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domingo, 22 de março de 2020

Numa guerra sem quartel, quais são as munições?


Passado um certo susto inicial, a pandemia de ‘covid-19’ está ser levada mais a sério por parte das pessoas, desde dirigentes (nacionais e internacionais) até à população em geral, sem esquecer os mais diretos intervenientes que são os agentes da saúde e dos doentes (atuais ou futuros).

Vários termos têm sido usados para se referirem a esta pandemia, nas causas e, sobretudo, nas consequências: suspeitos, infetados, internados (em estado crítico ou vigiados no domicílio), confirmados (ou a aguardar resultados), casos recuperados e situações de falecimento…

Não será possível apresentar de forma objetiva quais serão os números exatos de qualquer um dos itens referidos, pois entre a recolha e a leitura haverá um desfasamento irremediável. Perante esta progressiva dificuldade em conseguir unir as pontas de um complexo sistema de perplexidade, tudo quanto possa ser dito andará sempre atrasado em relação aos factos e à sua interpretação.

É verdade que no espaço de poucos dias – a primeira vítima infetada, em Portugal, está datada de 2 de março – temos estado a ser assolados com dados verdadeiramente vertiginosos na subida. Comparativamente com outros países – particularmente com Itália e Espanha – vamos crescendo numa proporção menos acentuada, mas poderemos aumentar de forma repentina e talvez não-controlável…dentro de um mês.  

= Mesmo com algum atraso – mais na forma do que no tempo – os nossos governantes foram deixando sair a conta-gotas as medidas que consideravam mais adequadas, numa estratégia de comunicação que valerá a pena identificar, descrever e até desmontar. Por mais de uma vez foram apontadas soluções, mas o modo de ser feito só tinha concretização no dia seguinte ou depois deste…assim a máquina de comunicação poderia ir aferindo das reações dos papagaios nas diversas televisões (*) ou em espaços de discussão entretanto criados e desenvolvidos… Dava a impressão que, para cada medida, estaria em avaliação mais do que uma solução, dependendo da reação que se fosse (ou vai) gerando, para, desta forma, ir gerindo a prossecução de novas e mais (ousadas) medidas. Não será isto uma espécie de tática de populismo: primeiro atira-se para o ar, tenta-se ver como reagem e depois é só passar a escrito ou tirar da gaveta uma das propostas já (ardilosamente) pensadas… 

= Por diversas vezes os comunicadores – são até mais elas – vão fazendo o seu relato, mais do que uma vez ao dia, trazendo à colação dados um tanto dispersos, mas apresentados como se fossem a versão oficial do tema. A frase: ‘vamos aprendendo cada dia’ tem sido repetida. As lições de outros países têm aparecido como os melhores mestres no tratamento do assunto, na forma de o enfrentar e até de o comunicar.
Os refrães – televisivos e outros – foram-se espalhando pelos vários países numa articulação de aprendizagem que a todos beneficia. Não tem sido abordada a questão tanto quanto deveria, mas muito daquilo que estamos a viver seria quase que impossível de ver, de tratar e de combater fora do quadro da União Europeia, na ligação da maior parte dos países do velho continente. A circulação de pessoas e de informação não tem sido só maléfica, pois se a primeira talvez tenha ajudado a difundir-se a epidemia, a segunda tem sido muito salutar para perceber o problema, cuidar das etapas e mesmo antecipar comportamentos pessoais e sociais… de contaminação, de risco ou de disseminação. 

= Nesta guerra os quarteis têm sido os hospitais, fazendo do pessoal de saúde os combatentes quase a atingirem a exaustão. Em muitos casos foi-se gerando a mentalidade de que cada cidadão tem de ser vigia de si mesmo e dos outros, sustendo a difusão do vírus e cuidando de que não seja por negligência que outros sejam afetados. Dá a impressão de que custou a entender este mecanismo, dado que estávamos demasiado fechados aos outros, mas com o passar dos dias foi crescendo a convicção de que algo tinha de mudar e está a ser diferente. As munições desta batalha estão na consciência e no bom senso de todos, sabendo que de cada um depende a vitória de uma imensa multidão…ao final desta guerra.

Certas medidas profiláticas têm sido contundentes, desde o fechar dos templos até ao recolhimento em casa, mas será que isto é temporário ou vai-nos ensinar a estar uns com os outros? O medo não ajuda em nada! 

(*) Num dos canais de televisão, quando era apresentado um quadro da evolução progressiva da pandemia, um locutor questionou que, no dia 19 (quinta-feira), tinha havido uma quebra no crescimento da doença. Ele esqueceu-se que, nessa data, era o dia de São José… talvez ele tenha velado um pouco por nós.    

 

António Sílvio Couto

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