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sábado, 23 de novembro de 2019

‘Zero’ – à direita ou à esquerda?


Quando ouvimos falar de ‘zero’ como que nos podemos encontrar, colocar ou referir à base, a partir da qual se há de construir, iniciar uma caminhada ou mesmo aferir da nossa vivência…humana ou cultural, sem esquecer que é a partir do zero que se conta a história, embora nela se refira o antes e o depois daquilo que é mais do que zero…
Nalguma linguagem usa-se a designação de ‘zero à direita da vírgula’ ou ainda ‘zero à esquerda da vírgula’. Na matemática colocar um zero à esquerda de uma vírgula não acrescenta em nada o seu valor. Por seu turno, colocar um zero à direita de uma vírgula acrescenta algo àquilo que se quer referir depois da vírgula… Atendendo a estas distinções convém compreender de que lado da vírgula colocamos o zero, não estejamos a valorizar o que não interessa ou a desprezar aquilo que, afinal, tem valor…

= Nos últimos dias tem-se falado de um fenómeno designado de ‘movimento zero’. Talvez não se saiba bem o significado, mas que tem vindo a criar engulhos em certas mentes, parece indesmentível. Desde lhe chamarem-lhe ‘movimento inorgânico’ até rotularem-no de direita e, sobretudo, de extrema-direita são alguns dos epítetos com que foi lida a ascensão, o desenvolvimento e a intervenção deste ‘movimento zero’ entre as forças de segurança e até na sociedade…
Nascido da contestação à sentença condenatória de alguns polícias, há cerca de seis, este movimento como que catapultou as reivindicações de todas as forças de segurança quanto às condições de trabalho, de remuneração e mesmo de alojamento…de guardas e polícias. Há quem considere que os sindicatos capitularam diante deste movimento dito de inorgânico e sem rosto das chefias. Dizem que os comandos distritais e as esquadras aderentes perfazem mais de dois terços do âmbito nacional…
Por ocasião da recente manifestação nacional (21 de novembro) surgiram no horizonte acusações de ligação deste ‘movimento zero’ a fenómenos políticos transnacionais, pois no gesto feito com as mãos os manifestantes uniam, em forma de zero, o polegar e o indicador, deixando os outros dedos levantados, naquilo que poderia sem entendido como um ‘w’. Ora, nessas incidências político-ideológicas, certos comentadores – conotados com a pretensa esquerda e arregimentados pela extrema-esquerda – viram nisso alguma semelhança com os movimentos racistas, onde o ‘w’ simboliza ‘white’ (branco) e o zero, em jeito de ‘p’ de power (poder), que daria a leitura de ‘poder branco’ de certos grupos racistas e de partidos ditos de populistas de extrema-direita.
Tendo ainda em conta o razoável complexo com que alguns da ‘esquerda’ lidam com a autoridade – as forças de seguranças parecem-lhes o fantasma dessa intervenção – logo criaram mitos sobre aquilo que, até ver, pode ser fruto de coincidências ou mesmo de ignorâncias sobre o alcance dos gestos. Com efeito, para fazer um ‘zero’ com as mãos basta unir todos os dedos sem deixar os três em forma de ‘w’…
Será isso que explica a forma cobarde com a maioria dos partidos, com assento parlamentar, se comportou na manifestação de 21 de novembro? Porque se deseja tanto manter a condição de segurança do país – enchem a boca com as ditas seguranças para fazer crer que nos procuram por essa razão – no entanto fogem dos polícias como se fossem clientes fora-da-lei? Não haverá muito de oportunismo em tantos destes episódios com que somos intoxicados por alguma comunicação social mais atreita ao escândalo e ao sensacional do que ao dar as notícias com isenção, independência e honestidade?

= Retomando a leitura do ‘zero à direita’ e do ‘zero à esquerda’ fica-nos a sensação de que muitos, que se pretendem fazer passar por zeros à direita, não passam mesmo de zeros à esquerda, isto é, pouco acrescentam, antes subtraem, desde as suas posições ideológicas até às pretensões sociais, sem esquecer a nulidade – zero à esquerda – dos jeitos de estar, de se comportarem e mesmo de se assumirem como pessoas com princípios e valores reputados de democráticos…na sua visão.
O que temos percebido são uns tantos laparotos – manhosos e espertalhões – que se esgueiram medrosos quando veem que não conseguem continuar a vender o produto fantástico com que enganaram os eleitores há pouco mais de um mês atrás. A memória é curta. Importa, por isso, avivá-la para que não haja manipulação, mentira e tanto disfarce!     

António Sílvio Couto

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