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segunda-feira, 2 de março de 2020

Sob a pandemia do medo


Por estes dias temos estado constantemente a receber notícias da evolução do ‘coronavírus covid-19’, desde os infetados, os afetados e as vítimas…num corrupio tal que corremos o risco de confundir as causas com os efeitos e até as consequências com outros sintomas.

Desde dezembro de 2019, quando foi declarado na cidade chinesa de Wuhan, que temos estado a ser invadidos por toda a espécie de suspeitas, conjugadas com repercussões na saúde pública e mesmo na economia. Um progressivo manto de medo se estende sobre uma boa parte dos países, nações e continentes. Nalguns casos nota-se uma quase histeria coletiva, tal parece ser a turbulência que se tem verificado em mais um caso de interdependência de uns para com os outros, apesar do crescente egoísmo.

Em certa comunicação social dá a impressão que os fatores noticiosos têm estado mais sob a tutela do escândalo do que da prevenção correta, sucinta e clara. A forma quase de abutre com que são colocadas certas reportagens no ar deixam algo a desconfiar sobre o real interesse dos canais de informação e nas diferentes plataformas de comunicação, pois parece confundir-se o que se deva saber com aquilo que possa subjugar as pessoas pelo medo…de si mesmas e dos outros.

Um dos casos mais simbólicos neste processo foi o do canalizador num navio de cruzeiro, atracado num porto no Japão: as várias intervenções da mulher, localizado numa cidade à beira-mar, desencadearam a intervenção dos mais altos responsáveis da nação, podendo, em breve, estar de regresso ao país… Um outro membro da tripulação do mesmo cruzeiro não quis sair do anonimato e não sabemos se foi atendido de forma idêntica…

Neste tempo de alta futilidade torna-se fundamental não confundir a árvore com a floresta, evitando derrubar esta só porque uma das árvores está sob suspeita de estar infetada. Efetivamente com que facilidade as pessoas são expostas na sua não-proteção de dados, pois passam a estar sob o escrutínio público quando se encontram em estado de maior debilidade. Ora é exatamente nestas circunstâncias que as pessoas precisam de ser resguardadas na sua dignidade. Com efeito, esta é a marca mais salutar de toda a existência humana e saber conjugar os dados para que a dignidade seja um direito sem interferência abusiva alheia é algo a ter sempre em conta…ao longo de toda a vida. 

= No percurso da história da Humanidade houve alguns momentos de pandemia mais ou menos significativos. Pandemias ligadas à gripe, com as mais célebres: gripe russa (século XIX), gripe espanhola (surgiu em 1918…com mais de 40 milhões de mortos), gripe asiática (surgiu na China em 1957…atingiu todos os países do mundo em dez meses), gripe de Hong Kong (surgiu na China em 1968). Oito grandes pandemias ligadas à cólera. Tivemos ainda a peste negra que, na baixa Idade Média, assolou a Europa, vitimando entre um terço (25 milhões) e metade (75 milhões) da população mundial. No século XVI, sobretudo no México, deu-se a pandemia da varíola e do sarampo, com mais de dois milhões de mortos. Mais recentemente tivemos a pandemia da sida, que, desde 1982, infetou 60 milhões de pessoas em todo o mundo e vitimou 20 milhões de pessoas. Ébola, zika e dengue continuam a poderem tornar-se novos fenómenos de doenças pandémicas.  

= Perante estes dados sobre questões do passado torna-se urgente ser esclarecido, no presente, mas sem entrarmos numa quase psicose alarmista, que interessa mais a quem cultiva o medo e possa fazer dele uma arma contra os outros. Quando a responsável pela área da saúde portuguesa atirou para o ar a conjetura de um milhão de portugueses poderem ser atingidos pelo ‘covid-19’ talvez tenha sido bastante imprudente, particularmente, tendo em conta a propensão para o alarmismo dos nossos conterrâneos.

Urge, por isso, sermos informados com sensatez e com o rigor, que é próprio de quem está ao serviço da verdade e não do sensacionalismo. Apesar de estarmos numa época de acentuado egoísmo precisamos de cultivar mais e melhor a interdependência entre povos, nações e culturas. Seria de muito mau gosto que continuássemos a avaliar o impacto do ‘covid-19’ com os olhos economicistas, devendo, pelo contrário, dar mais atenção, cuidado humanista e humanitário… a todos os envolvidos no processo.           

   

António Sílvio Couto

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