Há
pouco mais de um mês – recordemos, por exemplo, o dia 29 de fevereiro, em ano
bissexto – tudo era sucesso, boa disposição e liberdade. Se alguém ousasse
dizer que tudo isso estava em perigo, como que lhe perguntaríamos o que é que
teria estado a beber ou por onde tinha andado a snifar o quê. Se bem que de
Itália vinham maus ventos e de Espanha começavam a soprar piores presságios…com
isso a que ainda chamavam ‘coronavírus’, mas a sua designação mais catastrófica
de «covid-19» não tinha sido tão assumida…
Ao
nível religioso/católico estávamos a começar a quaresma, sem grande apreço pela
‘quarta-feira de cinzas’, onde – tendo em conta a realidade onde vivo há quase
dez anos, a Moita – um grupo de jovens do ISCTE estava a realizar a segunda
semana/ano da ‘missão país’…e uma boa parte dos ‘praticantes’ ainda não se
tinha dado conta da nova realidade litúrgica e espiritual…as missas, sobretudo as
de sábado, tinham pouca afluência e nem intenções pelos mortos surgiam…talvez fosse
ainda resultado do rescaldo do carnaval.
Em
Portugal, notícias dos canais de economia referiam que as contas públicas
registavam um excedente de 1,27 mil milhões de euros; outros salientavam que a
economia portuguesa tinha crescido 2,0%, em 2019, uma décima acima do estimado
pelo governo… As ruas, particularmente, da capital, tinham muitos turistas,
embora algumas empresas, sobretudo multinacionais, começassem a condicionar as
deslocações dos seus colaboradores…no horizonte eram desaconselhadas viagens
para o extremo Oriente, com a China em maior ressalva. As pessoas viviam sem
preocupações, gastando e projetando férias, dentro ou fora do país, com os
restaurantes a merecerem a preferência a comer em casa, nalguns casos havia
filas em espera…
… Decorrido um mês:
estamos em estado de emergência; muitas empresas – até da economia social –
estão a lançar mão do mecanismo de ‘lay-off’, as escolas – desde as creches até
às universidades – estão fechadas, agora de férias da Páscoa, mas já há duas
semanas por prevenção do ‘covid-19’; os restaurantes, cafés e atividades
similares foram compulsivamente fechados, os empregados suspensos de funções e
alguns até já despedidos; as ruas estão desertas, enquanto as estradas e
autoestradas começam a ficar sob vigilância das polícias; os aeroportos, depois
de dias em azáfama, começam a ficar sem pessoas; as forças de saúde estão
prestes a colapsar, tal a afluência aos postos de atendimento, consulta e
tratamento; os lares de idosos – a designação de ‘estrutura residencial para
idosos’ começa a ser eufemística – estão na mira das autoridades, tanto de
saúde como de segurança; as igrejas/locais de culto religioso estão fechadas e
os serviços de sacramentos com a presença de assembleia suspensos, com a
exceção das transmissões via internet, televisão ou pelas (ditas) redes
sociais…dois momentos marcaram os crentes católicos, na última semana, o ‘ato
de consagração ao Sagrado Coração de Jesus e Imaculado Coração de Maria’, em
Fátima, na tarde de 25 de março (por sinal nove meses antes do Natal) e a
‘bênção urbi et orbe’ do Papa Francisco, no Vaticano, a 27 de março, numa
intervenção místico-profética; a política e os políticos hibernaram e ninguém
quer destoar do protagonismo do governo, que vai gerindo conforme lhe convém e
gerando na medida em que lança dinheiro para calar as massas, enquanto estas se
emudecem de medo, de ansiedade e de possível concordância…serão semanas e meses
entre o hospital e o cemitério, onde as derradeiras despedidas não têm espaço
nem a mínima oportunidade…
…E depois de tudo isto?
Dizem
que nada será como antes. Outros creem que não passa de um susto, estando em
suspensão o que antes vivíamos. Uma silenciosa maioria acha que voltaremos à
estaca da crise de 2008, onde foi despejado dinheiro para fazer acreditar que
(quase) tudo se reduz à economia. Esta talvez revele o posicionamento de uma boa
parte de pessoas que chafurdam no consumismo, no materialismo e no mero
hedonismo.
Para
quem seja crente – veja-se a leviandade com que certos fazedores de notícias e
rostos da situação saem do armário da sua descrença com aparente serenidade,
mas tolhidos de medo no rosto – Deus está a falar, talvez demasiado baixo ou
será muito alto? Não aconteça que a supressão dos atos de culto com assembleia
acomodem os praticantes ao resguardo do sofá. Já sentimos a necessidade de
comungar Jesus-eucaristia? Como vamos sair desta crise com a fé mais reforçada?
Rezemos uns pelos outros e todos pelo mundo…
António Sílvio Couto
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