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terça-feira, 25 de abril de 2023

Não preciso do ’25 de abril’

Há 49 anos atrás – quando aconteceu o 25 de abril – tinha quinze anos, estava no quarto ano do seminário (hoje oitavo ano da escolaridade), e pouco sabia das quezílias políticas, para além de que havia uma guerra colonial e de que aqueles que estavam no seminário, sob dispensa, não iriam participar nessa luta fratricida… Ao tempo muitos fugiam para a emigração na Europa… Na região de Braga sabíamos muito pouco de conceitos de luta de classes ou de reivindicações por melhores salários à mistura com perseguição de uma polícia que ouvíamos falar que perseguia os opositores ao regime. Pela idade não me preocupava votar nem sequer exigir direitos de cidadania… isso era coisa de politizados e contestatários…

1. A dita revolução de ‘abril’ – preparada por movimentos ainda em março desse ano – foi assunto das gentes da capital e sequazes. O medo, embora longe, foi sendo doseado com notícias da rádio, que a televisão era artefacto algo raro. Numa idade de sonho o tal ’25 A’ não era mais que um anseio ainda incipiente. Não posso, por isso, agradecer aos militares do MFA, pois não passam de silhuetas à distância em projetos nem sempre bem explicados. Quando vejo certas figuras a tecer loas ao ’25 A’ considero que precisarão disso até para sobreviverem na sua identidade e identificação. No entanto, não me desconsidero menos português por ter recebido em bandeja algo que nunca reivindiquei, mas que me não torna menos português por não precisar de tal. Aos donos de boa parte da esquerda do ’25 A’ aconselho que não se sintam tão ufanos da miséria que adveio com o seu contributo… Não dei para tal peditório, mas eles pediram, fizeram as contas e ficaram com a esmola em seu proveito…ontem como hoje.

2. Confesso que, desde a primeira hora me fascinou a vida política – no sentido lato e estrito do termo – e não tivesse sido a opção pelo ministério sacerdotal teria entrado na refrega partidária: sempre soube em que área e qual a ideologia! Digo: se lá tivesse estado, alguns dos corifeus teriam engolido a prosápia, que ainda hoje me envergonha. Mais uma vez refiro: não preciso do ‘25 A’ seja da escola pública nem dos tentáculos da saúde e tão pouco do compadrio profissional. Sinto mais uma vez vergonha que reinem os que usam, sobretudo, o cartão do partido mais do que o cartão de cidadão ou façam valer as suas influências (diretas e indiretas) mais do que as competências.

3. Nos últimos vinte e cinco anos tenho vivido em espaços que ainda estão sob a alçada da ditadura – essa que diziam que tinha sido derrubada em 74 – pois algumas autarquias continuam a prolongar a cegueira de quem ainda não viu que não basta mudar de executores, é preciso mesmo aferir-se aos tempos de mudança social, cultural e mental. Nem breves interregnos deram a saber que usar as pessoas como coisas consegue fazer crer que se trabalha em favor delas. Confesso que não preciso ser da dita ‘esquerda’ para ter mentalidade social e solidária, bastar-me-á seguir as lições do Evangelho para colocar os mais pobres na linha das prioridades, que não da exclusividade… essa servirá mais de manipulação barata e sempre manipuladora!

4. Quase a completar meio século transcorrido sobre a revolução do ’25 A’ dispenso certas lições hipócritas sobre justiça social, pois os seus mentores e exequentes não passam de vendedores de ilusões em maré de feira, deixando vingar mais o seu lado egoísta – o eu sobrepõe-se ao coletivo – de classe ou mesmo de ideologia. Enquanto vivermos na triagem dos assuntos a partir da cartilha da dialética continuaremos a criar novas teses em função de outras antíteses…

5. Todo este arrazoado só é possível porque houve o ’25 A’, mas se não fosse essa data fatídica, outra surgirá para dar tempo e espaço à mudança. De facto, não preciso do 25 de abril para exprimir o que penso e assumo o que digo. A ditadura do faz-de-conta tem de chegar ao fim e depressa. Deixem-se de mentiras e sirvamos todos a Verdade e só a verdade… O ’25 A’ não em cor, mesmo que, nesse dia, se celebre o evangelista São Marcos.



António Sílvio Couto

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