticas sociais se sobrepõem às lengalengas românticas, que emergem quando a sociedade como que vegeta no quadro dos valores e dos critérios de conduta de vida. Decorridos mais de cinco décadas sobre a alteração política de abril-74 ainda não foi possível sacudir a tutela de alguns mentores – já defuntos ou saudosamente prolongados nas utopias revolucionárias – cujos tentáculos se estendem na vez (se a cor não condiz com o promotor) e na voz (entre a qualidade e os arranjos de estúdio): os cançonetistas pululam – em certos programas mais pulam – ao sabor dos trejeitos de habilidosos na roupagem mais do que na sofrível execução… em playback.

3. Que significa apelidar de ‘cultura’ umas canções, uns teatrinhos, umas declarações, uns convénios, umas farsas anticristãs ou ainda publicações de teor adverso ao catolicismo? Desde que inclua algo que menospreze ou ofenda os valores de índole do evangelho, já será considerada cultura? Desde que se arvore em progressista porque é multicolorido, já tem de ter o rótulo de cultura? Desde que injete noções e conduções contra o valor da vida, já pode ser dito cultural?

4. Desgraçadamente continuamos a ver em muitos intelectuais tiques de preconceito para com a noção de cultura, desde a mais básica e popular até à mais elaborada e erudita. Consultando fontes que nos possam ajudar a ‘definir’ cultura, encontrei esta: «A cultura refere-se ao conjunto de conhecimentos, crenças, práticas, valores e costumes compartilhados por um grupo social, transmitidos de geração em geração e que moldam a identidade e o comportamento dos seus membros. É uma construção social complexa que abrange tanto os aspectos materiais (como objetos e tecnologias) quanto os imateriais (como idiomas, rituais e crenças)».

Se atendermos aos aspetos aqui referidos não podemos desconsiderar expressão cultural algo que a mim não me diz nada, mas que pode se referência de um grupo ou de uma pessoa bem diferente de mim. Talvez seja eu que não estou sintonizado com aquela expressão cultural… Deste modo soa a manipulação, senão mesmo a ditadura, a imposição de uma cultura a outra que é diferente dessa.

5. É significativo e notório que a ‘cultura cristã’ – dentro e fora do ambiente eclesial – está a passar por uma crise, desde a criação até à compreensão, passando mesmo pela explicação dos sinais com que ela se exprime. Urge, por isso, descobrir a riqueza da expressão cultural cristã nos seus diferentes campos e modos de atividade. Para sermos capazes de ter futuro precisamos de compreender o nosso passado, discernindo a nossa cultura no presente. Assim o façamos com verdade e simplicidade!



António Sílvio Couto

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Que esperar do Papa Leão XIV?

 


Num dos mais breves conclaves da história – dois dias e quatro votações realizadas – foi escolhido, no dia 8 de maio passado, um novo Papa: o cardeal Robert Francis Prevost, escolhendo o nome de Leão XIV. Nascido em Chicago, nos EUA, em 1955, foi durante vários anos, como padre da ordem dos agostinhos, missionário no Peru (América Latina), do lado do Pacífico. Francisco veio do lado do Atlântico, há doze anos… A geografia de procedência dos Papas mudou. Isto quer dizer muita coisa!

O agora Papa Leão XIV foi ordenado padre em 1982, nomeado bispo de 2014 (com o lema – ‘in illo uno unum – no único Cristo somos um), feito cardeal em 2023 e também nesse ano prefeito do Dicastério para os Bispos. Trabalhou no Peru de 1985 a 1986 e de 1988 a 1998 como pároco, professor de seminário e administrador. Passou de 1987 a 1988 e de 1998 a 2001 nos Estados Unidos, radicado em Chicago, sua cidade natal, e trabalhou na ordem agostiniana (foi provincial e geral). O agora Papa Leão XIV tem formação em matemática, em teologia e em direito canónico.

= Num tempo que tenta ler a ação da Igreja e do Papa em particular pelo prisma do social, Leão XIV tem algo nessa matéria, sobretudo no que se refere ao trabalho pastoral e às questões políticas na relação com os refugiados e os temas climáticos. Sobre temas de índole mais ético-moral Leão XIV (enquanto cardeal Prevost) é contra o aborto e a eutanásia e ainda contrário à promoção da ideologia de género… Afinal, algo na linha dos mais recentes papas e, concretamente, do Papa Francisco.

= Quando alguns – mais de fora do que de dentro da Igreja católica – viram este novo Papa pareceu que estavam a querer um sumo pontífice que fosse como o anterior. Isso nunca poderia acontecer, se bem que na Igreja não se dá saltos nem se entra – ao nível da doutrina – em contradição, vive-se e faz-se a reforma na continuidade, tendo sempre por referência o Concílio Vaticano II, terminado há sessenta anos.

Este Papa Leão XIV é o primeiro nascido, em 1955, depois do final da segunda guerra mundial. Sendo descendente de emigrados – italianos, franceses e espanhóis – sentirá no sangue a diversidade de culturas e a mistura de ser americano, embora com cidadania peruana. Isto pode fazer-nos perceber que a riqueza cultural não está na uniformidade, mas na salutar conjugação da diversidade.

= Se atendermos à escolha do nome ‘Leão’ podemos ver que este novo Papa quer fazer pontes com algo que vivemos no século vinte e no primeiro quartel do século vinte e um. O anterior Papa com o nome de ‘Leão’ foi na transição do século dezanove para o século vinte (1878-1903), Leão XIII, o Papa das questões sociais (autor da encíclica ‘Rerum novarum’), na crista da onda da revolução industrial e dos temas do proletariado e das revoluções subsequentes. Por isso, será de esperar que o Papa Leão XIV nos faça a todos – fiéis: clérigos, religiosos e leigos – continuar a refletir, verdadeiramente, sobre a sinodalidade, a colegialidade, a Igreja serva e peregrina, colocando-nos todos frente a frente para que sejamos dignos do tempo em que vivemos e não nos fiquemos no passado saudosista nem tentemos querer um futuro sem alicerces de compromisso…

= O início do ministério do Papa Leão XIV acontece a 18 de maio, data de aniversário do Papa João Paulo II, faria 105 anos de nascimento e na celebração litúrgica de um outro papa e mártir, S. João I, do século VI. Rezemos pelo nosso Papa.



António Sílvio Couto

Problemas dos ‘millenials’ e não só…

 

Numa época em que se vai rotulando os que vivem em cada tempo podemos e devemos descrever (numa espécie de definição) algumas das gerações de pessoas desde o final da década de sessenta do século passado e até à passagem do milénio, há mais de vinte e cinco anos.

Em resumo os epítetos e depois as caraterizações: geração X (de 1965 a 1980), geração Y (de 1981 a 1999), millenials (de 1980 a 2003) e geração Z (nascidos a partir de 2000).

Vejamos as vertentes gerais, tentando que cada um se possa encontrar nessas balizas etárias, analisando como se vê ou ainda como se revê:

* Geração X – A principal característica da geração X é a batalha pelos direitos iguais e pela liberdade, uma vez que muitos vivenciaram períodos de ditaduras ou de governos bastante rígidos em diversos países pelo mundo. Esta geração cresceu com a ideia de que todos devem ter os mesmos direitos e que nenhum poder se pode estabelecer acima da lei. Em relação à tecnologia, eles viram poucas mudanças drásticas em seu cotidiano. A televisão talvez tenha sido o maior impacto na vida dessas pessoas.

* Geração Y – A principal característica da geração Y é o conceito de mudança, principalmente em relação ao mercado de trabalho: aqueles que pertencem a esta geração estão sempre atrás de novos, seja pela questão monetária, seja simplesmente pela possibilidade de aprenderem algo novo. Outra característica marcante dessa geração é a facilidade para se adaptar a tantas mudanças, principalmente nas relacionadas com a tecnologia.

* Millenials – A geração de pessoas que nasceram entre os anos de 1980 e 2003. Os millennials adaptaram-se mais rapidamente às evoluções tecnológicas, como a chegada de smartphones e a presença constante de computadores conectados à internet durante a rotina, Eles são considerados disruptivos (causam rutura ou interrupção) e buscam constantemente por inovação. É, geralmente, considerado o primeiro grupo geracional a lidar com maiores recompensas por curto esforço, em relação aos seus pais que cresceram numa sociedade pautada pelo trabalho.

* Geração Z – Formada por todos que nasceram a partir de 2000, a geração Z já nasceu com uma boa parte das tecnologias que transformaram nossos hábitos, principalmente aquelas relacionadas com o nosso dia-a-dia on-line. São pessoas acostumadas com as redes sociais e que se adaptam facilmente com novas plataformas ou grandes mudanças. São pessoas que costumam ter uma ligação maior com causas políticas, sobretudo as relacionadas com o meio ambiente e a defesa dos seus direitos. Em relação ao mercado de trabalho, são pessoas que não tratam uma carreira profissional dentro de uma empresa como prioridade.

= Feita esta apresentação descritiva das várias ‘gerações’ inter-séculos, há problemas que se colocam mais a umas do que a outras, sobretudo se tivermos em conta o mundo do trabalho, as preocupações com as gerações vindouras e mesmo atendendo às questões – mais acentuadas no após-pandemia – com a saúde psicológica e mental. Têm surgido estudos sobre esta matéria e os dados são algo sombrios.

- Os profissionais da geração millenium (30 a 45 anos) são os que têm maior risco ao nível da saúde mental e os da geração babyboom (nascidos após a segunda guerra), próxima da reforma, têm mais fatores de proteção relacionados com ambiente de trabalho saudáveis.

- As gerações do meio já estão há algum tempo a trabalhar e com casa e filhos ‘ficam mais afetadas na sua saúde mental’. Segundo um estudo de uma entidade nacional, os millenials, ‘além de se preocuparem consigo, têm de se preocupar com os filhos, porque hoje em dia a vida não é fácil, por exemplo, é ver o preço das casas, e também têm de se preocupar em muitos casos já com os pais, que estão a ficar idosos. São os mais sobrecarregados’. E isto deixa marcas em todos.

As várias gerações não são camadas à maneira de cebola, mas etapas onde todos convivem e se ajudam!



António Sílvio Couto

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Habitação – quem a não quer ou a não têm?

 


Como pode um mentor político falar com propriedade do tema da habitação se a casa (ou casas) que tem lhe foi oferecida pelos pais? Saberá apreciar a casa onde mora? Como será capaz de ajudar outros a tentarem ter casa, se ele não passou por processo algum de risco ou de algum plano para ser autónomo, mesmo através do aluguer? Não andará, por aí muita gente, a encher a boca com a questão da casa, mas não ergueu uma palha para que tal fosse assumido por si? Até onde irá a chantagem de certos setores, que nunca investiram – para além do paleio barato – num assunto tão simples quão melindroso?

1. Façamos o diagnóstico do tema da casa no nosso país e na União Europeia:- Em 2023, cerca de 76% da população portuguesa era proprietária de habitação, o que representa mais de 2,9 milhões de habitações familiares. Este valor é superior à média europeia de 69,1%, onde a maior parte das pessoas vivem em casa própria;- A taxa de propriedade de habitação em Portugal diminuiu para 73,40% em 2024, em comparação com os 76% em 2023. A taxa de propriedade de habitação teve uma média de 75,19% de 2004 até 2023, atingindo o máximo histórico de 78,30% em 2021 e o mínimo recorde de 73,90% em 2019;- De acordo com os dados do gabinete estatístico da UE, a maioria das pessoas na União Europeia (UE) vive em casa própria (69,1%) e apenas 30,9% arrendam a habitação, com Portugal acima da média de proprietários (77,8%) e contra 22,2% que são inquilinos da habitação, colocando-nos no décimo primeiro lugar entre os vinte e sete.

A Alemanha (53,5%) é o único país da UE onde há mais pessoas a viver em casas arrendadas do que em próprias. 52% dos habitantes na UE vivem em moradias, 47,5% em apartamentos e 0,5% noutro tipo de habitação, como caravanas, barcos ou tendas. A maioria dos espanhóis vive em apartamentos (65,6%), seguindo-se os alemães (62,5%) e os estónios (60,8%). Portugal está no 15.º lugar desta tabela, com uma maioria de 53,3% pessoas a viverem em moradias e 46,7% em apartamentos.

2. Perante este panorama geral teremos de saber gerir as questões da habitação e não andarmos a reivindicar soluções onde queremos que sejam os outros a assumirem as nossas responsabilidades. De facto, a deslocação das pessoas do meio rural para as franjas das metrópoles de Lisboa e do Porto criaram problemas que não podem ser resolvidos com promessas eleitoralistas nem servindo os intentos estatizantes dos mais básicos e primários...populistas. Muitas pessoas deixaram-se ir na cantiga da ‘casa para todos’, mas não assumem a sua parte, continuando a viver à custa dos outros e de quem tenha investido a suas economias - como em certas épocas alguns emigrantes - na construção da casa para alugar e agora se sente defraudado pelas tendências coletivistas e de âmbito estatal...

3. Outra questão sobre a casa, que não é de somenos importância, é o arrendamento. Segundo uma entidade de defesa do consumidor, os dados seriam estes: em 2021, 22% dos alojamentos familiares clássicos (cerca de 923 mil) estavam arrendados para residência habitual, sendo, fundamentalmente, propriedade de particulares ou de empresas privadas. Destes, dois terços eram ocupados pelos mesmos inquilinos há menos dez anos. Em contrapartida, 13% dos arrendamentos duravam há 40 ou mais anos. Os restantes alojamentos (22%) eram alvo de arrendamentos com duração entre dez e os 39 anos. O valor médio mensal de renda no país era de 334 euros, mas 29% dos alojamentos estavam associados a rendas superiores a 400 euros mensais, sendo que 2% apresentavam uma renda superior a mil euros. Dois quintos dos alojamentos tinham rendas mensais que oscilavam entre 200 e 400 euros e um décimo encontrava-se abaixo dos 100 euros mensais.

4. O tema da habitação precisa de mais seriedade na discussão pública e disputa política. Tudo o resto soa a manipulação de campanha eleitoral...agora ou no futuro!



António Sílvio Couto

terça-feira, 6 de maio de 2025

Uma em cada três pessoas sofre de misocinesia

 

Bater com os dedos numa mesa, balançar a perna, morder a tampa da caneta ou enrolar o cabelo com os dedos são exemplos de comportamentos repetitivos que podem causar aversão ou irritação intensa a quem os observa. Segundo um estudo recente sobre esta alteração psicológica, realizado numa universidade do Canadá, designada de misocinesia, esta doença afeta uma em cada três pessoas.

1. O que é a misocinesia? Quais os síntomas? Estaremos preparados para detetarmos tal doença de índole psicológica? Como se pode ‘curar’? Será uma doença fácil de conviver? Estas e outras questões vamos tentar atender na abordagem a um tema que pode e deve ser aprofundado, particularmente para quem tem trato com outras pessoas e sobre elas fazer alguma avaliação...

2. Com raízes gregas, ‘misokinesia’ vem de “miso”, que significa ódio, e “kinesia”,que se refere a
movimentos. A misocinesia é a rejeição dos movimentos pequenos e repetitivos de outras pessoas. Eles provocam uma reação de forte intensidade. Segundo especialistas sobre este tema dizem que quem sofre desta perturbação é afetado ‘emocionalmente de forma negativa e experimenta reações como a raiva, a ansiedade ou a frustração, bem como um menor prazer em situações sociais, no trabalho e em ambientes de aprendizagem’. Ainda segundo psicólogos especialistas nesta matéria algumas pessoas ‘chegam mesmo a evitar atividades sociais por causa dessa perturbação’.
Os sintomas da misocinesia podem variar de pessoa para pessoa. No entanto, os principais sintomas são:
- Nervosismo e irritação com os movimentos repetitivos dos outros,
- Desconforto, querer sair do local ou se afastar da pessoa que realiza os movimentos repetitivos,
- Isolamento social como medida para evitar a exposição a movimentos repetitivos,
- Dificuldade de concentração e conclusão de tarefas devido ao desconforto.

3. Sendo esta doença bem mais comum do que se julgava – basta reparar que atinge uma em cada três
pessoas –, talvez seja conveniente olhar para ela com uma visão mais holística e tendo em conta a pessoa toda, isto é, na sua configuração psicológica, somática e mesmo espiritual. Sobretudo neste tempo após a pandemia tornou-se mais acutilante ter em conta as reações das pessoas aos mais díspares movimentos de reação psicológica de todos e de cada um de nós. De uma forma quase sintomática passamos a estar sob a possibilidade de nos desequilibrarmos nas pequenas como nas grandes coisas. Os outros tornaram-se para nós mais do que um espelho da nossa complexidade de trato mas também uma forrma de nos aferirmos uns diante dos outros.

4. Quem não terá já reparado que cada um de nós também reflete o ambiente em que vive. Ora, por vezes, nem sempre esse ambiente é (ou será) tão equilibrado quanto seria desejável. Também as circunstâncias de família ajudam ou complicam as condições para que o nosso desenvolvimento seja salutar.
Sem pretender desviar a atenção do tema que temos estado a refletir, dizia alguém sobre uma senhora que intervém na ‘campanha eleitoral’ sempre – a propósito ou a despropósito – traz a ‘violência doméstica’ à liça, como que dando a entender que, ou foi vítima dessa violência ou das pessoas com quem vive ou habita pode estar sujeita à tal violência... de outra forma não se compreende a fixação no tema a toda a hora e momento.

5. Temos, então, de aprofundar esta misocinesia, na medida em que, estando em condições sociais de interdependência, precisamos de cuidar uns dos outros para que consigamos construir uma sociedade – ambiente social, espaço familiar, nas condições de trabalho e até na vivência em Igreja – mais atenta aos problemas dos outros, dado que interferem com a nossa condição relacional. Seremos capazes de ajudar-nos, assim, fraterna e solidariamente?

António Sílvio Couto

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Às mães - símbolo supremo da esperança

 


Convencionaram dedicar-vos um dia no calendário do ano, mas todos os dias são ‘dia da mãe’ e vós sois o símbolo supremo da esperança. Não era desta forma simples - ‘está de esperanças’ - que se vos dirigia quem vos visse em estado de gravidez? Pois, se ainda antes de nascer o/a filho/a eram vistas como sinal de esperança tanto mais o são no resto dos dias para os vossos filhos e para toda sociedade.

Com especial gratidão desejamos àquelas que são mães dizer-lhes um obrigado pela comunicação do dom da vida, claro em consonância com os pais dos vossos filhos. Sois e continuais a ser a visualização mais clara do Deus da vida, feito presença, reconhecimento e desafio: presença de um Deus que comunica a força mais intrínseca da sua essência; reconhecimento por acolherem tal dom com dedicação e cuidado; desafio a que tudo decorra voltado para Ele, senhor da vida e mestre da História.
Queridas mães, não deixeis morrer a esperança que há em vós e que nos comunicais cada vez que sois, de verdade, mães. O mundo precisa do vosso contributo para que a esperança esteja em atualização contínua e permanente. A Igreja correrá perigo sem o vosso testemunho de esperança: com gestos, palavras e sinais difundi ao longe e ao largo a força da esperança...
Saudação e cumprimentos para todas mães, hoje e para sempre!

António Sílvio Couto

terça-feira, 29 de abril de 2025

Do apagão virá a luz?

 


Das 11.33 horas às 20.45 horas do dia 28 de abril estivemos sem energia elétrica em todo o país e extensível a Espanha ainda com parte de França. Foram longas e quase silenciosas nove horas, onde só os aparelhos de rádio-a-pilhas nos davam informações e até a maior parte das redes móveis de comunicação colapsaram.

O chefe do governo só falou ao país – já alumiado nalgumas localidades, sobretudo do norte – onze horas depois, decorridas sobre aquilo que ele classificou como ‘uma situação grave, inédita e inesperada’.

– Sendo uma situação inesperada como reagiram as pessoas? Boa parte de forma serena e civilizada foi esperando as informações – à exceção dos ávidos em tudo querer saber mesmo que forma distorcida – à mistura com atos de corrida aos locais de compra de comida – desta vez foi o açambarcar de água – numa correria o roçar a pilhagem desenfreadamente egoísta. Quando há tempos se falou do ‘kit europeu de sobrevivência’ alguns troçaram da sugestão, mas agora, por breves horas, se pôs a manifesto que precisamos de estar melhor preparados para enfrentarmos mais momentos de crise e de contingência… com a duração mais prolongada.

– Sendo uma situação inédita como se explica este acontecimento? Um tanto aos poucos vão surgindo explicações para o fenómeno, que tem tanto de raro quanto de pouco habitual no nosso contexto europeu. Aqui se viu a teia de influências e de negócios entre os vários países e que todos devíamos saber e ser-nos explicado de forma preventiva e esclarecedora. Uns mais técnicos já esperavam que isto acontecesse há vários anos, até pelas opções tomadas em tempos eivados de um ecologismo populista e que teria de ser pago, quando se devesse, como agora, um apagão. Este acontecimento pode ser ainda a fatura da globalização económica, que uns contestam, mas que usufruem como os outros…nas regalias e comodidades.

– O que houve de grave nesta situação? A gravidade estará mais nas causas do que nas consequências até agora vistas e sentidas, pois não podemos continuar a ser entregues nas costas a interesses cujas malfeitorias se pagam a longo prazo. A emersão dos papagaios do costume logo fizeram perceber que nem tudo era só avaria ou seja qual for a causa: submetidos aos conluios de certas forças podemos irem descobrindo que nem tudo é tão limpo como pretendiam vender da ‘energia limpa’ eu talvez tenha sido mais para limpar os cofre do Estado do que para deixar um ambiente mais saudável como seria aceitável.

= As parcas horas de apagão devem ser refletidas em matéria de eleições…no próximo dia 18 de maio. Quem gerou este problema saiu de cabeça à surfista – asseado e limpo – do outro lado da onda, mas foi o causador – por atos ou por omissões – de que tivéssemos chegado a experimentar esta prova, comparável àquilo que deixámos nos países africanos que estiveram sob a nossa tutela até há cinquenta anos: lá os apagões são constantes, por aqui têm sido ocasionais…

De pouco ou nada adianta fazer barulho para disfarçar com a ausência de energia elétrica, quem nos colocou neste estado decidiu há quinze anos – lembrem-se quem era! – sobre quais as razões que nos fizeram chegar agora a esta situação.

= O apagão – felizmente – não cobriu a noite e pudemos ser informados, ouvir os comentários e quase delirar com as declarações de alguns dos intervenientes, onde para além da fraca seriedade sobre o problema destilaram o que lhes vai na alma: azedume, oportunismo e, porque não, aproveitamento das fragilidades de toda a Nação, desde que isso lhe permita tentar conquistar votos… Brevemente saberemos a verdade do apagão e de quem foi apagado com ele! Assim se faça luz.

 

António Sílvio Couto

sábado, 26 de abril de 2025

Liberdade – mito, direito ou dever?

 


Mais de meio século depois da revolução de 25A parece que estamos na estaca zero do conceito e da vivência de algo tão sagrado como a liberdade. As imagens da macrocefalia da capital deixaram-nos um travo amargo sobre o modo como essa tal liberdade é exercida, promovida e celebrada: exercida como algo exaltado pela ditadura do eu; promovida em razão dos que estão do mesmo lado, sem respeito pelos outros; celebrada como se fosse um absoluto sem retorno.

1. Cinquenta e um anos depois sinto vergonha por haver uns tantos deste país que acham que são donos da liberdade, que foram só eles que a recuperaram, que aquilo que não seja da sua cor ou ideologia já não é considerado liberdade. Que tendo sofrido os seus antepassados para que haja liberdade não pode menorizar os que pensam de forma diferente, levando a que quase sejam considerados inimigos da dita liberdade. O monopólio sobre este direito cheira a ditadura tanto pior quanto se reclama de ‘democrata’ em contraste com quem não pensa nem age como eles…

2. Na habilidade da manipulação da liberdade podemos ver este ano de forma clamorosa que uns tantos só consideram estarmos em ambiente de liberdade se se cumprirem certos ritos que mais parecem rituais de uma defuntês anunciada. Disseram que foram suspensos os atos festivos da efeméride. Mas o que foi adiado foi tão-somente um concerto de um cantor a roçar o pimba e a abertura dos palácios à população, dado que a sessão (dita) solene aconteceu, o desfile na avenida foi realizado e as corridas locais de atletismo tiveram lugar. Outros consideram que a música do Zeca foi trocada pelo choradinho do Tony e que isso constituiu uma adulteração ao cerimonial. Se pensarem bem houve um razoável ridículo da festança deste ano… à exceção dos distúrbios e contendas entre fações, reivindicando protagonismo barato e barulhento.

3. Quem tenha menos de cinquenta anos só conhece do 25A aquilo que lhe mostram sob a lente ideológica do exibidor: muitos dos militares operacionais já desapareceram e os que estão vivos já treslem na memória, alguns deles servem de trucida que ainda fumega do tempo revolucionário. Cinco décadas de liberdade são pouco tempo para haver maturidade democrática, mas pior, o mundo mudou e os saudosistas do regime pós-revolucionário não passam de fantasmas, em contrapartida com os riscos da exacerbação dos extremismos populistas, que não olham a meios para atingirem os seus fins, mesmo que arrastando tudo e todos para o lamaçal mais fedorento.

4. Nas comemorações deste do 25A pairou uma figura que, ora ensombrou, ora foi exaltada e porque não dizê-lo manipulada sobre o conceito de liberdade e da forma de a viver. O defunto Papa Francisco foi citado a propósito e despropósito – nalguns casos de forma abjeta e tendenciosa – sobre questões atinentes à liberdade… normalmente sob o sinete mais do social do que do espiritual e na visão holística da pessoa humana. Citamos o Papa: «Esta é uma regra para desmascarar qualquer liberdade egoísta. Aqueles que são tentados a reduzir a liberdade apenas aos próprios gostos. A liberdade guiada pelo amor é a única que liberta os outros e a nós mesmos, que sabe ouvir sem impor, que sabe amar sem forçar, que constrói e não destrói, que não explora os demais para a sua conveniência e que pratica o bem sem procurar o próprio benefício. Em suma, se a liberdade não estiver a serviço do bem, corre o risco de ser estéril e de não dar frutos. Por outro lado, a liberdade animada pelo amor conduz aos pobres, reconhecendo no seu rosto o de Cristo» (audiência de 20.10.2021).

Quem quis instrumentalizar o Papa para as suas ideias, será que alguma vez leu alguma coisa que ele disse? Basta de hipocrisia!

5. A liberdade não pode continuar a ser um mito, mas deve ser um dever que nos faz testemunhar o direito…até para com aqueles que não respeitam a nossa liberdade!



António Sílvio Couto

terça-feira, 22 de abril de 2025

‘Agora que nos fazias falta, vais-te embora’

 


Esta frase lia poucos minutos após o anúncio do falecimento do Papa Francisco, na manhã do dia 21 de abril, segunda-feira da oitava da Páscoa.

Deste modo nos ficou a sensação de orfandade com que lemos e podemos interpretar a partida do ‘mundo dos vivos’ do Papa Francisco no exercício do seu ministério petrino.

De 13 de março de 2013 a 21 de abril de 2025, Jorge Mario Bergoglio assumiu a tarefa de ser bispo de Roma e Papa da Igreja católica. Com a vetusta idade de 88 anos, Francisco partiu para a ‘casa do Pai’, elogiado por muitos (quase maioria) e criticado por outros (uma ínfima minoria), mais por razões de (alguns) costumes do que do plano da fé… Sobre esta introduziu temas que perdurarão na vida e na conduta da Igreja, dado que já estavam enunciados no Concílio Vaticano II, terminado há quase sessenta anos.

Vinda do outro lado do mundo – como referiu no dia da sua eleição – aportou à Igreja coisas novas e situações velhas – para usarmos a expressão bíblica – à mistura com problemas sangrentos para a vida e a missão da Igreja: sobretudo o tema dos abusos – durante muito tempo incidindo sobre os de teor sexual, mas que agora emergiam outros talvez mais gravosos para tudo e envolvendo muitos mais… Não podemos esquecer que foram essas temáticas que levaram Bento XVI a resignar, em 2013, com a marca da surpresa dolorosa e sob a penumbra do escândalo.

Por agora pode confundir-se poeira com lamúrias e admiração com elogios baratos. Em breve tudo assentará e poderemos perceber quem captou a mensagem trazida por este Papa, cujos gestos e sinais precisam de ser descodificados, mas não de forma preconceituosa ou enlameada de ideologia, seja ela económica, ético/moral ou mesmo teológico-doutrinal… Na rica subtileza de um homem de Deus, o Papa Francisco pode ser interpretado por diversos prismas, podendo confundir-se leituras com sensibilidades mais ou menos subtis e quase interesseiras de um certa luta pseudo-dialética… A esperança não nos engana, seja qual for a perspetiva por onde queiramos introduzir o Papa para ser apreciado.

* Encíclicas
- Lumen fidei (Luz da Fé), assinada em 29 de junho de 2013, publicada em 5 de julho de 2013. Primeira encíclica do seu pontificado, que havia sido iniciada pelo seu antecessor, Bento XVI;
- Laudato si' (Louvado Seja), publicada em 18 de junho de 2015, apela à ação contra o aquecimento global e a degradação do meio ambiente;
- Fratelli tutti (Todos irmãos – sobre a fraternidade e a amizade social), publicada a 3 de outubro de 2020;
- Dilexit nos (Amou-nos - sobre o Amor humano e divino do coração de Jesus), publicada a 24 de outubro de 2024.
* Exortações apostólicas
- Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho), publicada em 24 de novembro de 2013. Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual;
- Amoris laetitia (Alegria do Amor), publicada em 8 de abril de 2016. Exortação Apostólica sobre a alegria do amor na família;
- Gaudete et exsultate (Alegrai-vos e exultai!), publicada em 19 de março de 2018. Exortação Apostólica sobre o chamamento à santidade no mundo atual.

Embora não viajando tanto como alguns dos antecessores, fez cerca da quarenta viagens apostólicas, tendo-se deslocado duas vezes a Portugal, por ocasião do centenário das aparições em Fátima e das JMJ 2023… Viveu, como todos nós a provação da pandemia, interpretando melhor do que ninguém a angústia de todos.

Nos últimos anos clamou pela paz na Ucrânia e na Palestina e não esqueceu tantos dos conflitos em África e da desumanidade dos refugiados e das vítimas dos conflitos armados.



= A Igreja sempre foi cuidada por Papas adequados aos tempos em que vivemos. Assim cremos e desejamos que aconteça a quem venha substituir na cátedra de Pedro, Francisco… O Espírito Santo sabe!



António Sílvio Couto