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quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Manipulador obsessivo

 

É algo imprescindível. Todos lhe obedecem e prestam culto. Ninguém sai de casa (ou está em casa ou noutro lugar qualquer) sem a sua inquestionável presença. Faz parte da indumentária de todos, desde os mais ricos até aos mais pobres. Ele contém tudo a nosso respeito e faz de cada um de nós, uns manipulados a seu-bel-prazer. Estas e outras considerações ou mesmo atributos são dados ao telemóvel, esse instrumento do dia-a-dia, no hora-a-hora…que tem tanto de útil como de perigoso.

O telemóvel está presente, em Portugal, desde 1973… em 2021 havia mais de 14 milhões de aparelhos…

1. Haverá alguma razão sociocultural para explicar a democratização do uso do telemóvel? Por que se fez tão vulgar vermos este instrumento de comunicação nas mãos de todos, sem olhar a meios nem a condições sociais? Não andaremos todos alienados com os bons frutos do telemóvel, se não advertirmos de tantos dos malefícios pessoais, familiares ou culturais? Não seremos mais manipulados do que utentes civilizados por esta geringonça tão atrativa e fascinante? Já cuidamos do que pode haver de menos bom no uso – dir-se-ia abuso – do telemóvel em tantos lugares, circunstâncias, tarefas e atividades?

2. Não está em causa lutar – mínima ou afanosamente – contra o telemóvel, mas antes consciencializarmo-nos para os perigos deste instrumento de comunicação social, que, se mal manuseado, poderá converter-se numa autêntica bomba no nosso bolso. Parece consensual que o telemóvel contribuiu para o isolamento das pessoas umas das outras. Não é nada difícil chegar a um lugar qualquer e ver dezenas de pessoas de nariz enfiado no aparelho, a dedilhar nos seus interesses sem olhar a ninguém… Com que normalidade vemos pessoas a andar na rua, literalmente distraídas com o aparelho e correndo o risco de caírem ou de se estatelarem contra uma árvore ou algum obstáculo, pois não o percebem, tal é a fixação naquilo em que vão ocupadas…ao telemóvel.

3. Fomos, apesar de tudo, aprendendo a saber estar com os outros, pelo uso do telemóvel: boa parte das pessoas já não impõe aos demais os barulhos dos toques do aparelho; grande parte das pessoas coloca fora de audição o aparelho para não incomodar os outros; até as músicas introduzidas para anunciar o toque foram sendo mais civilizadas e atentas aos gostos alheios. Mesmo com o risco das multas ainda vemos muitos condutores a falarem ao telemóvel, se bem que os veículos, em boa parte, já tenham sistemas introduzidos de mãos-livres. No entanto, não deixa de ser bizarro ver/ouvir pessoas a falarem sem a presença próxima de outrem.

4. De todas as possibilidades que o telemóvel contém aquela que mais atrofia a minha parca compreensão é essa de querer fazer do simples aparelho tudo e o resto que dele se possa explorar. Dá a impressão de haver um exagero de funções, sobretudo, se aquelas que lhe acrescentarmos podem fazer perigar a qualidade das mesmas. Tudo se pode tornar ainda mais agravado se houver algum problema com o aparelho – é uma máquina e pode ter as suas falhas e avarias – correndo-se o risco de deitar – quase literalmente – tudo a perder…

5. Dada a dependência psicológica, emocional, laboral ou social do telemóvel talvez fosse bom irmos fazendo alguma desintoxicação sobre o mesmo, deixando-o fora do nosso alcance por alguns minutos, horas e (quem ousaria?) dias. Não será bom para o nosso equilíbrio mental e afetivo estar tão aferrado a um aparelho, que, em vez de nos ser útil, nos faça viver em excesso de companhia.

A psicose de ‘sempre contactável’ pode não ter tão benéfica como julgamos, pois deixaremos de ser livres até para vivermos o necessário silêncio interior e exterior. Seria como sermos escravos de algo que veio para nos servir e, agora, nós vivemos na dependência disso que nos escraviza, condiciona ou manipula…sem nos darmos conta!

Aliás, não haverá novos ‘pecados’ pelo uso e/ou abuso do telemóvel? Este faz-me livre, a sério?



António Sílvio Couto

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