Desde o final da tarde do dia cinco de novembro que
uma criança, encontrada por um sem-abrigo, num ecoponto do lixo, tem sido
noticia constantemente. Soube-se depois que uma mãe, também ela a viver na rua,
tinha dado à luz e, posteriormente, deixado o recém-nascido naquele local…
Os momentos de socorro dados à criança tornaram-se
quase façanhas heroicas à mistura com alguma estupefação (condenação,
questionamento e compreensão) quanto à mãe e às razões de tal ato.
Encontrada a autora do ato foi colocada em prisão
preventiva – deixou de estar na rua, passando a ter um teto e condições de
habitabilidade – alertou que falaria sobre as razões que a levaram a tal,
quando for oportuno perante a justiça…
Não deixa de ser sintomático que este episódio da
criança abandonada tenha ocorrido quando não muito longe – a distância entre a
estação de Santa Apolónia e o Parque das Nações, em Lisboa – acontecia uma dita
‘web summit’ de novas tecnologias, com perfumes e laivos de riqueza… Deste
acontecimento passou a falar-se menos, quando emergiu um facto humano tão
básico, simples e trágico.
Poder-se-á dizer que somos um país a várias
velocidades: num canto da sala uma cimeira para uns tantos instruídos na arte
intergaláxica, nos fundos da divisão de arrumos algo tão triste quão ignóbil,
nefasto e dramático… pelo meio certos fantasmas movem-se como autómatos ou como
beneficiados nas notícias, sob os holofotes de uma certa comunicação social ávida
de escândalos e de casos sensacionalistas.
= Múltiplas perguntas se colocam perante a atitude
desesperada daquela mãe… dada a conhecer como uma imigrante cabo-verdiana
ilegal, com cerca de vinte e dois anos, a viver na rua e (talvez) sobrevivendo
com expedientes menos lícitos, sem ligação com a família também a viver por
cá…está ainda a ser investigada acerca de poder ter outros filhos no país de
origem…
* Qual terá sido o desespero de uma mãe para
abandonar daquele modo o filho? Fê-lo por debilidade (psicológica ou social) ou
para chamar a atenção alheia? Como poderemos explicar este episódio num tempo
onde se podem encontrar tantas soluções mais humanas e familiares?
* Aquela criança não ficará afetada para toda a sua
vida? Atendendo a que nem foi acompanhada durante a gravidez, que sequelas
ficarão? Sobrevirá à falta de colo, esta criança marcada desde o nascimento (e
mesmo a sua gestação), pelo frio exterior e humano? Como se podem equilibrar os
direitos da criança com os deveres da mãe?
* Socialmente estaremos capazes de saber responder a
estes desafios com justiça e caridade? As posições sobre o caso têm valores um
pouco mais do que materialistas? Como se pode conjugar cuidar com proteger, dar
ambiente familiar e responsabilizar? Por que é que quase nunca vemos
pronunciamentos de teor espiritual em casos desta natureza? Será por
negligência ou por ausência de respostas no terreno?
= Esta mãe precisa de ajuda, não a que lhe queremos
dar ou consideramos que necessitará, mas a que ela precisa correta, digna e
humanamente. Esta criança precisa de uma família e não de ser
institucionalizada, já.
António Sílvio Couto
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