Pelos
mais recentes exemplos – jogos e comemorações do futebol, de âmbito nacional ou
com trejeitos mais internacionais – teremos de reconsiderar se já estaremos
capacitados para aliviar as medidas de contenção neste tempo de pandemia.
Desde
fevereiro do ano passado que muito do convívio social foi posto em suspenso: da
recusa do mínimo contato até às higienizações quase doentias, o recurso
contínuo à máscara, os distanciamentos compulsivos…fomos sobrevivendo e até
lidando com os cuidados pessoais à mistura com os alheios.
Percorrida
a fase da testagem e ensaiando a etapa da vacinação foi-se criando a sensação
de quase segurança no controle do vírus, mesmo que desconfiando de tudo e de
quase todos…Ténues esperanças se vislumbram e a pretensa normalidade parece dar
pequenos e titubeantes passos.
1. Eis que fatores menos bem
controlados deixaram o medo no ar… Sim, é no ar que paira o vírus fatal. E pelo
ar de descontração de uns tantos – talvez mais prevenidos ou até inconscientes
– poderemos correr o risco de deitar meses de sacrifício a perder. Não ficamos
indiferentes aos atropelos de nacionais em festejos do futebol nem foi digno de
convivência social mínima assistir aos abusos de ingleses por estes dias à
boleia do futebolês… Vimos policiamento, mas onde estava a autoridade?
2. Surgidos os primeiros laivos de
calor eis que as praias se foram enchendo de pessoas mais ou menos
respeitadoras das regras sanitárias. Por outro lado, também quase de forma
recorrente emergiu o medo de que somos um povo menos atento e logo seria
necessário implementar medidas repressivas, vigilâncias policiais e até coimas
para os incumpridores. Pintado o cenário mais atroz, não se verificou… Dá a
impressão de que não confiamos nos outros porque somos inseguros e estamos de
mal connosco mesmos. Fantasmas a precisaremos de serem exorcizados…
3. Num mês rotulado de ‘santos
populares’ parece que está algo em suspenso: umas vezes parece a espada de
Dâmocles sobre a cabeça de todos, noutros casos vivemos na apreensão de que o
pior ainda não veio e, regra geral, a culpa é de quem não decide porque eu sou
responsável e os outros que se desenrasquem como eu vou tentar fazer… Pode vir
a fiscalização, que iremos fintá-la nem que seja com mentiras e subterfúgios quase-infantis…
pensarão alguns.
4. Arrolhados que foram os momentos
de convivência social, por ocasião das festas mais significativas no ano
passado, nota-se uma certa apreensão sobre o que vai acontecer este ano… Ainda
não aprendemos a lidar com a diferença, julgando que vai ser um retomar do que
era antes, em vez de sabermos aprender com as novas e exigentes circunstâncias.
O fatídico slogan – ‘vai ficar tudo bem’ – tem de ser rasgado e lançado ao lixo
do oportunismo ou da ignorância mais imbecil. Precisamos de aprender a
adequar-nos à diferença, sabendo ler, interpretar e viver com olhos novos,
lavados e sinceros…
5. Tudo quanto nos aconteceu – e
vai continuar a ser permitido conhecer – traz exigências diferentes dos tempos
do passado recente: quase nada daquilo que antes tínhamos vai ser vivido da
mesma forma, após este intervalo de provação de todos e para todos. Para
aqueles que têm a esperança num tempo novo será urgente reaprender a estar,
nesse entrecruzamento de leituras e perante a busca de respostas…Ninguém dará
lições a ninguém, antes vamos aprendendo com os sinais da vida o que esta nos
trará de sempre novo.
6. À
memória de crente me vem o poema de Manuel de Jesus Ferreira – ‘se me envolve a noite escura e caminho sobre
abismos de amargura, nada temos porque a luz está comigo’. É isso:
poderemos ansiar fazer festa, mas esta só acontece quando estamos centrados no
essencial. Em tudo isto que fomos tentando perceber, fica a sensação: Deus está
a falar. Já O compreendemos?
António Sílvio Couto
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