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quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Do ‘Halloween’ ao ‘pão-por-Deus’



Com a aproximação ao final do mês de outubro vemos surgirem sinais do ‘halloween’ ou dia das bruxas. Nitidamente esta pretensa manifestação cultural não faz parte da nossa vivência cristã-católica, antes é uma importação do norte da Europa – países anglofonos – recauchutada nas Américas e exportada, pela sociedade de consumo, para o mundo ocidental.

Fique claro que, na Europa do sul, de inflência mais católica, temos hábito do ‘pão-por-Deus’ bem menos aterrador e talvez mais fraterno...

1. Origem do halloween. Acredita-se que a maioria das tradições de ‘halloween’ tenham tido origem nos antigos festivais celtas chamados ‘samhaim’, que marcavam a passagem de ano e a chegada do inverno. A cerimónia assinalava o fim do verão e início dos dias escuros do inverno. Os celtas acreditavam que nessa época os espíritos visitavam este mundo e, para afastá-los, acendiam fogueiras, lanternas e tochas.

A maioria dos símbolos característicos do ‘halloween’ têm origem nos primórdios da tradição, enquanto outros foram agregados com o tempo. Entre os principais estão: as cores laranja e preto. Ao ‘halloween’ são associadas estas cores pois o festival do ‘samhaim’ era comemorado no início do outono, quando as folhas se tornam laranja e os dias são mais escuros.
O recurso a máscaras e fantasias ajudavam, na celebração de ‘shamhaim’, a enganar os espíritos, que não reconheciam os humanos e continuavam vagando pelo mundo sem incomodar. Os festivais de ‘samhaim’ envolviam ainda o uso de fogueiras.

2. Cristianização. Nesta como noutras festas de índole religiosa não-cristã, a Igreja católica tentou, já nos séculos VII e VIII, ‘batizar’ primeiro o panteão romano, tornando-o um templo cristão e depois dedicando a capela de ‘Todos os santos’, na Basílica de São Pedro, em Roma, no dia 1 de novembro… Mais tarde, século IX, esta festa de Todos os Santos foi estendida a toda a Igreja.

Atendendo à conexão entre a veneração de Todos os Santos, com os resquícios do culto dos mortos na cultura celta, entretanto cristianizada, vemos que a comemoração dos Fiéis Defuntos se tornou fácil de conjugar: num dia celebrámos os Santos e no dia seguinte os que já morreram ‘marcados com o sinal da fé e dormem agora o sono da paz’, como se reza no cânone romano da missa.

3. Razões do culto hodierno do ‘halloween’. Parece que uma promoção cada vez mais acentuada do consumismo aliado a um outro, o do afastamento de Deus e da prática religiosa tem vindo a ser substituído, desde as escolas até às instâncias sociais, essa promoção de desfiles, de festas ou mesmo de programas televisivos de ‘halloween’. Vemos de tudo, desde o mais sensato e comedido até ao mais extravagante ou exotérico. Esta espécie de carnaval de outono faz como que emergir sinais de perigosos de uma psicologia social e de grupo com configurações neopagãs. Quantos fantasmas saem dos armários e pululam nas ruas de aldeias, vilas e cidades… nas escolas e nos locais de diversão, em espaços dedicados a crianças ou aos mais velhos…Literalmente: anda por aí muito diabo à solta ou pelo menos não-domesticado e sem peias. Mesmo que rejeitando a morte, há quem a cultive inconsciente e recorrentemente.
 
4. Recuperar o ‘pão-por-Deus’. Na cultura católica de maior expressão no sul da Europa tem sido comum, já desde a Idade Média, que as pessoas deem esmolas de sufrágio pelos defuntos. Em muito casos – recordo do meu tempo de criança – os mais pobres das terras aproveitarem esses momentos para permitirem às famílias dos falecidos mais recentes a possibilidade de lhes darem alguma esmola em género ou em dinheiro…pelo sufrágio das almas do que partiram.


Se atendermos à forma como os mais novos se aproximam – no contexto de Halloween – dizendo: ‘doce ou travessura’, pedidos de porta em porta… isso deixa campo de inserção para o ‘pão-por-Deus’, vivido e partilhado nalgumas regiões do nosso país. Pode parecer infantil, mas comporta algo mais do que uma brincadeira de ocasião.





António Sílvio Couto



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