Foi
lançada para a discussão – mais política do que educativa – o tema de não-haver
retensões (vulgo, reprovações) até ao nono (9.º) ano de escolaridade…aí pelos
quinze/dezasseis anos.
Se há
quem seja abertamente a favor, há quem conteste a medida: uns porque em nada se
beneficia o aluno em reprovar, outros porque isso criaria facilitismo e pouco
interesse nos estudos…outros ainda mais parece que têm algo a esconder do seu
curriculum ou que estão a tentar iludir alguém – as estatísticas ou as
entidades europeias – ao maquilharem a falta de capacidade em viverem na
verdade…
Por ser
uma questão algo polémica ouso deixar a uma vivência…não que seja muito
diferente da de tantos outros. Efetivamente depois da quarta classe entrei, em
1969, no seminário menor de Braga. Éramos mais de cem alunos só nesse primeiro
ano. Por razões várias não consegui passar de ano ao final desse tempo letivo.
Reprovei a matemática e a francês. Nessas férias de verão, em 1970, tive o
tratamento adequado por parte de minha mãe, perante os sacrifícios que fizera
para eu poder estar fora de casa, com os gastos inerentes. Nessas ditas férias
tive terapia de choque: nada de facilitações, a horas ou desoras fui para o
monte carregar fagulha, mesmo que isso nem fosse necessário. Só tinha onze
anos… Decorrido esse tempo voltei aos estudos no mesmo seminário e eis que as
melhores notas do novo ano foram àquelas disciplinas…Obtive, ao final do ano
repetido, nota suficiente para me candidatar a uma bolsa de estudos que usufrui
durante algum tempo, aliviando os custos familiares no pagamento das contas no
seminário…
Agora,
decorrido quase meio século, vejo com alguma normalidade aquela reprovação, que
me fez aprender a valorizar ainda mais os sacrifícios familiares de suporte nos
estudos e, sobretudo, que, por vezes, é preciso dar um passo atrás para dar,
depois, dois em frente. Com efeito, nunca mais reprovei e nem na conturbada
época do ‘prec’, em 1975, fui atingido pela espada damocleana, que varreu os
meus companheiros de estudo: dos cerca de cinquenta que fomos a exame ao liceu,
só uma dúzia fez as duas secções (letras e ciências) e eu fui um deles, mesmo
que a nota não tenha sido muito elevada…bastou tão simplesmente passar por
entre os pingos do fervor revolucionário do tempo… Foi há 44 anos atrás!
=
Diante desta experiência de reprovação, ainda antes da idade daquela fasquia
colocada nas pretensões governativas, poder-se-ão colocar algumas questões,
tentando encontrar respostas adequadas ao assunto. Desde logo temos de
considerar que as escolas não podem tender a tornarem-se num mero espaço lúdico
ao sabor das várias idades, mas devem ser o lugar da aprendizagem em
conhecimento e instrução, onde cada um dos intervenientes assume a sua função a
tempo inteiro e não só quando convém. Por outro lado, mal irá uma instituição
de ensino se se converter num espaço de entretenimento, como poderá dar a
entender o projeto de não-reprovação/retenção na sua expressão mais
fundamentalista.
* Por
que há tanto medo de exigir aos alunos que sejam estudantes, transformando-os
em pequenos joguetes de intenções menos boas de alguns que nos vão governando?
* Por
que temos de aceitar que tratem os nossos alunos como estudantes menos capazes,
reduzindo-os àquilo que as estatísticas arranjadas querem dar a entender de bom
com falsidade?
* Por
que teremos de viver na construção do ‘menor-denominador-comum’ quando podíamos
nivelarmos por algo mais cima?
* Será
que os mentores desta passagem sem reprovação foram bajulados por passagens
administrativas do tempo do ‘prec’ e afins?
=
Quando parecíamos viver num tempo de maior exigência sobre o campo da educação
vemos surgirem no horizonte nuvens sombrias, que nos irão criar novos problemas
no futuro próximo. Agora se compreende um tanto melhor porque quiseram tirar da
engrenagem as escolas (apelidadas de ‘colégios’ ou ‘externatos’) com contrato
de associação, pois aí não iriam pactuar com tão ardilosa manha e subtil artifício,
dado que os alunos/estudantes seriam muito mais escrutinados pelos pais e
educadores.
De
facto, nesta fase a (dita) escola pública está a correr para o abismo, mesmo
sem disso se dar conta. Não será que ninguém acorda os timoneiros desta barcaça
prestes a afundar-se?
António Sílvio Couto
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