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quarta-feira, 2 de junho de 2021

Festas em tempo de pandemia


 Pelos mais recentes exemplos – jogos e comemorações do futebol, de âmbito nacional ou com trejeitos mais internacionais – teremos de reconsiderar se já estaremos capacitados para aliviar as medidas de contenção neste tempo de pandemia.

Desde fevereiro do ano passado que muito do convívio social foi posto em suspenso: da recusa do mínimo contato até às higienizações quase doentias, o recurso contínuo à máscara, os distanciamentos compulsivos…fomos sobrevivendo e até lidando com os cuidados pessoais à mistura com os alheios.

Percorrida a fase da testagem e ensaiando a etapa da vacinação foi-se criando a sensação de quase segurança no controle do vírus, mesmo que desconfiando de tudo e de quase todos…Ténues esperanças se vislumbram e a pretensa normalidade parece dar pequenos e titubeantes passos.

 1. Eis que fatores menos bem controlados deixaram o medo no ar… Sim, é no ar que paira o vírus fatal. E pelo ar de descontração de uns tantos – talvez mais prevenidos ou até inconscientes – poderemos correr o risco de deitar meses de sacrifício a perder. Não ficamos indiferentes aos atropelos de nacionais em festejos do futebol nem foi digno de convivência social mínima assistir aos abusos de ingleses por estes dias à boleia do futebolês… Vimos policiamento, mas onde estava a autoridade?

 2. Surgidos os primeiros laivos de calor eis que as praias se foram enchendo de pessoas mais ou menos respeitadoras das regras sanitárias. Por outro lado, também quase de forma recorrente emergiu o medo de que somos um povo menos atento e logo seria necessário implementar medidas repressivas, vigilâncias policiais e até coimas para os incumpridores. Pintado o cenário mais atroz, não se verificou… Dá a impressão de que não confiamos nos outros porque somos inseguros e estamos de mal connosco mesmos. Fantasmas a precisaremos de serem exorcizados…

 3. Num mês rotulado de ‘santos populares’ parece que está algo em suspenso: umas vezes parece a espada de Dâmocles sobre a cabeça de todos, noutros casos vivemos na apreensão de que o pior ainda não veio e, regra geral, a culpa é de quem não decide porque eu sou responsável e os outros que se desenrasquem como eu vou tentar fazer… Pode vir a fiscalização, que iremos fintá-la nem que seja com mentiras e subterfúgios quase-infantis… pensarão alguns.

 4. Arrolhados que foram os momentos de convivência social, por ocasião das festas mais significativas no ano passado, nota-se uma certa apreensão sobre o que vai acontecer este ano… Ainda não aprendemos a lidar com a diferença, julgando que vai ser um retomar do que era antes, em vez de sabermos aprender com as novas e exigentes circunstâncias. O fatídico slogan – ‘vai ficar tudo bem’ – tem de ser rasgado e lançado ao lixo do oportunismo ou da ignorância mais imbecil. Precisamos de aprender a adequar-nos à diferença, sabendo ler, interpretar e viver com olhos novos, lavados e sinceros…

 5. Tudo quanto nos aconteceu – e vai continuar a ser permitido conhecer – traz exigências diferentes dos tempos do passado recente: quase nada daquilo que antes tínhamos vai ser vivido da mesma forma, após este intervalo de provação de todos e para todos. Para aqueles que têm a esperança num tempo novo será urgente reaprender a estar, nesse entrecruzamento de leituras e perante a busca de respostas…Ninguém dará lições a ninguém, antes vamos aprendendo com os sinais da vida o que esta nos trará de sempre novo.

 6. À memória de crente me vem o poema de Manuel de Jesus Ferreira – ‘se me envolve a noite escura e caminho sobre abismos de amargura, nada temos porque a luz está comigo’. É isso: poderemos ansiar fazer festa, mas esta só acontece quando estamos centrados no essencial. Em tudo isto que fomos tentando perceber, fica a sensação: Deus está a falar. Já O compreendemos?

 

António Sílvio Couto

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