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terça-feira, 27 de maio de 2025

‘Bebés reborn’ – ilusão disfarçada de ternura?

É um fenómeno que está a confundir alguns. De que trata este assunto? Os ‘bebés reborn’ são bonecas/bonecos de porcelana ou de silicone, mas não parecem. Chamam-se ‘bebés reborn’ e foram criadas para imitar com realismo extremo todos os aspetos de um recém-nascido, desde o peso até ao cheiro, passando pela textura da pele ao cabelo cosido fio a fio, tendo até cuidados ‘médicos’ como se fossem crianças...a sério!

1. Qual a origem e o desenvolvimento destes ‘bebés reborn’? Parecem recém-nascidos, mas uma observação mais atenta revela detalhes tão meticulosos que rapidamente se percebe a diferença: trata-se de um boneco criado para se fazer passar por um ser vivo. Estas criações são o resultado de um trabalho artístico e técnico rigoroso, concebidas para se parecerem, sentirem e, até cheirarem como bebés verdadeiros. Este fenómeno dos ‘bebés reborn’ nasceu nos anos 90 do século passado, mas tem ganho nova popularidade nos últimos anos, impulsionado por comunidades online, artistas especializados e até um interesse crescente pelo valor emocional e terapêutico das peças. Estas bonecas/bonecos pesam pouco mais de um quilo e meio, são feitas/os a partir de misturas de silicone patenteadas. Os moldes podem ser esculpidos à mão ou até impressos em 3D a partir de bebés reais, o que contribui para um nível quase inquietante de realismo. Os rostos são meticulosamente pintados, a pele tem um toque aveludado, macio e maleável e o cabelo é implantado fio a fio. Estão perfumados com uma fragrância que evoca pó de bebé, pele nova e leite materno, numa combinação criada para despertar ternura quase instintiva.

2. Sendo algo que tem vindo a criar uma crescente e complexa aceitação, senão mesmo difusão nos meios virtuais, o que pode significar de mais profundo este fenómeno? Estaremos a vivenciar uma crise de identidade social mais complexa do que essa mera simpatia para com estes bonecos de faz-de-conta? O fascínio destes ‘bebés reborn’ parece revelar a evocação de outras emoções profundas, muitas vezes ligadas a experiências de vida, como o luto, a maternidade, ou simplesmente do desejo de cuidar, podendo ainda situar-se na linha de tentativas de colmatar uma certa maternidade frustrada, seja pela infertilidade, por alguma experiência de aborto ou por perda gestacional.

3. De entre tantas reações a esta onda de ‘rebonismo’, há quem contraponha a concomitância com tantas crianças abandonadas e sem haver que cuide delas atentamente. Outros ainda situam-se na linha de que estes ‘bonecos’ já trazem livro de instruções, coisa que as crianças de carne-e-osso não apresentam e, por conseguinte, os pais/progenitores têm de aprender a lidar com o ‘presente’, seja ele como for, é um ser vivo. Outros mais exagerados consideram que os ‘bebés reborn’ são ainda menos valiosos do que os animais de companhia, domésticos ou de estimação, pois, estes, como seres vivos, reclamam da não-atenção dada e podem tornar-se algo mais exigente até do que as crianças nascidas…

4. Há, no entanto, uma reflexão que exige capacidade de interpretação deste fenómeno dos ‘bebés reborn’: serão uma ilusão disfarçada de ternura, mais na incidência virtual do que real? Não serão mais uma substituição simbólica, transformada em realidade alternativa? Não será que a empatia gerada com e pelos ‘bebés reborn’ se está a tornar em alienação quase coletiva? O assunto é sério e exigente.

5. De facto, nota-se mais uma vez não só a inversão de valores, mas a sua confusão, privilegiando o que parece àquilo que é e fazendo com que se procurem compensações emocionais onde deveria haver simpatia e compaixão não com coisas – os ‘bebés reborn’ são material disfarçado – mas com pessoas, sentindo os seus sentimentos, quantas vezes baralhados por razões quase inexplicáveis. Sem nos darmos conta as emoções das pessoas foram-se tornando endurecidas e a sua expressão em faceta humana como que eivadas de sentimentos interesseiros e gananciosos. Urge humanizarmo-nos com humildade e verdade.



António Sílvio Couto

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