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domingo, 20 de novembro de 2022

Publicidade ao ‘jogo’...em tempos de crise

 


Dá a impressão que, quanto maior é (ou parece ser) a crise, mais agressiva é a publicidade. De facto, temos vindo a assistir a uma difusão crescente, acutilante e inventiva de falar do ‘jogo’ – apostas, máquinas, dinheiro a investir para ganhar – como possível arte de resolver os problemas das pessoas e da sociedade... a diversidade é cada vez mais atrativa, como se os candidatos aumentassem para dar ainda mais lucro.

1. Antes de mais é preciso determinar o que se entende por ‘jogo’. A expressão completa deverá ser entendida como: ‘jogo de apostas’. Consultando a wikipédia encontramos esta definição descritiva: «Um jogo de apostas ou jogo a dinheiro, é a aposta de dinheiro ou algo de valor material (algumas vezes, referido como "os riscos") em um evento com um resultado incerto com a principal intenção de ganhar dinheiro adicional e/ou bens materiais. O termo jogo, neste contexto, normalmente refere-se a instâncias em que tal atividade tenha sido especificamente autorizada pela lei. Nalguns países, a atividade de jogo a dinheiro é legal. A grande maioria dos "jogos de azar" são "jogos de apostas", o que muitas vezes faz com que ambas as expressões sejam vistas como sinónimas».

2. Segundo dados mais ou menos credíveis, nos últimos quatro anos, houve um aumento de 13% de jovens (dos 13 aos 18 anos) a jogarem em apostas desportivas, lotarias e outros jogos de casino, embora os jogos a dinheiro sejam, por lei, interditos a menores de dezoito anos. Há dados – estatísticos e não só – que nos podem fazer refletir. Quem joga na raspadinha? É mulher, ganha até mil euros por mês (embora um terço dos apostadores ganhe até quinhentos euros/mês), tem entre 35 e os 54 anos, a maioria é casada ou vive em união de facto e com o nivel de instrução entre o segundo e o terceiro ciclo. Cinco em cada dez portugueses fazem apostas a dinheiro e a raspadinha é o mais investida... Nas preferências dos (ditos) jogos sociais quem tem a dianteira é o euromilhões, seguindo-se a raspadinha, totobola/toloto, lotarias e placard...

3. Alguns entendidos e estudiosos da matéria consideram que a preferência por certos jogos tem a ver com a tentativa de resposta imediata ao desejo de aumentar as fontes de recursos e mesmo a necessidade de gratificação rápida... Dá a impressão que estamos a pagar a fatura de certas opções de vida e de conduta ética, pois se exalta mais o efeito de ‘querer ser rico’ sem grande trabalho, associando o sucesso mais à preguiça e à sorte do que ao esforço efetivo, consequente e a longo prazo. O aumento da dependência do jogo – de acordo com dados conhecidos – quadruplicou, entre 2012 e 2017, de 0,3% para 1,2%, significando o aumento de 60 mil pessoas, enquanto o vício do jogo duplicou de vítimas, atingindo mais 24 mil portugueses.

4. Numa visão cristã/católica sobre este assunto, que diz o Catecismo da Igreja Católica? «Os jogos de azar (jogo de cartas, etc.) e as apostas não são, em si mesmos, contrários à justiça. Mas tornam-se moralmente inaceitáveis, quando privam a pessoa do que lhe é necessário para as suas necessidades e as de outrem. A paixão do jogo pode tornar-se uma grave servidão. Apostar injustamente ou fazer batota nos jogos constitui matéria grave, a menos que o prejuízo causado seja tão leve que quem o sofre não possa razoavelmente considerá-lo significativo» (n.º 2413). Inserida na explicação do sétimo mandamento da Lei de Deus – ‘não furtar nem injustamente reter ou danificar os bens do próximo’ – e particularmente na secção relativa ao ‘respeito pelas pessoas e seus bens’, esta citação configura uma exigência sobre si mesmo mais do que uma desculpa para cada um fazer o que lhe apetece, como hoje, recorrentemente, se diz ou se desculpa...

5. Não teremos de questionar tantas sugestões de apostas em jogo, num tempo que se carateriza por menos recursos e baixa de rendimentos? A quem interessa difundir este ambiente de ‘sorte-e-de-azar’? Não andaremos a cultivar mais a preguiça do que o trabalho? O maior beneficiário de tudo isto não será a entidade das finanças? Até onde irá o nosso silêncio...cúmplice?



António Silvio Couto

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