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domingo, 7 de novembro de 2021

Rotulagem inadequada (direita – esquerda)

 


É comum ouvirmos, na linguagem política, esta distinção: direita – esquerda… num antagonismo quase esquizofrénico, sobretudo, em certos momentos de exacerbação do debate, como este que estamos a viver, por agora.

- De onde vem e qual é o real significado desta oposição: direita-esquerda? Será ainda adequada? Que valores ou critérios servem para que se continue a usar esta denominação? Haverá ‘pureza’ de terminologia e, sobretudo, de comportamentos em cada setor? Estes contraditórios serão assim tão díspares e inconciliáveis? Como entender, então, que disputem quase sempre um eleitorado algo cinzento e tão volúvel?

- Que dizer de uns tantos, autoapelidados de ‘esquerda’ que se pavoneiam em carrões de capitalistas? Como entender a visão de (dita) esquerda em que certas autarquias compram veículos por milhares de euros? Isso não os constrangerá, minimamente, perante os ‘trabalhadores’ de quem se dizem representantes e lídimos eleitos? Como entender um tal capitalismo de estado (social ou socialista), em que situações de miséria grassam entre os seus inócuos ou fiduciários votantes? Como poderá a ‘esquerda’ distribuir favores e subsídios se não sabe, desgraçadamente, gerar riqueza? A ‘direita’ será toda assim tão capitalista e insensível aos pobres a quem dá emprego e tenta pagar, justamente, os salários?

1. Vejamos como se podem definir – apelidar, acusar ou rotular – os mentores, adeptos e seguidores de ‘direita’ e de ‘esquerda’ e quais as matérias de que se servem para tal distinção. Daquilo que conseguimos aferir sobre o tema podemos considerar que os termos ‘esquerda’ e ‘direita’ apareceram durante a Revolução Francesa, em 1789, e o subsequente Império de Napoleão Bonaparte, quando os membros da Assembleia Nacional se dividiam em partidários do rei à direita do presidente e simpatizantes da revolução à sua esquerda.
No contexto do tempo da ‘guerra fria’ – confronto simbolizado entre os EUA e a URSS – podemos encontrar quatro dimensões – política, económica, religiosa e temporalidade – que mais definem os elementos da divisão ideológica entre ‘esquerda’ e ‘direita’. Como traços periféricos da divisão entre direita e esquerda temos ainda: para o primeiro o setor político, o passado, o status quo, a livre empresa e os EUA; para a segunda a orientação ideológica, o futuro, a mudança, a intervenção do Estado na economia e a URSS. A direita será mais conservadora e mais contínua nas suas ideias, enquanto a esquerda parece conviver um tanto melhor com a descontinuidade.
Após a queda do muro de Berlim, em 1989, os partidos de ‘direita’ e de ‘esquerda’ sofreram mutações conceptuais. O que era bastante claro num mundo polarizado – de um lado o modelo liberal/democrático/capitalista americano, e do outro o modelo social/autoritário/comunista soviético – passou a ficar confuso após a ‘queda do muro’ e do fim da União Soviética. Muitos ditos de ‘esquerda’ migraram para concepções mais democráticas e progressistas, enquanto outros ditos ‘direita’ começaram a ser identificados como pessoas mais reacionárias. A verdade é que os rótulos ‘direita/esquerda’ já são muito limitados para definir a diversidade política do século XXI, sendo talvez mais interessante a abrangência do discurso, definindo-se de forma mais clara a concepção política de cada um…

2. Perante este percurso histórico-ideológico parece confrangedor o espetro dos partidos em Portugal e das tentativas de se qualificarem sem classificação. Usam-se chavões desadequados da evolução social e tecnológica. Pretende-se dar a entender que questiúnculas como o ‘estado social’, problemas de saúde ou casos de educação/instrução… se resolvem pelas pretensões ideológicas quase medievalescas, como se a saúde das pessoas tivesse ascendente de melhor trato se praticada só nos hospitais públicos, por sinal em menor número do que os outros; as escolas não-públicas fossem de menor qualidade, por sinal classificadas melhor no ranking geral; o ‘estado social’ terá de manter e suportar subsidio-dependentes ‘profissionais’?

3. As tomadas de posição do Papa João Paulo II revestiram-se de grande significado: umas vezes era progressista de esquerda, quando intervinha nas questões laborais e sociais; outras era conservador de direita, quando abordava temas de índole moral, como a vida… Afinal, poder-se-á ser lido conforme as perspetivas de quem vê, lê ou ouve? Coerência, a quanto obrigas, ontem como hoje!



António Sílvio Couto

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