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domingo, 6 de novembro de 2022

Da competência à meritocracia

Talvez seja algo que não se vê nem seja promovido devidamente em muitas das nossas instâncias sociais, económicas, políticas, religiosas… e culturais. Pelo contrário vê-se, em larga escala (e escalada), a pulular o nepotismo, o clientelismo, o pagamento de favores (de forma explicita ou tácita), a incompetência, a luta de protagonismo… sem capacidade para os postos desejados.

Porque acredito mais na competência do que no mero oportunismo. Porque creio mais no mérito do que na esperteza ao desbarato. Porque espero confiadamente numa sociedade onde quem mais presta, melhor serve, ouso colocar algumas pistas de questionamento…sem rede nem filtros:

1. Duas considerações prévias: vivemos uma crise de liderança e são cada vez menos aqueles/as que aceitam que a sua vida seja exposta quando colocados em lugares de poder. Se atendermos ao último meio século – desde 1970 – da nossa história recente poderemos constatar como foi decrescendo a qualidade dos líderes políticos, sociais, económicos ou mesmo religiosos/católicos. Vejamos exemplos: Helmut Kohl, François Mitterrand, os vários Bush’s, Margaret Tatcher, os ‘fundadores’ de democracia em Portugal (Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Adriano Moreira (recém-falecido com mais de cem anos) e seus sequazes; investidores na economia, como Belmiro de Azevedo, Soares dos Santos, Salvador Caetano, Rui Nabeiro (ainda vivo); pensadores das questões sociais, com diversos sindicalistas ou mentores na linha da doutrina social da Igreja, tais como Manuela Silva ou Alfredo Bruto da Costa; e na linha eclesial como não recordar bispos, sobretudo, do pós-25 de abril e com intervenção lúcida, incisiva ou provocatória, como D. Manuel Almeida Trindade, D. António Ribeiro, D. Manuel Martins, D. Eurico Dias Nogueira ou D. João Alves… Isto já para não referir, por excelência, os papas, João Paulo II, Bento XVI ou Francisco. Todos, de uma forma ou de outra, somos devedores a estes líderes que foram consolidando a consciência de fé, a reflexão de vida e o compromisso ainda fosforescente.

2. E agora que temos naqueles como noutros campos de intervenção? Alguns arranjos de cozedura mal-amanhada, muitas vezes sem chama nem crepitação, parecendo mais devedores de quem os colocou no posto do que influenciadores a partir das qualidades que os fizeram ser figuras com autoridade e não meros ocupantes de postos de poder. Muitos dos substitutos daqueles que elencamos anteriormente não passaram de arremedos de incompetência, joguetes de forças obscuras e, por não dizê-lo e assumi-lo, tornando-se a ponta de algum icebergue à deriva num mar de interesses nem sempre explícitos. O pior é que quase todos veem isso nos outros e não conseguem detetá-lo nas suas condições mais básicas. A teoria do ‘espelho’ só serve para se enganarem e não para se avaliarem com verdade, serenidade e sem-presunção.

3. De entre os campos mais suscetíveis de concretização desta análise entre a mediocridade e a competência, entre o arranjismo e a meritocracia, entre o ‘não faças o que eu faço’ porque só tens a perder é a instância das forças autárquicas… câmaras e juntas de freguesia, com tudo o que lhes está adstrito pela conveniência e a oportunidade. De vez em quando emergem casos de conluio especulativo na esfera do poder autárquico, numa mistura que exige – nítida e simplesmente – grande capacidade de discernimento entre o possível, o razoável e o complexo de situações, de possibilidades e mesmo de manipulação…

O lóbi do betão já fez obra noutras épocas, depois vieram vários outros setores onde quem está no poder tenta não o deixar escapar, pois, para além da perda de protagonismo, pode hipotecar o futuro (risonho, de sucesso ou de travessia no deserto) do partido e até da família.

4. Quando surgirão servidores do povo sem quererem vender a imagem e não o ideal? Quando teremos homens com verdade, justiça e construtores de paz? O mérito promove a competência… sempre e com dedicação altruísta, simples e leal. Voltem os que sabem ter autoridade sem poder!



António Sílvio Couto

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