É um dos assuntos que mais me intriga no espetro sociopolítico do nosso país: a dimensão cultural – teórica ou prática – está consignada a um setor ideológico que se julga dono e senhor de tudo quanto possa ser considerado cultura. Por vezes é de tal forma clamoroso que os proponentes nem veem a figura quase ridícula em que laboram. Quem foi ou tiver a cobertura da égide de esquerda brilha, o resto, mesmo que possa ter alguma qualidade será – pasme-se a arrogância dos cultos/as – censurado explícita ou tacitamente.
1. Um dos tristes episódios foi protagonizado no apelidado ‘festival da eurovisão’, e no que aos representantes portugueses concerne, onde os intérpretes portugueses pareceram escapar à bitola reinante… na ribalta e nas ditas ‘casas de apostas’. Embora tenham ganho a possibilidade de serem os nossos representantes em Basileia (Suíça), escaparam à onda da moda, cá dentro como lá fora: dados como descartáveis conseguiram ultrapassar a primeira eliminatória e chegar à final… de pouco me importa o resultado, questiona-me as trapalhadas pelo meio…Parece que o tema de ‘deslocado’ – título da canção – incomodou alguns. Parece que outras façanhas ‘culturais’ fizeram ofuscar o caso, mas que houve gente que ficou com azia notou-se.
2. Novamente tentando discernir a qualidade cultural daquilo que se produz em Portugal e/ou em língua portuguesa deste lado do Atlântico podemos ser levados a considerar que as temáticas sociais se sobrepõem às lengalengas românticas, que emergem quando a sociedade como que vegeta no quadro dos valores e dos critérios de conduta de vida. Decorridos mais de cinco décadas sobre a alteração política de abril-74 ainda não foi possível sacudir a tutela de alguns mentores – já defuntos ou saudosamente prolongados nas utopias revolucionárias – cujos tentáculos se estendem na vez (se a cor não condiz com o promotor) e na voz (entre a qualidade e os arranjos de estúdio): os cançonetistas pululam – em certos programas mais pulam – ao sabor dos trejeitos de habilidosos na roupagem mais do que na sofrível execução… em playback.
3. Que significa apelidar de ‘cultura’ umas canções, uns teatrinhos, umas declarações, uns convénios, umas farsas anticristãs ou ainda publicações de teor adverso ao catolicismo? Desde que inclua algo que menospreze ou ofenda os valores de índole do evangelho, já será considerada cultura? Desde que se arvore em progressista porque é multicolorido, já tem de ter o rótulo de cultura? Desde que injete noções e conduções contra o valor da vida, já pode ser dito cultural?
4. Desgraçadamente continuamos a ver em muitos intelectuais tiques de preconceito para com a noção de cultura, desde a mais básica e popular até à mais elaborada e erudita. Consultando fontes que nos possam ajudar a ‘definir’ cultura, encontrei esta: «A cultura refere-se ao conjunto de conhecimentos, crenças, práticas, valores e costumes compartilhados por um grupo social, transmitidos de geração em geração e que moldam a identidade e o comportamento dos seus membros. É uma construção social complexa que abrange tanto os aspectos materiais (como objetos e tecnologias) quanto os imateriais (como idiomas, rituais e crenças)».
Se atendermos aos aspetos aqui referidos não podemos desconsiderar expressão cultural algo que a mim não me diz nada, mas que pode se referência de um grupo ou de uma pessoa bem diferente de mim. Talvez seja eu que não estou sintonizado com aquela expressão cultural… Deste modo soa a manipulação, senão mesmo a ditadura, a imposição de uma cultura a outra que é diferente dessa.
5. É significativo e notório que a ‘cultura cristã’ – dentro e fora do ambiente eclesial – está a passar por uma crise, desde a criação até à compreensão, passando mesmo pela explicação dos sinais com que ela se exprime. Urge, por isso, descobrir a riqueza da expressão cultural cristã nos seus diferentes campos e modos de atividade. Para sermos capazes de ter futuro precisamos de compreender o nosso passado, discernindo a nossa cultura no presente. Assim o façamos com verdade e simplicidade!
António Sílvio Couto
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