Os
factos: no decorrer de um jogo de futebol numa divisão do distrital, no
interior do país, o guarda-redes da equipa visitada – bombeiro do corpo de
socorro de emergência – saiu do seu posto, quase a terminar o jogo, para ir
assistir, num ataque de epilepsia, um espetador (de trinta e dois anos) da
equipa adversária, continuando nesse trabalho de assistência até à chegada do
socorro mais consistente… estabilizada a situação o jogador voltou ao seu posto
e o árbitro, no final da partida, puxou do cartão branco do fair-play…
1. No âmbito do desporto –
particularmente do futebol – já conhecíamos os cartões amarelo e vermelho para
advertir ou castigar infrações dos jogadores ou outros agentes desportivos no
âmbito dos jogos… Há modalidades onde temos ainda o cartão azul que previne
alguma falta em vista de sanção posterior… Nalguns campeonatos de futebol está
a ser implementado o ‘cartão verde’ como forma de premiar um atleta que tenha
tido algum gesto ou jogada, considerados bonitos ou como conduta exemplar
dentro do campo…
2. Qual é, então, o sentido do
‘cartão branco’ de que falamos supra, como e quando poderá ser exibido?
O ‘cartão branco’
é um recurso pedagógico que visa enaltecer condutas eticamente corretas,
praticadas por atletas, treinadores, dirigentes, público e outros agentes
desportivos. Ao ‘cartão branco’ aderiram entidades interessadas em promover
valores e ética no âmbito da prática desportiva. Com efeito, o ‘cartão branco’
resulta de uma parceria entre o Plano Nacional de Ética no Desporto, a
Confederação das Associações de Juízes e Árbitros de Portugal e uma marca de
refrigerantes. Desde que foi lançado, em
2015, o ‘cartão branco’ foi exibido, até finais de 2020, por mais de duas mil e
quinhentas vezes...
3. Que implicações humanas, sociais
e culturais poderá ter este ‘cartão branco’ naquilo que tem de singular e de
genuíno? Atendendo às diversas atividades em que estamos inseridos não seria
útil e necessário encontrarmos mais candidatos ao ‘cartão branco’? Se tivermos
na devida conta as incidências do ‘cartão branco’ não seria conveniente promovê-lo
nas díspares atividades em que nos encontramos? Daríamos um cartão branco pela
nossa atitude compreensiva para com os outros? Aceitaríamos que no-lo dessem
pelo modo como nos comportamos?
4. Por vezes sinto, penso e até
digo: ‘como era feliz, quando era ignorante’. Refiro-me a situações em que,
pelas mais diversas circunstâncias, passei a conhecer um tanto melhor as
pessoas, a sua história ou mesmo as razões de serem como são… De facto, há
momentos em que cai dos olhos essa espécie de escamas subsequentemente às quais
vemos os outros com outros olhos e talvez com menos filtros. Outrossim poderá
e/ou deverá acontecer na experiência dos outros sobre nós mesmos… damo-nos a
conhecer e podemos dececioná-los. Escrevia há tempos: ‘enganei-me e fui
enganado’…
5. Ousamos sugerir situações da
nossa vida ordinária/habitual/do dia-a-dia que poderiam ser submetidas à
apreciação social do ‘cartão branco’ de fair-play:
- os
casos de maledicência – direta ou pelas ditas redes sociais – sobre a vida
alheia;
- as
tropelias no trato de uns com os outros, particularmente quando tentamos
disfarçar os nossos defeitos com as acusações aos demais;
- quando
julgamos os outros mais pelas aparências, mesmo que incluindo as roupas, o
carro, a casa ou o pretenso estatuto social;
- nas
pretensões arrolhadas pela inveja quanto ao que os outros têm, sobretudo
através do seu trabalho, dedicação e empenho…
6. O ‘cartão branco’ do fair-play
não passa, afinal, da correta articulação de todos e de tudo em sociedade,
particularmente pelo exercício das virtudes cristãs mais básicas, essenciais e
verdadeiras.
Merecerei
um ‘cartão branco’ de fair-play no jogo da vida quotidiana?
António Sílvio Couto
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