O país mudou no dia 18 de maio de 2025: os resultados algo inesperados trouxeram à luz do dia vários indícios de que os cidadãos e os políticos não leem pela mesma cartilha, usam um alfabeto desencontrado e antes de analisar as consequências é preciso descobrir as causas.
Para usar o chavão que todos citam, mas nem sempre seguem: o povo é sábio nas suas decisões e inteligente nas suas convicções. Com efeito, mais do que encontrar desculpas, urge refletir sobre os motivos que levaram a votar em forças diferentes das habituais e até em propostas que quase escandalizam os mais ortodoxos da nossa política, sem ser mera politiquice.
1. Algumas questões antes de tentarmos encontrar as tais causas mais profundas do que as impressões ainda superficiais. Por que se dá uma divisão de escolhas a norte e ao sul do Tejo? Por que as forças ditas até há pouco tempo ‘trabalhadoras’ (de uma certa esquerda) não têm expressão nos resultados apurados? Houve algo que fez mudar e nem todos perceberem o que aconteceu? Os trabalhadores – ditos proletários na linguagem marxista – deixaram de existir ou o seu lugar foi ocupado por máquinas e de outros manobradores delas, em menor quantidade? A pretensa invasão de imigrantes foi abjurada pelos residentes, que passaram a apoiar e rever-se naqueles que defendiam a contestação? Como pode uma certa sensação ou perceção de insegurança ter contribuído para votarem em forças que se apresentam como defensores – mais tácitos do que comprometidos – do controlo migratório?
2. Nota-se que muitos dos nossos ‘políticos’ usam uma linguagem de bolha, sem adequação à realidade e, nalguns casos, querendo impor uma forma de pensar, quando o povo não descodifica a comunicação. Que dizer da mensagem de combate – diziam: taxação – aos ricos, se foram os pobres que não escolheram aquilo que eles propunham. Décadas depois cumpriu-se, no nosso país, a proposta dos suecos que queriam acabar com os pobres, contrapondo com a pretensão de Otelo Saraiva de Carvalho que desejava irradicar os ricos. Em muitos casos os ‘pregadores’ contra os ricos vestem-se com roupas de marca e com isso desacreditam a mensagem pouco condizente com o exemplo.
3. Notou-se, na maior parte dos intervenientes, um discurso excessivamente negativo e sem perspetivas de sair do fosso para onde nos empurraram alguns dos atos de tantos, que agora até sairam derrotados, como nunca antes. Houve demasiadas invetivas a roçar a ofensa, senão mesmo uma espécie de ‘execução de caráter’, como foi colocado para com certas figuras. Com efeito, a vermos pelo terminar das eleições pareceu que tal atitude não foi recompensada para alguns.
4. Houve ruído a mais, quando se tratava de apresentar as propostas de futuro. À semelhança de outras épocas notou-se um certo entretenimento mais do que esclarecimento. Em certas manifestações de índole popular – como as ditas arruadas ou os desfiles de candidatos, a difusão de cartazes ou a proposta de debates – percebemos que havia mais interesse em confundir do que em explicar, em baralhar do que em dizer a verdade, com o cúmulo de um partido que nunca divulgou publicamente quem eram os seus candidatos – consta que boa parte dos eleitos tem problemas com a justiça – até à hora da votação. Será isto querer a verdade ou serve a manipulação? Poderemos permitir que volte a acontecer sem reflexo nos resultados?
5. É tempo de deixar de brincar às coisas-e-loisas da politiquice, pois rapidamente chegou ao nosso país a vaga de ideias que podem atrapalhar a pretensa democracia. Os princípios e valores da justiça, da segurança, da defesa – que é muito mais do que armamento, como diziam alguns dos mentores na recente campanha eleitoral – a educação, que é muito mais do ensino, as condições de vivência, que é muito mais do que a simples casa/habitação, as metamorfoses da saúde, que é muito mais do que a prossecução do atual serviço nacional de saúde…Não podemos falhar: queira Deus que saibamos cuidar do que ainda resta para que não venhamos a enterrar o que sobra.
António Sílvio Couto
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