Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Ilusão é má-conselheira

 

Por estes dias foi notícia, mesmo que pouco divulgada: uma feira italiana deixou o hábito religioso para seguir a carreira de cantora. A estória conta-se de forma breve: uma religiosa ursulina da sagrada família, com hábito e tudo, participou num programa televisivo de música. Foi um sucesso e conquistou o público e o júri. Fascinada pelo sucesso dedicou-se a gravar músicas de teor mais profano e, aos trinta e três anos, decidiu largar a condição de religiosa e seguir a música de forma profissional. Por agora sabe-se que é empregada de mesa em Espanha, mas anseia concretizar os seus intentos de cantar o amor à vida…

1. Por que será que mais uma figura do espaço religioso não foi capaz de compreender que o seu ‘sucesso’ se devia não às cantorias bem executadas, mas à condição de ser ‘uma’ freira que cantava? Por que se vê com tanta regularidade pessoas que se deixam iludir pelas luzes da ribalta para além das razões mais subtis da fama, das palmas e da adulação? Não faltará uma gestão de tais pessoas – dados outros exemplos conhecidos – daquilo que as faz correr e não daquilo – mais profundo e intrínseco – que as leva a ser? Atendendo aos casos já passados – em tantas partes do mundo – não seria mais avisado cuidar de que não troque a nuvem por Juno?

2. De facto, o mundo – no sentido mais execrando do termo – sabe como fascinar quem nele entra sem preparação adequada e séria. Se tivermos em conta o tal ‘mundo dos espetáculos’, então, perceberemos como se torna complicado distinguir entre o real e o virtual, entre o que é e aquilo que reluz, entre as lantejoulas e as palmas em comparação com a verdade de tudo se poder, facilmente, desmoronar e reduzir a cinzas…

Embora não seja entendido na matéria de análise a sucessos e a derrotas nesta área, observando outras situações, vi figuras como ‘frei vicente’, a crescer na popularidade e, quando deixou de ter no nome o epiteto de ‘frei’ desapareceu dos escaparates da fama e do desejado sucesso. Que dizer ainda de ‘frei hermano da câmara’ – embora já cantor de outras festas – ganhou projeção quando beneditino e esfumou-se quase logo desde que deixou de pertencer à ordem de São Bento. Outro tanto se poderia referir a cantautores ligados ao mundo eclesiástico da época abrilina, que bem depressa foram deixados de ser tidos em conta quando saíram do espaço eclesial…

3. Dizia alguém com propriedade e sabedoria, no tempo de formação de futuros padres: não penseis que gostam de vós ou vos consideram mais simpáticos ou com mais qualidades por serdes (possivelmente) homens mais bem-parecidos ou interessantes, mas por serdes padres…Esta condição é que vos faz mais ‘apetecíveis’…É complexa a condição humana e, sobretudo, se virmos tantas destas questões pela perspetiva humana e com critérios mundanos.

Se tivermos em conta os exemplos supra citados, essas pessoas perderam qualidades musicais e de espetáculo por deixarem de ocupar uma função religiosa? A dispensa de tal tarefa desfez quem achava que as músicas e cantorias eram interessantes? Certos elogios e aplausos eram sinceros ou enfermavam de interesseirismo?

4. Sem qualquer moralismo barato, tentemos penetrar no âmbito da ‘ilusão’ e como ela pode tornar-se má conselheira, particularmente se quisermos encontrar sinais deste fator de vida para tantas pessoas, podendo servir-nos como autoavaliação no nosso quotidiano. Certamente poderemos reconhecer que a desilusão é proporcional à ilusão e que esta se alicerça em bases pouco consistentes, na medida em que esta pode ser mais fruto da imaginação pessoal e da efabulação alheia, por isso, sem realidade ou roçando a virtualidade. Se tivermos ainda em conta sinónimos de ilusão andaremos pelas franjas da fantasia, da alucinação, do engano, do disfarce, do logro, do engodo…Tudo palavras que, sem nos darmos conta, estão subjacentes a tantos dos nossos artistas ou cantores, vendedores de sonhos, candidatos em programas televisivos… de ontem e como hoje.



António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário