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terça-feira, 4 de abril de 2023

Um inciso escusado…na ‘oração universal’ da 6.ª feira santa

 


Por proposta da Conferência Episcopal Portuguesa foi sugerido que, na ‘oração universal’ da próxima sexta-feira santa, seja incluída uma nova petição (IX b) com a seguinte redação:


«IX b. Pelas Pessoas vítimas de abusos de poder, de consciência e sexual

Oremos por todas as Pessoas vítimas de abusos;

para que Deus nosso Senhor conceda a cura das suas feridas,

coragem aos que as acompanham, conforto às famílias

e torne cada vez mais a Igreja um ambiente seguro.

Oração em silêncio. Depois o sacerdote diz:

Deus eterno e omnipotente,

Fonte da paz e de toda a luz,

ouvi benignamente a aflição dos vossos filhos e filhas que sofrem todo o tipo de violência;

aliviai a sua dor, dai coragem a quem está a seu lado,

e fazei com que todos sintam o vosso abraço de compaixão,

ternura e misericórdia,

no tempo de purificação e reparação.

Por Cristo nosso Senhor».

Ora, quem conheça – e tenha estudado minimamente, na hora devida – esta mais antiga, solene e simbólica ‘oração universal’ da Igreja de Roma saberá que ela se carateriza por dois movimentos concêntricos e dinâmicos – a dimensão cristológica e a vivência eclesial. Além do mais, quem tenha sido aluno do excentísimo professor de patrística, doutor Joaquim Bragança, ouviria agora a sua observação típica e gestual: tirem-me isso da vossa cabeça…

- Sim, com a minha parca capacidade de perscrutar as incidências enunciadas, não vejo claramente uma razoável fundamentação cristológica e tão-pouco se nota a alusão à dimenão eclesiológica.

Parece-me, por isso, que este acrescento, além de vir fora do tempo – esse em que a Igreja tem sido, normalmente, exímia em saber gerir – precisa de ser melhor decantada no conteúdo e na forma. Aconselhava-se mais discernimento, sem se deixar ir na onda de mostrar serviço aos que do mundo querem forçar a ver resultados, bem como seria mais avisado que os responsáveis cimeiros das dioceses soubessem ter capacidade de não entrar na pressa com que uns tais (ditos) independentes preferem mais o sacrifício (justicialista e quase-mundano) do que a misericórdia (de Deus e feita sacramento na Igreja)…

- Vejamos, sucintamente, as dez vertentes da oração universal da sexta-feira santa: pela santa Igreja, pelo Papa, por todos os ministros e fiéis, pelos catecúmenos, pela unidade dos cristãos, pelos judeus, pelos que não creem em Cristo, pelos que não creem em Deus, pelos governantes, pelos atribulados.

Estas grandes dimensões da intercessão da Igreja católica emergem da comunidade dos crentes reunidos para a celebração do mistério da Paixão do Senhor.

- Considero, por isso, algo abusivo, estender a toda a comunidade da Igreja católica, em Portugal, mais uma vez e quase de forma acintosa, este problema que está subjacente à proposta de oração apresentada. Seria tolerável que fosse apresentada noutras circunstâncias e espaços. Basta de pisar na ferida e de escarafunchar nela ainda mais. Não sairei , na celebração de 6.ª feira santa, da linha oficial da Igreja universal, sem querer entrar nas curvas de um caminho que ainda não se percebeu aonde nos leva, quem o conduz e, sobretudo, quem esá a manobrar esta campanha, por vezes, sem rosto nem promotores…declarados!

Sim, a paixão de Cristo continua.



António Sílvio Couto

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