Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Silêncio – ausência ou presença?

 


Um dia a professora, no início da manhã, perguntou às crianças se alguém saberia explicar ‘quem é Deus’. Uma das crianças levantou o braço e disse: Deus é nosso pai, Ele fez a terra, o mar e tudo o que está neles, fez-nos seus filhos. A professora, querendo ouvir outras respostas, retorquiu: como sabem que Deus existe, se nunca O viram? Fez-se silêncio na sala e o Pedrito, um tanto a medo, levantou o braço e disse: a minha mãe disse-me que Deus é como o açúcar no meu leite, que ela prepara cada manhã; eu não vejo o açúcar misturado com o leite, mas se ela não o coloca, fica sem sabor. Deus existe e está sempre connosco, só que nós não O vemos, mas se Ele sair de perto de nós a nossa vida fica sem sabor...

É estória. Não terá algo a querer incomodar-nos?
Falar sobre o silêncio poderá parecer ter conteúdo mais profundo de Deus.

1. «O silêncio: aquele espaço de interioridade nos nossos dias nos quais damos ao Espírito a oportunidade de nos regenerar, de nos consolar, de nos corrigir. Não estou a dizer que devemos cair num mutismo, não, mas devemos cultivar o silêncio. Cada um olhe para dentro de si mesmo: muitas vezes estamos a fazer um trabalho e quando terminamos procuramos imediatamente o telemóvel para fazer outra coisa, somos sempre assim. E isto não ajuda, faz-nos escorregar para a superficialidade. A profundidade do coração cresce com o silêncio, um silêncio que não é mutismo, como eu disse, mas que deixa espaço à sabedoria, à reflexão e ao Espírito Santo. Por vezes temos medo dos momentos de silêncio, mas não devemos recear! O silêncio far-nos-á muito bem. E o benefício para os nossos corações curará também a nossa língua, as nossas palavras e, sobretudo, as nossas escolhas».
Eis como o Papa Francisco, na audiência geral de 15 de dezembro de 2021, definia, incentivava e exigia que nós, cristãos, sejamos cultivadores conscientes e dinamizados pelo silêncio, à semelhança de São José.

2. Agora que surgem trocadilhos como ‘dar voz ao silêncio’, propostas artísticas: ‘silêncio que se vai cantar o fado’ ou ainda desafios a dar tempo ao silêncio num esvaziamento para o nada (das religiões exotéricas e da moda), torna-se essencial ver quais devem ser as caraterísticas do nosso silêncio cristão.
Antes de mais ‘cada um um olhe para dentro de si mesmo’. Sim, precisamos de ver a figura palradeira com que tantas vezes nos entretemos, não ouvindo nem deixando os outros ser ouvidos.
Silêncio de profundidade: com que destreza dizemos coisas, mas sem conteúdo, tal a velocidade das palavras vazias, ocas sem nexo.
Quando se tem algo a dizer com profundidade não se faz tanto barulho com os dentes – outros falariam de outros adereços mais ruidosos – nem se grita como se os outros fossem surdos, pois quando o coração fala escuta-se com respeito, veneração e significado.


3. A questão de fundo parece ser esta: o que faz adoecer mais, o silêncio ou o barulho? Com efeito, vemos tantas pessoas desequilibradas pelo basqueiro – termo regional minhoto para dizer: barulho em excesso ou confusão de vozes – em que se metem e onde tentam colocar o relacionamento com os outros. Não se calam nem um segundo, pensando com isso ganharem ascendente sobre os outros. Repare-se na insonorização que precisamos de constuir para que os debates políticos tenham qualidade de serem um pouco mais do que algazarra sem nexo nem propostas...aceitáveis.


4. Se não atalhamos com urgência, dentro em pouco será impossível comunicarmos uns com os outros. Precisamos de ter espaço e espaços onde se cultive o silêncio como método de vida e como atitude social, onde não haja música (dita) de ambiente, que mais não é do que alienação para que ninguém se escute ou possa comunicar minimamente. Até os lugares de celebração da fé cristã precisam de ser reeducados para o silêncio, onde Deus fale: nós o escutemos a Ele e uns aos outros. Silêncio, precisa-se!



António Silvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário