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quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

‘Professor’: palavra-do-ano de 2023

 

Da lista dos dez vocábulos concorrentes à palavra do ano de 2023, ‘professor’ recolheu quase metade (48%) da votação dos cerca de noventa mil que se pronunciaram. Seguiu-se, na escolha, de forma decrescente: médico (9,9%), inteligência artificial (9,8%), inflação (7,9%) e habitação (6,7%). As outras cinco palavras que constavam na lista ficaram por esta ordem: conflito, jornada, clima, demissão e navegadoras. Eu votei, em meados de novembro, em ‘habitação’...

Quando foi divulgada a lista das palavras candidatas a justificação para incluir ‘professor’ tinha a ver com as centenas de protestos que esta classe profissional ocasionara em todo o país, bem como as tentativas de valorização da profissão.
De referir que esta iniciativa da escolha da ‘palavra do ano’ tem a responsabilidade da Porto Editora e acontece desde há quinze anos. Vejamos, em jeito retrospetivo, a lista das palavras vencedoras e poderemos perceber o ambiente social, económico e até cultural de cada tempo...passado. ‘Guerra’ foi a palavra escolhida no ano passado; vacina (2021), saudade (2020) violência doméstica (2019), enfermeiro (2018), incêndios (2017), geringonça (2016), refugiado (2015), corrupção (2014), bombeiro (2013), entroikado (2012), austeridade (2011), vuvuzela (2010) e esmiuçar (2009).

1. Se atendermos ao possível significado sócio-cultural da escolha de ‘professor’ como a mais representativa do momento, de entre as palavras sugeridas à votação, podemos e devemos refletir sobre as implicações a curto e a médio prazo de ser esta expressão profissional a mais votada. Com efeito, ‘ser professor’ tem vindo a tornar-se em algo de controversa visão, de suspeita continuação e, sobretudo, de importante reflexão sobre o futuro da qualidade de ensino no nosso país. De facto, é cada vez menor o número de pessoas que opta profissionalmente por esta função de ensinar, dizem teoricamente que de educar, as gerações mais novas. O que contribuiu para termos chegado a este estado de coisas? Não teremos andado a negligenciar esta tão essencial dimensão social do ensino-aprendizagem? Muito para além da menos boa remuneração dos docentes não teremos esvaziado a capacidade educativa? Quem estará pelos ajustes de ser desautorizado dentro e fora das salas de aula? Não teremos feito do aluno alguém com mais direitos em confronto só com deveres da parte dos professores? Por seu turno, a forma algo arruaceira como se manifestaram os professores não ajudou a cair-se no respeito a que se deviam prestar dentro e fora da escola? Com que autoridade irão corrigir os alunos menos respeitosos, se os professores se nivelaram pela malcriadez mais básica?

2. Os professores foram, são e serão alguém de importância fundacional da estruturação de um país, seja qual for a sua dimensão. Se estiver doente esta vertente talvez entremos em colapso a muito curto espaço. É preciso que, quem entra na dimensão da educação das massas populares - para usar uma expressão de outras épocas e latitudes - o faça por vocação, isto é, por gosto de ensinar e não como mera profissão mais ou menos limpa de resíduos. Dir-se-ia que é preciso ter carisma para ser professor, pois mais do que comunicar conteúdos, o professor ensina pelo que é, pelo modo como se apresenta e, nalguns casos, funciona quase como substituto/a dos pais em matéria identitária. Por isso, o descuido com que vimos certos educadores não abona nada quanto ao futuro. Desgraçadamente um certo (mau) espírito de classe deixou-nos preocupações sérias no tecido social do nosso país.

3. Mais uma vez e num setor agravado, podemos perceber que a estatização do ensino não beneficiou quem nele participa. A (dita) escola pública caiu muito para baixo e nota-se que as pessoas querem quem ensine e não quem faça (somente) da reivindicação a escola da vida. As pretensas ‘gerações vindouras’ merecem ter futuro e por este andar da caminhada cairemos no abismo... Este pilar social não pode capitular por meros cêntimos de protesto, mas todos têm de dar sinais de que nem tudo está bem nas aprendizagens. Será que temos quem saiba ensinar e não meramente reproduzir conhecimentos? Queremos alunos ou desejamos estudantes?

4. Já perdemos tempo em excesso: comecemos uma nova fase!



António Sílvio Couto

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