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sábado, 11 de novembro de 2023

Num país de galambices

O dia 7 de novembro de 2023 ficará na história como uma data marcante da nossa quase meio-centenária democracia: um chefe do governo – suportado por uma maioria parlamentar – teve de pedir a demissão por razões mais ou menos esconsas e subterrâneas, isto é, pelas manobras ardilosas de um certo ministro e afins que foi espalhando má reputação – à mistura com jogos de influência – a ponto de colocar em causa regras mínimas do Estado e da governação.

A chave do problema – de seu nome João Galamba, de 47 anos – tem deambulando pela área do ambiente, embora esteja, por agora, a decidir sobre matérias de infraestruturas de grande alcance… lidando mais uma vez com muito, mas mesmo muito, dinheiro, tal como no passado a que dizem respeito as matérias sob investigação… concessões de exploração de lítio e de hidrogénio verde.

1. Andava o país entretido a tentar resolver o imbróglio do (dito) serviço nacional de saúde, quando rebentou a bomba no palácio de S. Bento: o chefe de governo estava metido no enredo – sabia ou foi usado na matéria – por outros intervenientes, alguns deles próximos nas ideias do partido. Em menos de cinco horas tudo se resolveu pela renúncia ao cargo do PM e fomos vendo cair outros por arrastamento…

2. Com que velocidade emergiram certos figurões – da área judicial, mas também do foro legislativo – a insurgirem-se contra quem questionou o comportamento dos prevaricadores: a justiça passou de elemento de paz social para estar na mira da acusação pelos apaniguados dos agora denunciados. Numa mentalidade muito portuguesa passou-se a questionar o árbitro e não a revoltarem-se contra os maus jogadores… É assim no futebolês e também na política de baixa moral: na hora da derrota a culpa é sempre dos outros!

3. Quando se pensava que o tráfico de influências andaria um pouco mais arredado dos espaços do poder, eis que volta a estar na ordem do dia e mais uma vez pela mão dos mesmos de outras épocas. Ainda não saiu para julgamento um anterior PM socialista e novamente está outro na liça. Isto será coincidência ou sina? Que há de tão propício neste setor ideológico para que, ciclicamente, tenhamos de ser confrontados com novos intérpretes, mas com defeitos antigos e repetidos? O povo que vota continuará a insistir na dose em engano, quando os dados são por demais óbvios?

4. Pasme-se na avaliação que a comunicação social – no geral e em certos particulares – faz destes enredos: promotores e seduzidos pelo poder dos mais fortes, aparecem como ‘virgens ofendidas’ na sua honorabilidade, quando fizeram parte dos banquetes e deram cobertura às façanhas de ontem como às de hoje. Eis que uns tantos querem parecer defensores do bem alheio quando não sabem cuidar do que é seu; que são bons a dar conselhos, mas não os seguem para si mesmos; que têm boas intenções, mas não as vivem minimamente.

5. Por muito que nos custe ouvir e de termos de reler: há um povo nos confins da Europa que não se governa nem se deixa governar. Somos algo irrisório no mapa das ‘democracias’ ocidentais: desde que nos deem pão e jogos facilmente nos levam pela demagogia. Uns trocos a mais ao final do mês, uns tostões de desconto em certos produtos, umas benesses de ocasião ou promoções à socapa… eis como nos vão ludibriando vez após vez e ninguém desconfia quando a mísera esmola cresceu um pouquito.

6. Neste país de galambices são poucos os que tentam destoar da manada e se o fizerem correm o risco de serem apelidados de populistas, de reacionários, de defensores dos valores extremistas. Estamos formatados para continuar a seguir os passos que nos têm levado ao abismo? Até quando nos enganam com papas e bolos? No virar da esquina se adivinha mais uma crise de identidade, mais do que económica ou social…



António Sílvio Couto

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