Tal como noutros momentos/acontecimentos mais
difíceis da história da Humanidade, assim agora se pode/deve perguntar: onde
está Deus? O que é que Ele nos está a querer dizer? Que sinais encontramos de
que Ele está em tudo isto? Qual o contributo humano para esta situação
generalizada de crise? Será isto resultado de uma tendência crescente de homem/mulher
hodiernos terem posto Deus fora da sua existência? Não andaremos a viver, cada
vez mais, segundo o princípio ‘como se Deus não existisse’?
- Partindo do pressuposto de que nada acontece fora
de Deus, temos de questionar-nos uns aos outros sobre tudo isto que está a
acontecer… desde o que conseguimos enxergar até àquilo mais profundo que não
temos capacidade de o verificar. Efetivamente, em menos de três meses – as primeiras
notícias em Whuan, na China, datam de finais de 2019 – generalizou-se esta
pandemia… cujos números de infetados, de colocados em vigilância (quarentena ou
outro modelo) e até de falecidos estão em contínua desatualização… Tudo isto,
num ápice mergulhou-nos nesse tal ambiente a roçar o tétrico e quase incontrolável,
tanto pelas autoridades, quanto pelas pessoas mais ou menos conscientes daquilo
que está em causa: a saúde pública e talvez a sobrevivência privada.
- Perante as medidas tomadas para tentar controlar a
epidemia pelo ‘covid-19’ poderemos ficar descansados? Haverá proporção entre um
certo cuidado coletivo e algum desleixo pessoal? Já teremos todos interiorizado
que podemos ser mais difusores do vírus do que recetadores do mesmo?
Há sinais evidentes de que o egoísmo é hoje a melhor
forma de expressão religiosa, mesmos daqueles e para aqueles que se julgam
cristãos. Com que facilidade se resguardam as pessoas, quando lhes parece estar
em causa o seu interesse mais recôndito. Nalguns casos podemos perceber que, em
matéria de direitos, andamos ainda muito longe da assunção completa dos
deveres.
Um tanto à força as pessoas vão-se recolhendo em
casa, atenuando os focos de difusão da doença. Tem estado a ser necessário
recorrer â ameaça – e coimas e até prisão – para que as ruas fiquem libertas de
pessoas, isto já para não falar das praias para onde convergiram, recentemente,
os alunos dispensados das escolas, tanto médias como do ensino superior. Em
certas circunstâncias as autarquias fecharam os parques de estacionamento
próximos das praias para condicionarem os utentes… Isto parece uma brincadeira
de gente pequena interpretada por ‘gente’ grande…sem qualidade cívica.
Soa um tanto a algo pidesco a indicação de
não-permitir que mais de cinco pessoas possam estar juntas, na medida em que
isso pode ser considerado um perigo para a propagação do vírus… No entanto, para
aferirmos do estado de inconsciência coletiva a que termos chegado podemos ainda
aduzir o açambarcamento de provisões a partir dos espaços de venda. Ainda não
foi bem explicado o esgotamento em concreto do papel higiénico, dado que
podemos encontrar outros recursos para substituir a sua função.
= Ao nível da vivência da fé – particularmente na
expressão católica – vimos que foram desenvolvidos vários recursos para que os
‘praticantes’ continuem, ultrapassando as condicionantes exteriores. Sugestões
de missas pela internet (facebook, websites, youtube), pela rádio ou recorrendo
à televisão (aqui em âmbito nacional). Apesar das dificuldades temos de
encontrar soluções para que a nossa fé não seja menos bem alimentada em tempo
de Quaresma e em dia de domingo. Certamente já reparamos que esta crise se
desencadeou num tempo considerado forte da preparação para a Páscoa. Os mais
diversos meios tradicionais da Quaresma estão coartados, pelo menos na sua
expressão comunitária presencial. Temos de ser inventivos para fazermos deste
tempo, já propício ao recolhimento, uma nova etapa de nos recentramos no
essencial, de facultarmos mais tempo para Deus e de maior atenção aos outros,
atendendo à sua ausência física que não psicológica e espiritual. Talvez seja
oportuno que, em família ou pessoalmente, tenhamos um horário pré-estabelecido
de oração – onde se pode incluir o rosário, a liturgia das horas, a via-sacra
ou a meditação dos textos litúrgicos de cada dia – bem como podemos assistir a
alguma celebração eucarística através a internet/televisão. Será sempre de boa
conduta reaprendermos a ‘comunhão espiritual’ fora da missa…
António
Sílvio Couto
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