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segunda-feira, 10 de abril de 2023

‘Visita pascal’ (compasso): tradição e desafio

 


Quem não seja da zona norte do país terá algum dificuldade em entender isso que, por estes dias, polariza muita da fé religiosa de tantos católicos: saídos da igreja percorrem as ruas e vielas de cidades e aldeias, levando a mensagem da ressurreição de Jesus e convertendo em alegria os festejos pascais.

Normalmente cada grupo do ‘compasso’ é composto por alguém que preside (pode ser o padre ou quem o represente) e que faz um momento de oração com a família que recebe, uma cruz enfeitada (ou uma imagem de Cristo ressuscitado), uma pessoa que leva a caldeirinha com a água-benta (para aspergir as casas) e mesmo quem chama a atenção da proximidade do ‘compasso’ com uma pequena campainha...Os grupos podem ser mais ou menos numerosos e a sua composição segundo as possibilidades.

Houve tempos em que esta tradição estava ligada à visita pessoal do pároco aos seus fregueses e, em certas circunstâncias era a forma de ele recebe o contributo das famílias para o seu mister, sendo isso designado de ‘folar’... Com o crescimento das povoações, a diminuição de clero e, nalguns casos, o seu envelhecimento, foram surgindo ‘novas formas’ de organizar o compasso, sobretudo, com a participação dos leigos nesta tarefa eclesial...

Feita esta abordagem algo genérica ao tema, gostaria de deixar uma espécie de testemunho da minha vivência em relação à visita pascal.

– Fiz a função de presidir a um grupo do compasso tinha cerca de dezoito anos, em Outiz, Vila Nova de Famalição, substituindo um padre bastante idoso e doente. Foi uma sensação um tanto esquisita: ir para um lugar desconhecido e numa função clerical precoce. Posteriormente integrei com vários grupos de compasso na Vila das Aves, ainda só com seminaristas e poucos leigos... Durante cinco anos tive a tarefa de fazer o compasso na Correlhã, Ponte de Lima, substituindo o pároco idoso, onde cheguei a visitar mais de quinhentas casas em dois dias... Já como padre fiz ainda a visita pascal em Creixomil, Guimarães... Nestes vários lugares fui ouvindo alguns mais pessimistas a profetizarem o fim desta tradição do compasso, porque não havia padres para o fazerem... Coisa bem diferente sentia, na medida em que este anúncio da ressurreição de Jesus nunca estaria em causa se o soubéssemos organizar de forma diferente e incluindo os leigos na solução.

– Quando já padre não fiz mais a visita pascal, nas paróquias de Celeirós e Vimieiro, Braga. Foi passado a ato o que antes pensava: vários grupos, compostos por leigos e leigas, saíam de manhã cedo e até à hora de almoço com o compasso. Da novidade se tornou normal e hoje o compasso subsiste sem que o padre tenha de se gastar com atividades que podem ser executadas por outros... claramente sob a sua orientação mas sem que seja precisa a participação direta.


= A visita pascal ou o compasso tem muitas potencialidades, pois permite levar para a rua o anúncio de Cristo ressuscitado, numa mensagem simples, direta e cativante de um cristianismo sem medo nem peias. Embora a expressão do compasso seja mais visivel ao norte de Lisboa, já se veem sinais dele até no Alentejo e Algarve. Seria de refletir sobre o modo de torná-lo mais atualizado, descomplicando a função meramente social que se nota em certas localidades mais tradicionalistas ou que se deixam ficar pela exterioridade da fé. Se bem organizado o compasso pode ser um fator de festa onde seja posto em ato.


= Nota – a foto que ilustra este texto encontrei-a na internet, sendo de um padre pároco (colega e amigo do seminário) de Paredes de Coura, falecido há cerca de dois anos.



António Sílvio Couto

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