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sábado, 2 de novembro de 2019

Como conciliar natalidade com aborto?


No programa do XXII governo constitucional faz-se larga referência à questão da demografia, mais em vista de colheita económica do que com mentalidade pela vida.
A partir da página 100 e até à página 103, o dito programa dedica algumas considerações e propostas.
Respigamos da abertura dessa secção:
«Sendo a diminuição da natalidade e da fecundidade um traço comum dos países desenvolvidos, Portugal encontra-se entre os casos em que os níveis de fecundidade mais desceram ao longo das últimas décadas e onde têm sido, nos últimos anos, extraordinariamente baixos. Os impactos desta tendência, a longo prazo, pioram as perspetivas demográficas do país, mas, acima de tudo, significam que as condições para as pessoas desenvolverem os seus projetos de vida, designadamente para terem e criarem filhos em Portugal, sofrem bloqueios significativos.
O objetivo das políticas públicas nesta matéria é, por isso, criar condições para que as famílias possam ter os filhos que desejam ter, permitindo-lhes desenvolver projetos de vida com maior qualidade, segurança e melhor conciliação entre trabalho, vida familiar e pessoal. Trata-se não apenas de uma política de melhoria das perspetivas demográficas do país mas de uma verdadeira política de família, visando a promoção do bem-estar numa sociedade mais consentânea com as aspirações e projetos das pessoas
».  
Posteriormente apresentam-se aos itens: ‘facilitar a opção pelo segundo e terceiro filho’, ‘reforçar o acesso a serviços e equipamentos de apoio à família’, ‘melhorar o regime de licenças como instrumento de promoção da parentalidade e de conciliação entre trabalho e vida familiar’, ‘promover um melhor acesso à procriação medicamente assistida e aos cuidados materno-infantis’.
Será que a família tem o significado que todos entendem do mesmo modo? Os filhos serão fruto ou resultado? A defesa da natalidade é objetiva ou sofre de subjetividade capciosa interesseira? Porque nunca se aflora nada quanto à participação da iniciativa privada nas questões familiares? Os filhos são propriedade do Estado ou projeto de vida familiar? Porque há medo de assumir que ‘as últimas décadas’ de diminuição da natalidade coincidem com a vigência do aborto despenalizado?

= De facto, em tudo isto não lemos nada que se refira ao erro histórico de ter feito do aborto – eufemisticamente dito de ‘interrupção voluntária da gravidez’, porque nem é voluntária nem interrompe, antes mata – uma das mais recorrentes facetas de planeamento familiar e como recurso em ter sido usado este método para dizimar milhões de vida, que, agora, fazem falta para que haja equilíbrio geracional e até renovação social.
Os números circulam na comunicação social: desde 2007 – data do segundo referendo ao aborto em Portugal – e até 2016 houve cerca de cento e sessenta mil abortos ditos ‘legais’, nalguns casos com repetições…
Quem tenha já ouvido pessoas, que recorreram ao aborto, continuam com essa ferida aberta na consciência e não será preciso invocar alguma razão religiosa, bastará a dimensão humana, que é bem mais forte que toda e qualquer faceta religiosa por muito ou pouco exigente que possa manifestar-se. Efetivamente é diante de pessoas mais velhas – e não se pense que são só senhoras – que fico comovido e estupefato pelas dores que manifestam…passadas décadas sobre os ‘desmanchos’.   
= Não deixa de ser irónico, para não lhe chamar minimamente hipócrita, que se venha agora clamar por mais condições para a natalidade, quando se optou antes pelo falhanço cultural de fazer do aborto um nível de reduzir a vida ao meramente material. Criaram-se condições para que a opção pela vida pareça algo de menos digno do que luta pela carreira profissional.
Enquanto as forças que desencadearam o projeto do aborto despenalizado não reconhecerem, além do erro, a má-fé de todo o processo, considero que iniciativas em favor da natalidade não passam de patranhas de mau gosto e de duvidosa eficiência, pois estaremos a laborar numa falsidade de valores e numa mentira ética sem rosto nem responsáveis. O ‘inverno demográfico’ tornou-se, assim, um inferno sociológico, onde uma boa parte se desculpa, não assume os seus erros e, normalmente, foge de forma cobarde.

António Sílvio Couto

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