Estamos a viver tempos confusos na nossa vida política em geral e naquilo que tem a ver com os órgãos decisores da frágil democracia em que vivemos: quase do nada um partido subiu de um deputado para sessenta, em seis anos (de 2019 a 2025) e perfila-se na linha de partida – tantos anos depois – um militar da marinha para ocupar a cadeira de Belém. Num país em convulsão temos dois dados – objetivos e racionais – que nos obrigam a parar e a questionar o caminho por onde vamos e, sobretudo, com quem vamos...que é muito mais do que ser levado na onda.
1. Depois de anos e de décadas de alguma rotina entre os campos ideológicos, numa quase alternância entre uns e outros – da esquerda à direita e vice-versa – foi introduzida, a partir de 18 de maio deste ano, uma nova componente ao bipartidarismo, não que seja uma diferença ideológica, mas antes uma outra variante mais radical com sabor a populismo de direita. Um partido unipessoal – é o chefe e pouco mais de valor – surgiu e vingou no quadro eleitoral, tanto dentro como fora do país. Se bem que muitos tentem encontrar as consequências daquela votação, talvez fosse urgente, e porque não mesmo necessário, descobrir as causas desta mudança e de adesão de um terço dos eleitores, cerca de um milhão e meio de votos registados.
2. No campo das eleições presidenciais emergiu uma figura – desfardado, embora com galões por ter sido usufrutuário do regime – que tem tanto de subtil quanto de enigmática: arrastou-se para sair do casulo e foi jogando com as sombras de quem o podia apoiar ou de descontentes com o sistema, à semelhança das simpatias para com o tal partido unipessoal... Um e outro apresentam-se contra o ‘esquema’ (eleitoral, social, político, partidário e quase económico), mesmo que usando as mesmas armas, que tanto combatem e contestam. Do panorama da apresentação da candidatura ficou a pálida ideia de que mudar o regime, embora mais pareça um ‘cavalo de tróia’ mal arreado e com pontas soltas da desejada âncora de amarração... Dado que o aparecimento se deu no dia seguinte ao feriado de maio de 26, notou-se na voz a saudade de outro grande almirante defunto… Vemos emergirem certas figuras de antanho – quais ressabiados de outras ideologias – para acolitarem o almirante!
3. Novamente está a comunicação social (bem como as ‘redes sociais’) a incorrer na mesma mazela que projetou o ‘partido unipessoal’ às glórias da ascensão: falar – mesmo que de forma crítica – é a melhor propaganda, barata, eficiente e assaz indecente. É preciso que aprendam a tratar com implantados nas horas de maior visibilidade: à mais pequena cedilha (esta poderá ser a denominação das excrescências dos pardais) ei-los na crista da notícia, mesmo que fosse para dizerem mal, o que importava era aparecer... O Almirante tem outras referências das ‘suas’ gaivotas agoirentas e usá-las-á para não sair da pantalha... ele ou os seus sequazes. Aprendam e corrijam o tiro sem nexo nem causalidade!
4. Há coisas que exigem explicação: foi porque cumpriu a tarefa – militar e de serviço público – que o almirante tem de ser elevado à cátedra de Belém? Outros que cumpriram a sua missão têm idêntico reconhecimento? Tantos anónimos que deram a vida pelos outros não merecem que o país lhes agradeça? Como entidade do meio castrense não passa de um elo da cadeia, nunca a cúpula sem base...
5. As duas figuras que temos estado a referenciar estão bem um para o outro: um parece ser democrata e outro não disfarça as suas origens (como agora se diz) de autocrata, não fosse ele militar, a ser obedecido quase acriticamente em hierarquia. O país não será um quartel e tão-pouco um submarino em maré de exercício. De forma idêntica não poderemos permitir que façam de nós uma espécie de manipulados por quem fala-sem-pensar e/ou que julga pensar depois de falar. Já é tempo de acordarmos para o mal feito e de nos prevenirmos para o que poderá acontecer se dormirmos embalados pela conversa de que será um ‘presidente diferente’...De quem falava de mais, iremos ter quem fala de menos?
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário