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sábado, 15 de abril de 2023

A falar da vida alheia

 


Dá a impressão que não há canal televisivo, estação de rádio, jornal ou revista e, sobretudo, nas apelidadas redes sociais em que a maior parte do tempo não seja ocupado com gente a falar da vida alheia, mesmo que de tal não esteja autorizado. Na terminologia do dicionário costuma-se dizer: bisbilhotice, calhandrice, fofocar, dar à língua, mexericar… A forma de falar da vida alheia acontece, normalmente, nas costas dos visados, falar mal dos outros, recriminando os seus defeitos e raramente exaltando as suas qualidades, na maior parte das vezes o falar da vida alheia pretende prejudicar o atingido. Numa palavra: quando a vida dos outros possa ocupar a nossa talvez seja sinal de que a nossa está tão vazia, que precisamos de nos entreter com a vida deles…

1. No nosso contexto nacional podemos aferir uma boa quantidade de profissionais da fofoquice, umas vezes sob a capa de comentadores, outras vezes na função de ‘especialistas’ em moda ou na arte-de-mal-vestir (despir), noutros casos ainda sob o manto tenebroso do combate a quem destoe da vulgaridade. Dos cronistas baratos do jornalismo amarelo, passamos aos críticos da imprensa cor-de-rosa, deambulamos pelas mesas inchaladas da apreciação social, espreitamos pelo facebook, instagram, whatsapp… Os novos autores da calhandrice foram-se travestindo de bloggers, de youtubers, de influencers, de humoristas… numa boa dose de irreverência sem assumirem as consequências das atoardas quase-irresponsáveis com que se tentam afirmar pela asneira…

2. Qual a razão de um certo silêncio sobre algumas das intervenções de tais ‘profissionais’ da bisbilhotice? Teremos de continuar calados, assistindo impávidos às atrocidades com que rotulam os outros? Isso que fazem em que capítulo está da educação? Sob a presunção de ‘arte’ teremos de conviver com quem ganha a vida a trucidar a honra dos outros? Até onde irá a complacência social e cultural para com estes malfeitores armados de educadores do povo? Por que se promovem espetáculos com tais cultivadores da má-língua contra tudo e não respeitando ninguém? Esta nova literatura de cordel, deixará rasto ou criará ambiente para o quanto-pior-melhor?

3. Pelo que podemos perceber estamos a transformar-nos num país com galopante propensão de nada fazermos de útil, enquanto desfazemos o pouco que ainda resta. Está em maré de saldos a criatividade, o investimento nas capacidades humanas e na promoção do humor precisa de ser mais cuidado, pois com chavões de má educação deixaremos perder o que ainda resta de sensibilidade à boa disposição e ao rir como pedagogia social e pessoal. O país está macambúzio e isso nota-se na agressividade com que as pessoas se tratam e se descuidam em se entreterem a dizer mal dos outros e não suportando com novo ânimo as agruras inerentes da vida.

4. «A maledicência e a calúnia destroem a reputação e a honra do próximo. Ora, a honra é o testemunho social prestado à dignidade humana e todos gozam do direito natural à honra do seu nome, à boa reputação e ao respeito. Por isso, a maledicência e a calúnia lesam as virtudes da justiça e da caridade» (Catecismo da Igreja Católica, n.º 2479).

Perante esta definição descritiva podemos e devemos colocar questões àqueles/as que, sendo cristãos, gastam o seu tempo a dizer mal dos outros, isto é, na bisbilhotice ou fofoquice, mesmo na de índole social. Desgraçadamente há tantos que até comungam Cristo na hóstia consagrada e com a mesma língua falam mal dos outros, sem qualquer pejo nem respeito. É confrangedor constatar tal posicionamento até pelo escândalo que isso provoca naqueles que não são praticantes da fé.

5. Urge, por isso, corrigir muita da maledicência que pulula na nossa sociedade e nas várias instituições, incluindo da Igreja católica. Assim consigamos ter tento na língua e não vejamos nos outros só os nossos próprios defeitos. Coerência a quanto obrigas!



António Sílvio Couto

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