Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 3 de abril de 2023

Significado do ‘cordeiro imolado’

 

Boa parte das pessoas, que ainda tenha laivos de tradição cristã, confere, pela ocasião da Páscoa, pelo menos naquilo que à gastronomia se refere, algum relevo onde o ‘cordeiro’, o ‘borrego’, o ‘cabrito’ ou mesmo o ‘anho’ – conforme as regiões e tendo em conta as diversas incidências culturais e tudo quanto pode ajudar a percebê-las.

Não vamos conjeturar sobre as iguarias culinárias, mas pretendemos tão-somente abordar algumas implicações socio-religiosas de quanto pode estar – mesmo que inconscientemente – a ser desvirtuado, se esquecermos a vertente mínima de fé...mais ou menos religiosa subjacente.

1. Citamos uma intervenção significativa de uma das figuras mais importantes da Igreja católica nos finais do século passado e até há pouco dias no tempo presente, o cardeal Ratzinger/Bento XVI.

«Cristo, o nosso cordeiro pascal, foi imolado» (1 Cor 5, 7): ressoa hoje esta exclamação de São Paulo que ouvimos na segunda leitura, tirada da primeira Carta aos Coríntios. É um texto que remonta apenas a uns vinte anos depois da morte e ressurreição de Jesus e no entanto – como é típico de certas expressões paulinas – já encerra, numa síntese admirável, a plena consciência da novidade cristã. Aqui, o símbolo central da história da salvação – o cordeiro pascal – é identificado em Jesus, chamado precisamente «o nosso cordeiro pascal». A Páscoa hebraica, memorial da libertação da escravidão do Egipto, previa anualmente o rito da imolação do cordeiro, um cordeiro por família, segundo a prescrição de Moisés. Na sua paixão e morte, Jesus revela-Se como o Cordeiro de Deus «imolado» na cruz para tirar os pecados do mundo. Foi morto precisamente na hora em que era costume imolar os cordeiros no Templo de Jerusalém. O sentido deste seu sacrifício tinha-o antecipado Ele mesmo durante a Última Ceia, substituindo-Se – sob os sinais do pão e do vinho – aos alimentos rituais da refeição na Páscoa hebraica. Podemos assim afirmar com verdade que Jesus levou a cumprimento a tradição da antiga Páscoa e transformou-a na sua Páscoa» – Bento XVI, ‘Homilia’, Domingo de Páscoa, 12 de Abril de 2009.

2. Quem se banqueteia com o borrego (cordeiro ou cabrito), nesta época da Páscoa, já terá percebido, de facto, o alcance mais profundo desse gesto?Teremos consciência de que degustar tal iguaria tem mais profundidade histórica e simbólica do que julgamos? Nisto como noutros casos, não se andará a usufruir das consequências sem atendermos às causas? Na abrangência materialista de ‘comer’ o cordeio (borrego ou cabrito) não ficaremos mais no consumismo do que na força de sinal (piscológico e espiiritual) dessa refeição? Não será que ainda vivemos num certo espírito de cristandade, onde sociedade e religião se confundiam, embora se tenham vindo a distanciar ou verificando-se alguma menosprezo?

3. Nos tempos que correm é da máxima utilidade haver clareza de ideias para que não se verifique confusão de linguagem nem tão pouco de comportamento. Assim, será de todo em todo necessário explicar a razão de ser das coisas para que não haja quem se aproveite da espuma das coisas, confundindo termos e atitudes. Soará a hipocrisia a promoção de ‘comidas pascais’ quem da vivência desta essencial celebração não quer acertar as razões e os momentos mais significativos. Mais uma vez se reveste de oportunismo apelidar de ‘férias de Páscoa’, quem delas só aproveita o que lhe dá contentamento, regalias e favorecimento egoísta ou de grupo. Até alguns grupos ligados à Igreja católica aproveitam estes momentos de fé comunitária para promoverem as suas atividades, que bem podiam serem localizadas noutras oportunidades...

4. Enquanto vivermos nesta futilidade de uma religião descomprometida com os outros porque superficial para com Deus, veremos múltiplos fenómenos de pseudo-religiosidade, que mais não fazem do que viver o que diverte, mas não compromete. O ambiente está algo tenso... Não se nota?



António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário