Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sábado, 7 de junho de 2025

‘Sardinhas ao prato’!


 A sabedoria popular é rica em recursos com questões ligadas à comida, criando adágios subtis e de grande riqueza cultural. Ora, neste tempo em que a sardinha vai passar a ser pitéu muito degustado, recorro à expressão: ‘sardinhas ao prato’ para tentar falar do modo como devemos tratar assuntos que foram (ou podem ter sido) malcuidados anteriormente.

1. Explicando a expressão: sardinhas ao prato.
Antes de querer significar que colocamos a sardinha no prato, depois de a termos tratado com mais cuidado do que os outros, numa certa esperteza, daqui adviria dessa outra expressão - ‘puxar a brasa à sua sardinha’, como forma de cada pessoa colocar a sua sardinha mais perto das brasas para assim assar mais rápido, isto é, defendendo os seus interesses sobrepondo-se aos outros... A exclamação – ‘sardinha ao prato’ quer reclamar que o assunto, que estava quase resolvido, tem de voltar a ser tratado, como que refazendo a divisão das sardinhas já distribuídas... Deste modo as prioridades na distribuição têm de ser retomadas, revistas ou conjugadas porque algo aconteceu que atrapalhou a correta distribuição das sardinhas que estavam no prato...

2. Saindo da etapa culinária desta abordagem do tema e tentando ver as questões no âmbito da revisão de critérios e dentro da prossecução das finalidades que podem ter sido menos bem aferidas, poderemos considerar que repor as ‘sardinhas no prato’ faz-nos: situar na vivência da justiça entre as pessoas e nos grupos; apurar as perspetivas de todos e não só de alguns, possivelmente mais espertos no trato com os outros; gerar humildade para reconhecer que houve algo de errado e isso ainda se pode recompor a contento de todos; gerar, que é muito mais do que gerir, confiança de todos em todos, sem prejuízo de ninguém; proporcionar novas discussões, onde todos possam ser atendidos e não somente uns tantos mais lestos no açambarcar, mesmo que possa não ser comida.

3. Consta que no recente apagão de eletricidade, a 28 de abril, se verificou uma corrida desenfreada aos bens de consumo, com pessoas a comprarem avidamente mas que, no dia seguinte, retomada alguma da normalidade, pretendiam devolver os bens adquiridos em excesso. Claro que aqui está um exemplo de má gestão dos recursos e, pior, de desrespeito pelos outros concidadãos, certamente também necessitados dos mesmos bens. Deste modo se viu a má qualidade e a pior falta de educação de um povo, que se remedeia sem atender aos outros.

4. A educação de um povo não se mede nem avalia pela instrução auferida e tão pouco pelos cursos dados e/recebidos, mas pela atenção aos outros e à resolução dos seus problemas, desde os mais simples e rotineiros até aos mais complexos e sinergéticos. Aqui poderemos considerar se o sucesso do ‘banco alimentar contra a fome’ revela um país educado para a solidariedade ou se uma nação mais atenta aos seus interesses, mesmo que disfarçando a ‘esmola’ para os outros... Como tantas vezes se ouve: hoje por eles e para eles, amanhã poderá ser preciso para mim…

5. A arte e o engenho de tantos projetos já realizados precisa de contar com a nossa bonomia mais ou menos disfarçada de precaver os insucessos futuros, tentando semear no tempo de abundância relativa. Somos ainda uma população nacional a ritmos de desenvolvimento humano, social, económico e cultural muito díspares, onde coexistem situações de esbanjamento e casos de clamorosa miséria... às vezes na mesma rua, prédio ou freguesia. Precisamos de atender a que poderá acontecer que nem todos tenham sardinhas no prato e outros lançam-nas para o lixo por desrespeito pelos mais pobres.





António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário