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segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Ridículo e ridicularização…

 


Recordo do meu tempo de estudante que um professor nos ditou para o exame a seguinte questão: ‘evidência e evidenciação na teoria do conhecimento’…e, por duas horas rigidamente contadas, tivemos de dedilhar os conhecimentos, as teses, os resumos e as múltiplas conjugações da matéria estudada…
Seguindo o método neotomista, antes de mais, tínhamos de fazer uma exigente definição dos termos para não estarmos a falar de coisas diversas usando idênticas palavras.
Atendendo a esta aprendizagem vamos tentar conjugar os termos filosóficos com as palavras que servem de título a este texto. Será o ‘ridículo’ uma evidência e a ‘ridicularização’ uma evidenciação? Não será o binómio ‘evidência-ridículo’ uma visão demasiado evidente e onde poderemos fazer uma leitura da realidade dos nossos dias? Por seu turno, o paralelo ‘ridicularização-evidenciação’ poderá ser explicativo de tantas subtilezas ainda não compreendidas?

1. Se as coisas televisionadas podem representar – pelo simbolismo ou pela valorização dada – algo da nossa vida, então, somos tentados a conjeturar que o ridículo está em ponto-de-rebuçado, pois vemo-lo desde as notícias até aos programas de entretenimento, passando pelas telenovelas ou mesmo pelos debates. Em múltiplas situações só pelo ridículo se compreende que se gastem horas a falar de assuntos inúteis – veja-se as tricas do futebol e de alguns clubes em particular – e com tal veemência que os mais incautos podem ser ludibriados pelas questões… O valor das matérias em discussão não se mede pelo tempo ocupado, mas pela importância para a vida de quem possa escutar ou estar interessado no assunto…

2. A vertente da ridicularização também é servida a rodos nas conversas, nas ‘comunicações’ das (ditas) redes sociais ou nos espaços de influência sucedâneos das conversas de café... O léxico português tem alguma variedade de palavras para exprimir esta nossa apetência – quase congénita – para fazermos do falar-da-vida-dos-outros um assunto de ocupação do tempo. Quem não identifica bisbilhotice como essa intromissão na vida alheia, recorrendo ao dizer-mal-dos-outros como tema? Noutros lugares usa-se calhandrice, mexeriquice, fofoquice… Há ainda termos regionais para se referir a esta atitude de intromissão, por menos boas (ou más) razões na vida-dos-outros: ‘cabaneira’, termo minhoto que significa alcoviteira e que, à porta da sua casa (cabana), se entretinha a falar da vida alheia…certamente denegrindo quem era falado… Também a palavra ‘sendeiro’, no significado no masculino de trapaceiro e troca-tintas ou que usa o que sabe para entalar os outros, tentando sobressair-se sobre os demais…Que dizer ainda de ‘trampolineiro’ como vigarista ou de fazer muito ‘basqueiro’, como sendo uma forma de armar barulho para confundir as ideias de quem não entende o nosso linguajar? Riqueza não falta. Entendimento, precisa-se!

3. Ora, nos tempos que decorrem, temos de estar atentos ao alcance das palavras, dos gestos e dos sinais daqueles/as com quem comunicamos. Com efeito, se houver desfasamento entre emissor e recetor, a mensagem pode não ser descodificada. Efetivamente, muita da comunicação em curso usa de razoáveis artimanhas, numa tentativa de manipular quem possa estar à escuta: com que habilidade vemos alguns dos comunicadores – em certas situações usando de imagens subliminares (breves, fugidias e quase impercetíveis) – ardilosamente a aparecerem com trejeitos de quem não sabe o que dizer, mas que encobre com artifícios bem montados para distraírem do essencial, fixando-se no secundário e/ou acessório, mas que os intermediários (os vários órgãos de comunicação) se encarregarão de sublinhar, embora o importante possa ficar sem ser visto, dito ou mostrado…A isto não se poderá chamar ridicularização do ridículo?

4. Numa avaliação de alguns momentos recentes da nossa vida coletiva como que poderemos considerar uma ridicularização quase sem ridículo, tais como as derrotas do mundo do futebol – da seleção ou dos clubes mais representativos – ou ainda dos insucessos inesperados de outros setores ou de ações (militares ou outras) que já nos deram grande ostentação. Não será que ainda não percebemos que a exceção não faz a regra e que esta nem sempre se conjuga com sucesso sem trabalho… Só no dicionário tal se antecede!

António Sílvio Couto

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