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sábado, 20 de novembro de 2021

Os sonhos são dos pobres


 Numa daquelas frases quase estereotipadas li na legenda de um filme: ‘os sonhos são dos pobres’, como se se quisesse dizer que os pobres acalentam sonhos para sobreviverem na caminhada da vida…enquanto os ricos já terão concretizados tais pretensões, por isso, não as sonham nem as incluem nas expetativas de virem a ser realizadas…

Agora que caminhamos a passos rápidos para o tempo do Natal – época propícia a sonhar ou ao menos a desejar algo mais viável – como que poderemos acalentam sonhos, não de meros pobres, mas de cidadãos em caminho neste tempo e nesta Terra.

1. À boa maneira das crianças, em maré de pedidos de prendas/presentes, poderíamos como que listar alguns dos sonhos que gostaríamos que se pudessem realizar…porque não já neste Natal. Quando vemos que as relações humanas parecem caminhar alicerçadas na crispação, não seria desejável que as pessoas vivessem em respeito mútuo e em diálogo fraterno? Não haverá muito mais uma vivência feita pela reivindicação do que pela construção humilde e participativa naquilo em que somos chamados a estar? Não serviremos mais a contestação azeda do que a moderação inclusiva para com todos? Não dá a impressão que, nalgumas circunstâncias, quase somos atraiçoados pelo desfasamento entre o que queremos e aquilo que, de facto, fazemos? O maior sonho desta nossa condição humana de peregrinos é a arte de saber entretecer o possível com o imaginável e de sabermos articular os anseios individuais com as possibilidades alheias…

2. Colocados sob a suspeita de estarmos a entrar na 5.ª vaga do ‘covid-19’, não seria desejável que nos saibamos respeitar para que os efeitos do vírus se diluam e possamos reaprender a estar uns com os outros? Até onde irá este ambiente do ‘salve-se-quem-puder’, entrando em tensão com as regras mínimas de convivência social e ambiental? Não estaremos, hoje, mais egoístas do que há vinte meses, no início da pandemia? Não dá a impressão de que desaprendemos as mais básicas linhas de educação, se é que as tínhamos adquirido? Efetivamente não teremos evitado tomar as medidas necessárias, enquanto quisemos conduzirmos pelas mais urgentes?

3. O que vivemos nos tempos de pandemia – ainda em curso – não nos fez sair do pesadelo mais atroz de ficarem a nu as nossas ‘certezas’ cheias de lacunas, de erros, de misérias ou de petulâncias irrisórias. Os sonhos desfeitos com as diversas vagas de covid-19 em vez de nos terem amolecido parece que nos enquistaram – senão na teoria ao menos na prática – para connosco mesmos e uns para com os outros: em pequenos sinais podemos perceber que estes vinte meses parece que se tornaram oportunidades perdidas para nos conhecermos melhor, mais a fundo e olhando para o Além. Embora os nossos olhos tenham ficado a descoberto da máscara higiénica, dá a impressão que não temos sabido ver com propriedade tanta da nossa incoerência: não crescemos em humanismo nem em simplicidade, antes pelo contrário fomos alimentando a ilusão de que isto da pandemia não era coisa séria nem exigente… De facto, pelo menos três em cada dez portugueses foram atingidos pelo vírus… em qualquer das suas manifestações!

4. Os sonhos mortos de tantos dos nossos contemporâneos não foram coisa suficiente para questionarmos a nossa ‘vidinha’ (o diminutivo é sarcástico) prenhe de falsas ambições, enfeitada de diversas provocações ou mesmo inventada por imensas ilusões. Pior do que os sonhos dos pobres, é a indigência de tais idílios. Com efeito, o recurso ao jogo rápido e barato para ser rico depressa; os enganos publicitários de facilidade em conseguir tais desejos; a pressa em atingir os intentos sem olhar a meios; os fins conseguidos à custa de pisar tudo e todos; as tentativas em ludibriar até que se descubra a falsidade… são alguns dos itens em que vamos vivendo senão a sonhar pelo menos a efabular. Já o percebemos?

5. Os vendedores de sonhos para tantos dos ‘nossos’ pobres depressa serão descobertos e, quando o forem, cuidem das consequências… sociais, políticas, ético-morais ou religiosas. Quem semeia sonhos…



António Sílvio Couto

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